Leia a seguir a carta ao desembargador André Nekatschalow protocolada pelos guarani na sede do Tribunal Regional Federal de São Paulo. Parte integrante da matéria “Guaranis protestam contra ameaça de reintegração de posse em aldeia de São Paulo“.
São Paulo, 25 de Julho de 2014
Ao Excelentíssimo Senhor André Nekatschalow, Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Assunto: Agravos de Instrumento nos 0016181-66.2014.4.03.0000 e 0016182-51.2014.4.03.0000 referentes à Terra Indígena Jaraguá
Vossa Excelência,
Com essa carta, nós indígenas guarani-mbya da Terra Indígena Jaraguá, queremos trazer ao vosso conhecimento esta seleção de desenhos feitos pelas crianças da nossa aldeia quando tiveram a notícia de que havia sido proferida contra nós uma decisão de reintegração de posse. Decisão que determinava que todos nós teríamos que sair de nossas casas, sem dizer para onde poderíamos ir e que foi expedida pelo Excelentíssimo Senhor Clécio Braschi, Juiz Federal da 8ª Vara.
Hoje, ao protocolar essa carta e esses desenhos, estaremos respeitosa e pacificamente em frente ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região realizando um ato para expressar nossa enorme preocupação e medo com essa situação. Trazemos aqui nossas crianças, nossos pajés, nossos xondaros e xondarias, dançando e cantando para mostrar a todos um pouco do nosso modo de ser, nhandereko.
Nossos pajés estarão rezando o tarova’i, nossa reza tradicional, para pedir às divindades (Nhanderu) que iluminem a Justiça dos Brancos para que eles possam devolver um pouco das terras que nos foram tomadas, e possamos viver em paz com nossas crianças.
Sabemos que o Excelentíssimo Senhor Alessandro Diaferia, Juiz Federal Convocado, suspendeu temporariamente a liminar de reintegração de posse e o prazo para nossa saída, e isso nos trouxe alívio.
Mas esperamos também que Nhanderu traga a sabedoria para que o Excelentíssimo Senhor Desembargador mantenha essa decisão, e nos livre de uma vez por todas deste risco de despejo que tanto nos preocupa.
Somos os habitantes originários desse país, e não é muito o que pedimos: apenas um pouco de espaço para cuidar das nossas crianças e praticar a cultura que os antigos nos deixaram. Somos mais de 700 pessoas vivendo na menor terra indígena do Brasil, com 1,7 ha.
Para viver com dignidade precisamos da garantia das áreas da aldeia Tekoa Pyau, que foi atingida por essa sentença, e de toda a área que compõe a Terra Indígena Jaraguá, com 532 ha, já reconhecida pela FUNAI.
O desenho das nossas crianças expressa o apego pela aldeia do Tekoa Pyau e o nosso vínculo indissolúvel com a nossa terra tradicional. Não temos outro lugar pra ir.
Por isso, com base no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, esperamos que o Excelentíssimo Senhor Desembargador mantenha a suspensão da decisão de reintegração de posse contra nossa aldeia tradicionalmente ocupada por nosso povo, como já reconhecido pela FUNAI e pela perícia antropológica que consta no processo.
Com base no artigo 232 da Constituição Federal de 1988, pedimos que o Excelentíssimo Senhor Desembargador autorize a inclusão dessa carta assinada pelo nosso cacique e pelo coordenador de nossa organização política nos autos do processo, bem como dos desenhos feitos pelas crianças.
Aguyjevete!!
Vitor Fernandes Soares
Cacique da Aldeia Tekoa Pyau, Terra Indígena Jaraguá
Marcos dos Santos Tupã
Coordenador Tenonde da Comissão Guarani Yvyrupa – CGY