O recurso extraordinário empresarial que questiona a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no ponto em que nega validade aos contratos de terceirização na atividade-fim da empresa, leva para o Supremo Tribunal Federal (STF) o tema de mais acirrada disputa política do mundo do trabalho na atualidade.
Há mais de uma década se arrasta no Congresso Nacional o PL nº 4.330, de 2004, por meio do qual a bancada patronal pretende liberar a terceirização em todas as atividades empresariais, e não apenas na atividade-meio, como atualmente admite a jurisprudência trabalhista. O polêmico projeto tem sido repudiado pela classe trabalhadora, com razão.
Por trás do mecanismo de caráter gerencial, a terceirização promove a degeneração insidiosa dos direitos dos trabalhadores, primeiramente, ao excluir o trabalhador terceirizado de sua “verdadeira” categoria profissional, enfraquecendo seu poder de negociação coletiva e privando-lhe de usufruir das convenções e acordos coletivos das empresas que se beneficiam do seu trabalho.
As empresas reivindicam o direito de uso exclusivo de terceirização, cooptando mão de obra a baixo custo |
A lógica de mercado que rege os contratos de terceirização enseja empregos terceirizados precários e transitórios, com intensa redução remuneratória e de benefícios sociais. Em pesquisa sobre o processo de terceirização no Brasil (A superterceirização dos contratos de trabalho – 1985/2005), do economista e pesquisador Márcio Pochmann, constatou que a principal motivação da terceirização “tem sido, em geral, a busca da redução do custo do trabalho como mecanismo de maior competitividade”.
Em pesquisa mais recente (Sindeepres, trajetória da terceirização – 1985/2010), Pochmann constata que “apesar da elevação do salário médio dos terceirizados, desde a década de 1980, ele não representou mais do que 50% do valor estimado do salário médio real dos trabalhadores em geral”. A mesma pesquisa demonstra que os trabalhadores terceirizados estão submetidos a maior rotatividade, com tempo médio de permanência no emprego em torno de um ano e meio de contratação.
Sob a lei de livre mercado, a prática também promove a redução de medidas de proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores terceirizados. Dados divulgados pelo Dieese (Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha) demonstram que a maioria dos acidentes de trabalho ocorridos no país vitima trabalhadores terceirizados. No setor de geração e distribuição de energia elétrica, por exemplo, entre os anos de 2006 e 2008, morreram no país 239 trabalhadores vitimados por acidentes de trabalho, dentre os quais 193 (ou seja, 80,7%) eram trabalhadores terceirizados (Terceirização e morte no trabalho).
Em 1993, as empresas conquistaram no TST, com a Súmula 331, o reconhecimento da legalidade da terceirização na atividade-meio, ao argumento de que o novo modelo de empresa flexível precisava focalizar seus recursos e energias no exercício do seu “core business”, sua atividade-fim. Desde então, os órgãos de fiscalização do trabalho vêm atuando para que as empresas, em sua atividade-fim, empreguem diretamente o trabalhador, com máxima proteção social.
Ao definir o objetivo social do seu empreendimento, o empresário exerce plena liberdade de escolha de sua atividade econômica, mas assume por isso uma função social, um compromisso constitucional comunitário de promover trabalho com dignidade, contratando seus próprios empregados (art. 7º, I, da Constituição), pelo menos, para a realização de sua atividade-fim.
Agora, o que as empresas reivindicam no STF é a terceirização da própria atividade-fim, ao argumento da irrestrita liberdade de contratar. Em outros termos, reivindicam o direito de explorar atividade econômica sem contratação de empregados, com uso exclusivo da terceirização, cooptando mão de obra a baixo custo e sob as condições precárias já referidas.
Pretensão dessa natureza funda-se numa visão ultraliberal de livre-iniciativa, que almeja o lucro como fim último da atividade econômica, em prejuízo da valorização do trabalho humano e da função social da empresa. Busca-se o reconhecimento de uma liberdade econômica antissocial, uma versão contemporânea do livre-mercado de mão de obra, predatória do próprio sistema capitalista, porque, ao reduzir o trabalho à condição de mercadoria, desconstrói o pacto constitucional compromissório entre o capital e o trabalho, hoje sintetizado na interpretação da Súmula 331 do TST.
Essa visão unilateral de liberdade não encontra amparo no projeto de sociedade brasileira, previsto na Constituição de 1988, ciosa em assegurar direitos fundamentais aos trabalhadores (arts. 7 a 11), como veículos de afirmação dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (art. 1º, IV).
O Ministério Público do Trabalho tem plena confiança de que o Supremo Tribunal Federal apreenderá a exata dimensão social desse conflito e oferecerá solução comprometida com a unidade proporcional de todos os interesses constitucionais envolvidos, reservando ao trabalhador brasileiro o respeito e a dignidade que a Constituição cidadã lhe destina.
Helder Santos Amorim e Luís Camargo são, respectivamente, procurador do Trabalho em Minas Gerais e procurador-geral do Trabalho e professor no Centro Universitário Iesb, em Brasília
Texto originalmente publicado na página do jornal Valor Econômico
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