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Adolescente chinês é resgatado da escravidão com ajuda de tradutor online

Jovem escravizado trabalhou em pastelaria por dois anos sem receber salário ou poder sair do local. Fiscalização investiga se caso está ligado a rede internacional de tráfico de pessoas

Um adolescente chinês de 17 anos foi resgatado de trabalho em condições análogas às de escravos no município fluminense de Mangaratiba, a 100 quilômetros da capital Rio de Janeiro. Desde que chegou ao Brasil, há dois anos, ele trabalhou diariamente em uma pastelaria sem descanso ou qualquer salário. “A gente faz nossas compras em um estabelecimento e, muitas vezes, não percebe que há trabalhadores sendo escravizados na nossa frente”, resumiu a auditora do trabalho Marcia Albernaz de Miranda, que participou do resgate. A violação foi descoberta depois de a vítima fugir e ser acolhida pelo Conselho Tutelar local. A comunicação com o jovem, que por viver isolado não sabia falar português, só foi possível com ajuda de uma ferramenta de tradução de idiomas pela internet. Os agentes da fiscalização consideraram que o adolescente foi vítima também de tráfico de pessoas.

Pastelaria onde chinês resgatado era submetido a jornada exaustiva e condições degradantes (Fotos: SRTE-RJ)

Pastelaria onde chinês resgatado era submetido a jornada exaustiva e condições degradantes. Fotos: SRTE/RJ

A locomoção da vítima foi restringida, segundo a fiscalização, porque seu passaporte ficou retido com os responsáveis pelo estabelecimento. Encerrado o expediente às 22 horas, o rapaz ia para o andar de cima, onde ficava seu alojamento e de outros três chineses adultos que também trabalhavam na pastelaria. Apertado e sem janelas, o local foi considerado em condições degradantes, o que colaborou para a caracterização de trabalho escravo segundo o artigo 149 do Código Penal. O trabalho desses adultos, no entanto, não foi classificado como em condições análogas às de escravos pela fiscal, que não considerou que eles estivessem sujeitos às mesmas outras infrações cometidas contra o adolescente.

O jovem libertado contou à fiscalização ter chegado ao Brasil em 2012, de avião. Sua passagem foi paga pela mãe e a viagem foi feita com cinco conterrâneos desconhecidos de sua cidade natal. No Rio de Janeiro, o grupo foi recepcionado por um homem, que os levou até uma casa. O dono da pastelaria chegou logo depois e levou a vítima para o local onde ela trabalhou até fugir. O adolescente ainda relatou nunca mais ter tido contato com os demais chineses.

Apertado e sem janelas, alojamento foi considerado em condições degradantes

Apertado e sem janelas, alojamento foi considerado em condições degradantes

As características do caso fizeram a fiscalização autuar o dono da pastelaria por tráfico de pessoas, além de trabalho escravo. “O tráfico de pessoas não está ligado necessariamente à participação no processo de translado das pessoas. Para ser autuado, basta ter acolhido a vítima para, em combinação com outras características como as desse caso, ser caracterizado”, explicou Marcia. A fiscalização, que investiga casos semelhantes na região, apura ainda se o caso está relacionado à atuação de uma rede de tráfico de pessoas que alicia trabalhadores chineses.

Resgate
Com apenas R$ 100 no bolso, o rapaz fugiu sozinho à noite, quando todos estavam dormindo. Sem que ninguém visse, teve de pegar as chaves do local, que ficavam guardadas no quarto da família dona da pastelaria. Sem saber para onde ir e sem falar português, a vítima começou a caminhar pela estrada em direção ao município vizinho de Itaguaí. Andou cerca de 20 quilômetros madrugada adentro, ao longo de quatro horas, até ser abordado por dois policiais civis, que o encaminharam ao Conselho Tutelar do município.

Por causa das dificuldades de comunicação, os conselheiros buscaram outros chineses que vivem na região, mas ninguém conseguiu ajudar porque a vítima faz parte dos 30% de chineses que, de acordo com o governo da China, não falam mandarim (o idioma oficial do país). Só na província de Guangdong, de onde o jovem veio, são faladas outras seis línguas além do mandarim.

Sem ninguém que pudesse ajudar com a tradução, os servidores recorreram a ferramentas de tradução pela internet. Só então a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE) do Rio de Janeiro (a divisão do Ministério do Trabalho e Emprego responsável pelo estado) pôde ser chamada para investigar o caso. “Como o trabalhador foi encontrado por servidores públicos [os policiais civis], foi possível caracterizar o flagrante e acolher a vítima”, explicou Marcia. Também participaram da operação os auditores Rinaldo Almeida e Fátima Chammas.

Como consequência da operação, o Ministério Público do Trabalho (MPT) propôs um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) à pastelaria, que se comprometeu com uma série de medidas para regularizar as condições dos alojamentos e a manter os demais trabalhadores em um hotel até que as obras estejam prontas. De acordo com o procurador Marcelo José Fernandes da Silva, do MPT, o dono do local deve, ainda, pagar todos os salários devidos à vítima de trabalho escravo, além das verbas rescisórias. Além disso, o empregador não deverá mais contratar adolescentes menores de 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, ou reter os documentos de seus empregados.

Esta matéria foi produzida com o apoio da Catholic Relief Services (CRS)


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11 Comentários

  1. Luana

    COMO ASSIM OS DONOS DA PASTELARIA NÃO FORAM PRESOS????

  2. Ismael Battastini

    Me perguntei a mesma coisa. Tinha que pegar já o mandato, entrar lá de surpresa, de assalto,metendo o pé na porta, etc e tal… E jogar na cadeia.

  3. Adriana

    Me pergunto tb como eles não foram presos? Cárcere privado, pra começar!! Mas senti falta de mais informações. Onde tá o rapaz agora? Qual o nome dos donos da pastelaria?

  4. camila

    Pois é, Luana… Como assim?! Estou chocada com o pouco caso que fazem da situação… Imagine quantas pessoas podem estar vivendo desta forma neste momento…

  5. Hendi Luiz

    Eita Brasilzão velho aqui pode Tudo. O câncer do Brasil não esta na política está no judiciário que não serve pra nada. Poder FALIDO. Sorte dessa rapaziada que eles vieram parar aqui na internet… senão iria haver um processo de uns 6 anos pra liberar esses rapazes de tanto RECURSO que existe nesse Poder FALIDO.

  6. Adilson Alves Senne

    Também quero saber pq não foram presos???

  7. Lara

    Que absurdo.. E esses criminosos, donos da pastelaria, só têm que se comprometer com um TAC e pronto?! Depois ninguém entende como o trabalho com condições análogas à escravidão ou o trabalho escravo ainda persistem. E o nome da pastelaria deveria ser dito, para que as pessoas não consumissem num estabelecimento criminoso.

  8. Gão

    Prezados(as), a categoria “condições análogas à escravidão” não é também um eufemismo para dissimular a escravidão? É e.s.c.r.a.v.i.d.ã.o., e ponto final.

  9. Romero César

    RESPONSABILIDADE TOTAL DO GOVERNO DO ESTADO.

  10. Mary Jane

    É,
    deviam prender e divulgar o nome da Pastelaria, senão, fica parecendo proteção aos reais “infratores” da lei.

  11. Juliano

    Realmente parece existir muita proteção e facilidade para esse tipo de criminoso. Sem falar no tráfico de mulheres que é muito pior. Risco corremos nós de fazer estes comentário aqui…

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