O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) autuou, na manhã desta segunda-feira, o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, que administra o Theatro Municipal de São Paulo, por discriminação na demissão de 15 músicos da casa. O instituto, que tem dez dias para apresentar sua defesa, também foi autuado por não assinar as carteiras de trabalho dos artistas, que trabalharam por até 25 anos sem receber todas as garantias como férias e 13º salário. As infrações podem resultar na restrição dos repasses de verbas públicas e em multas ao teatro.
Os motivos das demissões ainda não estão claros para os músicos, que faziam parte dos coros Paulistano e Lírico da casa. À Reporter Brasil, o diretor geral da Fundação Theatro Municipal, José Luiz Herência, disse que “apenas 15 de 126 cantores foram avisados previamente que não teriam os contratos temporários renovados, por critérios exclusivamente técnicos e artísticos”. “Os cantores são avaliados pelos respectivos maestros permanentemente, no dia a dia de ensaios e apresentações, e os cantores em questão não demonstraram, durante o último ano, desempenho compatível com a qualidade almejada para os grupos”, informou.
Os artistas, contudo, alegam não ter havido qualquer processo de avaliação que explicasse os “critérios técnicos e artísticos” anunciados. José Maria Cardoso, que fez parte do Coral Paulistano por 12 anos, conta que participava dos testes para passar a fazer parte do Coral Lírico: “Das três fases, fui aprovado nas duas primeiras. A demissão saiu no mesmo dia da divulgação do resultado da última etapa. Como uma pessoa que chega à fase final na audição para um outro coro é dispensada por ‘critérios técnicos’?”, indaga.
Questionamento semelhante tem Margareth Loureiro, que cantou no Coral Lírico nos últimos 19 anos. Com uma deficiência física que limita sua mobilidade, faltavam dois anos para sua aposentadoria. “Quando o regente me informou que o contrato não seria renovado, pedi pra ele me ouvir, fazer uma prova comigo, mas não houve nada”, diz Margareth. Ela lamenta que agora terá dificuldades para terminar de pagar a faculdade do filho: “Sou a única da família a trabalhar e tenho que sustentar meu filho, marido e meus pais”.
Luiz Antônio Medeiros, que chefia a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (braço do MTE no estado), avalia que o Theatro Municipal “fez uma ‘limpeza’ totalmente arbitrária”.
“A prioridade desta gestão é o que aparece no palco do teatro. Os bastidores continuam como nós estávamos desde 1986”, avalia Danilo Stolagli, que participou do Coral Paulistano por dez anos.
Sem carteira
As irregularidades tiveram início no final dos anos 1980, quando os artistas da casa passaram a ser contratados para a prestação de serviços, e não mais como funcionários públicos. A modalidade não garante direitos básicos a qualquer trabalhador registrado – como férias, 13º salário ou recolhimento de valores para a Previdência Social –, mas os empregados eram subordinados a um chefe e tinham de cumprir os horários de trabalho. “Os trabalhadores não têm nenhuma segurança, porque não são nem funcionários públicos, nem [registrados nos termos da] CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. É um trabalho precário”, resumiu Luiz Medeiros. Os músicos dispensados ouvidos pela reportagem disseram que seus contratos tinham como base jurídica a lei 8.666/1993, que permite a contratação direta de funcionários como autônomos pelo poder público. A lei, no entanto, restringe esse tipo de contrato a, no máximo, um ano.
A situação precária de trabalho perdurou ao longo de diversas gestões até que, em 2011, o prefeito Gilberto Kassab promulgou lei instituindo a Fundação Theatro Municipal, que é pública e vinculada à prefeitura. Em uma parceria com o poder executivo através de organização social, a gestão do teatro ficaria a cargo de um instituto privado subordinado à fundação, possibilitando a contratação de artistas através da CLT. O instituto gestor foi anunciado dois anos depois, em julho de 2013, e trabalha agora pela regularização dos contratos.
Eu quero de todo o coração o meu emprego de volta. Entrei há 25 anos pela porta da frente e passei metade da minha vida lá dentro, em dedicação exclusiva. Para sair desse jeito, eu não aceito |
Em maio deste ano, os gestores reconheceram as irregularidades em inquérito por improbidade administrativa aberto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Na ocasião, foram estabelecidos prazos para a regularização da situação de todos os músicos e demais artistas. “Mas o instituto não pode usar de outra modalidade contratual para se livrar da responsabilidade sobre os trabalhadores depois de ter assinado este documento com o MP”, explica o auditor Renato Bignami, que participou da fiscalização. O MTE pede, agora, a admissão dos 15 artistas demitidos, mas Renato esclarece que essa é só a primeira etapa e que a situação dos demais trabalhadores ainda será fiscalizada.
O diretor geral da fundação lamentou a iniciativa do MTE: “Não entendemos os motivos para o Ministério do Trabalho, que se omitiu na questão nas últimas duas décadas, se manifestar justamente quando resolvemos o problema da celetização. Esperávamos que o Ministério estivesse comemorando conosco este momento histórico, de valorização dos artistas”. A Repórter Brasil apurou que cerca que 500 funcionários do teatro estão atualmente contratados de maneira irregular.
O Sindicato dos Músicos paulista também entrou com uma ação na Justiça do Trabalho para resguardar os direitos desses e outros artistas demitidos nos últimos meses e garantir o recebimento de todas as verbas devidas. O caso deve passar por um tribunal de mediação, onde será oferecido um acordo entre o sindicato e o teatro antes de qualquer decisão judicial.
Heloísa Junqueira, artista demitida nesta leva que trabalhava há mais tempo no teatro, ressente-se: “Eu quero de todo o coração o meu emprego de volta. Entrei há 25 anos pela porta da frente e passei metade da minha vida lá dentro, em dedicação exclusiva. Para sair desse jeito, eu não aceito. A torcida é para a gente reverter essa situação”.