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Teatro Municipal de São Paulo é autuado por demissões irregulares

Músicos que tiveram contrato de trabalho interrompido trabalharam por até 25 anos sem receber direitos trabalhistas. Ministério do Trabalho avalia que demissões foram ‘arbitrárias’

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) autuou, na manhã desta segunda-feira, o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, que administra o Theatro Municipal de São Paulo, por discriminação na demissão de 15 músicos da casa. O instituto, que tem dez dias para apresentar sua defesa, também foi autuado por não assinar as carteiras de trabalho dos artistas, que trabalharam por até 25 anos sem receber todas as garantias como férias e 13º salário. As infrações podem resultar na restrição dos repasses de verbas públicas e em multas ao teatro.

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Irregularidades trabalhistas no Theatro Municipal tiveram início no final dos anos 1980. Foto: Reprodução

Os motivos das demissões ainda não estão claros para os músicos, que faziam parte dos coros Paulistano e Lírico da casa. À Reporter Brasil, o diretor geral da Fundação Theatro Municipal, José Luiz Herência, disse que “apenas 15 de 126 cantores foram avisados previamente que não teriam os contratos temporários renovados, por critérios exclusivamente técnicos e artísticos”. “Os cantores são avaliados pelos respectivos maestros permanentemente, no dia a dia de ensaios e apresentações, e os cantores em questão não demonstraram, durante o último ano, desempenho compatível com a qualidade almejada para os grupos”, informou.

Os artistas, contudo, alegam não ter havido qualquer processo de avaliação que explicasse os “critérios técnicos e artísticos” anunciados. José Maria Cardoso, que fez parte do Coral Paulistano por 12 anos, conta que participava dos testes para passar a fazer parte do Coral Lírico: “Das três fases, fui aprovado nas duas primeiras. A demissão saiu no mesmo dia da divulgação do resultado da última etapa. Como uma pessoa que chega à fase final na audição para um outro coro é dispensada por ‘critérios técnicos’?”, indaga.

Questionamento semelhante tem Margareth Loureiro, que cantou no Coral Lírico nos últimos 19 anos. Com uma deficiência física que limita sua mobilidade, faltavam dois anos para sua aposentadoria. “Quando o regente me informou que o contrato não seria renovado, pedi pra ele me ouvir, fazer uma prova comigo, mas não houve nada”, diz Margareth. Ela lamenta que agora terá dificuldades para terminar de pagar a faculdade do filho: “Sou a única da família a trabalhar e tenho que sustentar meu filho, marido e meus pais”.

Luiz Antônio Medeiros, que chefia a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (braço do MTE no estado), avalia que o Theatro Municipal “fez uma ‘limpeza’ totalmente arbitrária”.

“A prioridade desta gestão é o que aparece no palco do teatro. Os bastidores continuam como nós estávamos desde 1986”, avalia Danilo Stolagli, que participou do Coral Paulistano por dez anos.

Sem carteira
As irregularidades tiveram início no final dos anos 1980, quando os artistas da casa passaram a ser contratados para a prestação de serviços, e não mais como funcionários públicos. A modalidade não garante direitos básicos a qualquer trabalhador registrado – como férias, 13º salário ou recolhimento de valores para a Previdência Social –, mas os empregados eram subordinados a um chefe e tinham de cumprir os horários de trabalho. “Os trabalhadores não têm nenhuma segurança, porque não são nem funcionários públicos, nem [registrados nos termos da] CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. É um trabalho precário”, resumiu Luiz Medeiros. Os músicos dispensados ouvidos pela reportagem disseram que seus contratos tinham como base jurídica a lei 8.666/1993, que permite a contratação direta de funcionários como autônomos pelo poder público. A lei, no entanto, restringe esse tipo de contrato a, no máximo, um ano.

A situação precária de trabalho perdurou ao longo de diversas gestões até que, em 2011, o prefeito Gilberto Kassab promulgou lei instituindo a Fundação Theatro Municipal, que é pública e vinculada à prefeitura. Em uma parceria com o poder executivo através de organização social, a gestão do teatro ficaria a cargo de um instituto privado subordinado à fundação, possibilitando a contratação de artistas através da CLT. O instituto gestor foi anunciado dois anos depois, em julho de 2013, e trabalha agora pela regularização dos contratos.

Eu quero de todo o coração o meu emprego de volta. Entrei há 25 anos pela porta da frente e passei metade da minha vida lá dentro, em dedicação exclusiva. Para sair desse jeito, eu não aceito

Em maio deste ano, os gestores reconheceram as irregularidades em inquérito por improbidade administrativa aberto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Na ocasião, foram estabelecidos prazos para a regularização da situação de todos os músicos e demais artistas. “Mas o instituto não pode usar de outra modalidade contratual para se livrar da responsabilidade sobre os trabalhadores depois de ter assinado este documento com o MP”, explica o auditor Renato Bignami, que participou da fiscalização. O MTE pede, agora, a admissão dos 15 artistas demitidos, mas Renato esclarece que essa é só a primeira etapa e que a situação dos demais trabalhadores ainda será fiscalizada.

O diretor geral da fundação lamentou a iniciativa do MTE: “Não entendemos os motivos para o Ministério do Trabalho, que se omitiu na questão nas últimas duas décadas, se manifestar justamente quando resolvemos o problema da celetização. Esperávamos que o Ministério estivesse comemorando conosco este momento histórico, de valorização dos artistas”. A Repórter Brasil apurou que cerca que 500 funcionários do teatro estão atualmente contratados de maneira irregular.

O Sindicato dos Músicos paulista também entrou com uma ação na Justiça do Trabalho para resguardar os direitos desses e outros artistas demitidos nos últimos meses e garantir o recebimento de todas as verbas devidas. O caso deve passar por um tribunal de mediação, onde será oferecido um acordo entre o sindicato e o teatro antes de qualquer decisão judicial.

Heloísa Junqueira, artista demitida nesta leva que trabalhava há mais tempo no teatro, ressente-se: “Eu quero de todo o coração o meu emprego de volta. Entrei há 25 anos pela porta da frente e passei metade da minha vida lá dentro, em dedicação exclusiva. Para sair desse jeito, eu não aceito. A torcida é para a gente reverter essa situação”.


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6 Comentários

  1. Lis Melo

    Vocês deveriam procurar saber sobre a demissão do Maestro Jamil Maluf e a destruiçao da Orquestra Experimental de Repertório pelo sr Herência e John Neschling!

  2. Frederico Sanchez

    O senhor José Luis Herencia só se “esqueceu” de dizer – um esquecimento conveniente, é claro – que a gestão dele não é o “pai da criança”. A celetização dos artistas doTheatro Municipal é resultado de um modelo de parceria público-privada aprovado na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab – modelo este, aliás, que o PT sabidamente combate. Portanto,.a atual Direção da Fundação não está fazendo mais do que a sua obrigação ao cumprir o que determina a lei aprovada. Não adianta querer posar de “salvador da pátria” dos artistas e colher os louros pela iniciativa de regularizá-los.

  3. Eunice Rodrigues de Mello Junqueira

    O que mais dói nisto tudo é a insensibilidade de um Diretor ao dizer que “apenas 15 dos 126 cantores…”, como se esses 15 fossem apenas números. Estará consciente este senhor do que significa para qualquer ser humano ser dispensado de um trabalho que o “monopoliza” por 25 anos ou mais, para o qual concorreu dando-lhe sucesso, ser jogado no lixo, sem qualquer explicação coerente, reduzindo esse “ser humano número” a um desempregado, sem qualquer garantia e sem qualquer vencimento para arcar com as responsabilidades financeiras de sua vida? Será que existe um número em lugar de sua consciência ou do seu coração? A demissão de “apenas” 15 coralistas, tachados agora de incompetentes para justificar a faxina é uma mancha que denigre e empana a buscada excelência pelo Theatro Municipal de São Paulo. A Fundação, assim, constrói um canteiro, pisando e esmagando rosas.

  4. Chico Walderêdo

    Não há como entender que, para regularizar a situação de trabalhadores cumpridores de contratos precário, seja necessário demiti-los. O que precisa ser feito, sim, é garantir todos os direito dos trabalhadores durante o tempo de trabalho com regularização precária, de modo que resgatem todos os direitos e não sejam prejudicados com benefícios futuros, e garantir, a partir do novo regime de contrato, todos os direitos trabalhista provindos para dai a diante. O problema no Brasil é que indivíduos maldosos e se achando mandatários do rei, geralmente caídos de para-quedes na administração pública, com o intuito explicitamente de prejudicar alguém, talvez por não ir com a cara da pessoa ou devido ser questionado(a) por tal, decidem por conta própria acreditando ser a melhor forma [para si] de se resolver problemas [seus] na administração demitindo trabalhadores; esquecem que o estado justo existe para garantir direitos, com regras claras postas à mesa, daqueles que o sistema [diga-se, bando de indivíduos] tenta massacrar e usurpar-lhes direitos. Viva o Ministério de Trabalho e Emprego [Mte], atento às situações e que tem, de certa forma, amenizado o sofrimento dos trabalhadores e dado um pouco de esperança à sociedade. Aos músicos, acreditem, só se consegue alicerçar direitos com consciência e luta!!

  5. Eunice Rodrigues de Mello Junqueira

    Endossando as palavras de Chico Walderêdo, tenho, outrossim, a acrescentar aos Senhores Diretores da Fundação Theatro Municipal de São Paulo que uma Empresa séria, quando recebe notificações de autoridades e entidades competentes no assunto, como é o caso do Ministério do Trabalho e Emprego e Sindicato dos Músicos de São Paulo, apoiadas por legítimos representantes do povo, o Deputado Estadual Carlos Giannazi, decidem acatar suas recomendações, procurando resolver os problemas criados, corrigindo-os e restaurando o prestígio e imagem da organização que representam e administram. Ao invés dessa postura, estamos sentindo da parte desses Diretores uma reação traduzida por “desculpas esfarrapadas”, “picuinhas” contra os órgãos denunciantes, “blindagem” de pessoas responsáveis pelas falhas, repetindo suas mentiras, ao dizer que os artistas são permanentemente avaliados no dia a dia, que os critérios para a não-renovação dos contratos foram técnicos e administrativos, ou foram técnicos e artísticos e agora, artísticos somente!!! Com essa afirmação mentirosa, os regentes dos Coros Paulistano e Lírico põem em dúvida a capacidade de cantores, imputando-lhes dano moral, pois rebaixam o principal requisito exigido para suas carreiras – cantar bem. (Note-se que o vêm fazendo há mais de 20 anos e até agora foram excelentes). Ficaram “ruins” só agora? Além disso, foram “impedidos” de trabalhar durante a vigência do contrato. (Seu contrato foi “rompido” no dia 12 de setembro, sem justa causa, quando venceria em 30 de setembro). Esquecem-se esses Diretores de que, com isto, estão denegrindo seus cargos e comprometendo seus superiores, representados pela Secretaria Municipal de Cultura e Prefeitura Municipal de São Paulo. Será que pensaram, também, no público que os prestigia e paga para assistir aos espetáculos? É assim que se constrói ou se destrói a excelência do Municipal?

  6. Mario

    Músico no Brasil não é valorizado, e quase sempre são utilizado por políticos sem vergonhas, gestores incompetentes e sindicalistas oportunistas e pelegos, como massa de manobra. É chegada a hora de se organizar os músicos deste pais, criando uma lei que valorize estes profissionais e lhes de segurança jurídica em suas relações de trabalho. Chega de exploração. E o MEC deve criar legislação que assegurem aos músicos de escolas públicas de música, como a EMESP e Escola Municipal de música do Município de São Paulo, um diploma reconhecido pelo sistema de ensino Brasileiro. Outra coisa que precisa acabar é o pensamento de que somente crianças carentes devem aprender música. Música é arte e portanto patrimônio de todas as classes sociais. Porque essas fundações religiosas e não religiosas, que vivem as custas do erário público, não preconiza que, toda criança carente deva ser médico, engenheiro, advogado, pilotos entre tantas outras profissões

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