O Ministério Público do Trabalho firmou um Termo de Ajustamento de Conduta emergencial com as empresas de confecções Kabriolli Indústria e Comércio de Roupas Ltda. e Indústria Têxtil Betilha Ltda. para o pagamento das verbas rescisórias, verbas salariais e danos morais individuais aos 37 trabalhadores bolivianos resgatados em oficina quarteirizada que produzia roupas para a varejista Lojas Renner, cujos valores alcançam quase R$ 1 milhão.
Pelo TAC proposto pelos Procuradores do Trabalho Ronaldo Lima dos Santos e Cristiane Aneolito Ferreira, as empresas também irão readmitir os trabalhadores a partir de fevereiro de 2015, quando termina o pagamento do seguro desemprego especial, tendo sido prevista uma estabilidade no emprego pelo prazo mínimo de seis meses a todos os 37 trabalhadores resgatados. Embora o Termo de Compromisso tenha sido firmado com as confecções Betilha e Kabriolli, os Procuradores oficiantes ressaltaram no bojo do documento que a sua firmação não isenta a responsabilidade da Lojas Renner e nem reconhece a licitude da cadeia produtiva, tendo sido firmado apenas para a imediata proteção dos trabalhadores resgatados e desamparados.
Segundo o Procurador do Trabalho Ronaldo Lima dos Santos, a prioridade foi garantir a urgente e imediata segurança e a sobrevivência desses trabalhadores, sem prejuízo de possível judicialização do caso, inclusive para eventual responsabilização da empresa Lojas Renner. “Neste momento emergencial, nossa principal atenção foi para com os trabalhadores bolivianos. Temos uma preocupação muito grande em tutelar esses trabalhadores para que a comunidade boliviana entenda que estamos agindo para melhorar a situação deles, para que sejam reconhecidos como trabalhadores formais e tenham seus direitos assegurados. São pessoas que chegam aqui já em dívida com alguém, estão sozinhas, fragilizadas e tem muito medo. Nesse caso, com o TAC, conseguimos colocá-los em uma situação muito melhor do que aquela em que foram encontrados. Queremos mostrar a eles que têm o direito de trabalhar aqui neste país com dignidade, como qualquer brasileiro”, afirmou Ronaldo.
“Nossa atuação tirou essas pessoas da condição análoga à de escravos e as inseriu no mercado de trabalho formal, em igualdade de condições com os trabalhadores brasileiros contratados diretamente pelas empresas Betillha e Kabriolli. Garantimos sua subsistência com o pagamento das verbas trabalhistas e do dano moral nos próximos meses e, a partir de fevereiro, eles passarão a ser formalmente trabalhadores das confecções Kabriolli e Betilha”, explicou.
Além de todas as verbas citadas, aos trabalhadores resgatados foi liberado o seguro desemprego no valor de três salários mínimos mensais, sendo que os seus termos de rescisão contratual já foram devidamente homologados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no dia 25 do mês corrente, com a presença da Defensoria Pública da União.
Para o MPT, a empresa Lojas Renner, responsável por toda a cadeia produtiva, a qual controla e mantém economicamente, pratica “dumping social”, quando uma empresa obtém vantagem financeira por meio da desvalorização da mão de obra para obtenção de lucro, ao se beneficiar de trabalhadores em condições análogas às de escravo, da sonegação dos seus direitos e da exploração da sua mão de obra, além de perpetrar prática discriminatória em face da coletividade boliviana.
O inquérito civil instaurado em face da Lojas Renner continua em curso. A empresa recebeu 30 autuações do Ministério do Trabalho e Emprego referentes às irregularidades identificadas, com aplicação de multas que alcançam o total de R$ 2 milhões e deve ainda responder pela prática de exploração de trabalho em condições análogas à de escravo e “dumping social”, quando uma empresa obtém vantagem financeira por meio da desvalorização da mão de obra para obtenção de lucro.
Conheça o caso
Uma fiscalização realizada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP), Ministério Público do Trabalho e Defensoria Pública da União entre outubro e novembro encontrou 37 costureiros de nacionalidade boliviana, entre eles uma adolescente, em regime de escravidão contemporânea em uma oficina de costura quarteirizada que produzia peças de roupas para a Lojas Renner, na cadeia produtiva desta.
A oficina é de propriedade de uma boliviana e fornecia alojamento e alimentação aos trabalhadores, cujos valores eram abatidos em seus rendimentos. Os dormitórios eram divididos por madeira e às vezes por cortinas de tecido, com falta de higiene e privacidade, com botijões de gás empilhados e alimentos armazenados em locais impróprios.
Apesar de haver registro de ponto, que mostrava uma média de oito horas de trabalho diárias, os trabalhadores começavam sua jornada às 7 horas e terminavam às 21 horas, havendo semanas em que trabalhavam até 70 horas. A fraude também se estendia aos salários, que oficialmente eram mensais e fixos, com holerites assinados, mas que na prática eram pagos por quantidade de peças produzidas, cuja retribuição variava de R$ 0,30 a R$ 1,80 por peça. Mesmo assim, os bolivianos não tinham acesso total a seus salários, que ficavam retidos com a oficineira.
A Lojas Renner negou-se a reconhecer qualquer responsabilidade no caso, porém, as investigações continuam para o dimensionamento de toda a sua responsabilidade. (leia aqui a nota da Renner enviada à Repórter Brasil)
Texto originalmente publicado na página do Ministério Público do Trabalho – 2ª Região.