Trabalho escravo

Maranhão nomeia sócio de empresa flagrada com escravos para o governo

Nomeado assessor especial do governo Flávio Dino (PC do B), Camilo Figueiredo era sócio de fazenda onde crianças e trabalhadores bebiam água do mesmo lugar que o gado
Leonardo Sakamoto
 05/03/2015

Camilo Figueiredo, ex-deputado estadual e sócio em uma empresa agropecuária flagrada com trabalho análogo ao de escravo, foi nomeado assessor especial da Casa Civil do governo do Estado do Maranhão.

O governador Flávio Dino (PC do B) assinou durante a campanha eleitoral a Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo, iniciativa da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho escravo (Conatrae). Um dos compromissos assegura que será “prontamente exonerada qualquer pessoa que ocupe cargo público de confiança sob minha responsabilidade que vier a se beneficiar desse tipo de mão de obra”. Dino foi um dos mais atuantes membros da Conatrae, quando atuava como juiz federal.

Em março de 2012, sete trabalhadores foram resgatados de situação análoga à de escravo na fazenda Bonfim, em Codó (MA), em ação conjunta da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Maranhão, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal. A propriedade pertencia à Líder Agropecuária, que tinha como sócios, além de Camilo, outras pessoas de sua família.

A Líder Agropecuária foi inserida no cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo, conhecido como a “lista suja”, e estaria lá até agora se o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, não tivesse atendido a um pedido da associação das incorporadoras imobiliárias e, durante o recesso de final de ano, suspendido a “lista suja” por liminar. (leia mais sobre essa decisão clicando aqui).

Na época do resgate, o então deputado pelo PSD informou à Repórter Brasil que desconhecia as denúncias e que a fazenda era administrada por seu pai, Biné Figueiredo, ex-prefeito de Codó. Camilo se disse surpreso ao ser informado pela reportagem sobre a libertação: “Isso de trabalho escravo é novidade para mim. Até agora não tomei conhecimento desta situação, vou entrar em contato agora para saber o que houve”. A empresa Líder Agropecuária constava na declaração de bens de Camilo.

Biné, por sua vez, negou que fosse o administrador, alegando que não havia trabalhadores na propriedade, “apenas moradores”.

De acordo com o que informou a equipe de fiscalização à Repórter Brasil, a água consumida no local era a mesma que a utilizada pelos animais da fazenda. Retirada de uma lagoa suja, com girinos, ela era acondicionada em pequenos potes de barro e consumida sem qualquer tratamento ou filtragem. Os empregados tomavam banho nesta lagoa, e, como não havia instalações sanitárias, utilizavam o mato como banheiro.

Os trabalhadores resgatados cuidavam da limpeza do pasto e ficavam alojados em barracos feitos com palha, sem proteção lateral, e eram habitados por famílias inteiras, incluindo crianças. Em noites de chuva, as redes onde dormiam ficavam molhadas e todos sofriam com o frio.

Este blog questionou o governo sobre a nomeação e recebeu nota da Secretaria de Estado de Comunicação Social, informando que Camilo Figueiredo foi nomeado “após análise de todos os requisitos legais”. E que “não foi verificado qualquer impedimento previsto em lei”.

Para o governo, pelo fato do servidor não constar em nenhuma lista de trabalho escravo, “é impossível a seus superiores hierárquicos aplicar sanções com base em fatos ainda sem existência jurídica”. Vale lembrar que o nome estava na “lista suja” até o dia 27 de dezembro, quando o cadastro foi suspenso por liminar.

“Sobre acusação à empresa Líder Agropecuária, o fato será analisado, após exercício do direito de defesa por parte do servidor e demais interessados. Com base nesse fato, isolado e ainda sem comprovação relativa à pessoa do citado servidor recentemente nomeado, é absurdo julgar todo um governo, com praticas claras em favor dos direitos humanos.”

E a nota encerra afirmando que Flavio Dino reitera os termos da Carta-Compromisso contra o Trabalho Escravo.

“Ao assinar a Carta-compromisso, o governador se comprometeu a não compactuar com nenhum empregador que faça uso do trabalho escravo. Então, não dá para entender como, em uma situação concreta, inclusive com passagem do empregador pela ‘lista suja’, o governo tenta fugir do seu compromisso através de uma ‘ginástica argumentativa”, afirma o frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de combate ao trabalho escravo da Comissã Pastoral da Terra. “Para nós, essa atitude viola o compromisso.”

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Alojamento onde os trabalhadores dormiam

 

Má notícia, boa notícia

A nomeação e os consequentes protestos por parte da sociedade civil acabaram por ofuscar um avanço que foi a derrubada de um veto da ex-governadora Roseana Sarney contra projeto que bane do Estado empresas que se beneficiem de trabalho análogo ao de escravo. Foram 36 votos favoráveis e seis deputados ausentes.

De autoria do deputado Othelino Neto (PC do B), o projeto já havia sido aprovado na Assembleia Legislativa e prevê a cassação do registro do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de empresas flagradas com escravos no Estado. O projeto foi inspirado na lei paulista nº 14.946/2013, de autoria de Carlos Bezerra Jr. (PSDB). Além da cassação do registro de ICMS, ambas as leis determinam que as empresas que se beneficiarem de mão de obra escrava serão impedidas de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova empresa por dez anos.

Histórico

Em 2013, o então governador do Mato Grosso Silval Barbosa nomeou Janete Riva como secretária estadual de Cultura. O problema é que seu nome contava da “lista suja” do trabalho escravo por conta do resgate de sete pessoas nessas condições de sua fazenda em Juara (MT). A sociedade civil protestou contra o governador , que manteve a nomeação e foi alvo de críticas durante o seu mandato.

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