A Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem dentre suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem a público manifestar-se sobre o corte orçamentário da Justiça do Trabalho para o ano de 2016, bem como sobre a motivação externada pelo sr. Relator do PLN 07/2015, deputado federal Ricardo Barros, PP/PR, que revela, além de argumentos falaciosos, uma verdadeira arbitrariedade e ofensa à separação dos Poderes e à independência funcional dos magistrados, senão vejamos:
Um dos objetivos dos direitos trabalhistas conquistados ao longo de anos e consolidados na CLT de 1943 é buscar a promoção de justiça social, considerando a desigualdade material entre o trabalhador e o empregador. A Justiça do Trabalho foi criada com a primordial finalidade de solucionar os conflitos decorrentes da relação capital x trabalho, que em regra surgem do descumprimento da legislação pátria. Os direitos trabalhistas têm sua importância reforçada no texto da Constituição Federal, pois são alçados ao patamar de direitos fundamentais, servindo como mínimo de contrapartida à validade da exploração do trabalho humano.
Em que pese o relevante papel da Justiça do Trabalho no Estado Democrático de Direito, o sr. Deputado, no ato de leitura do PLN 07/2015, aduz que a instituição, que conta com 50 mil servidores, “daqui a pouco será a maior empresa do Brasil”, confundindo, propositalmente, um dos ramos de um Poder da República com uma empresa da iniciativa privada, como se fosse possível tal comparação.
Além disso, ao cotejar o orçamento da Justiça do Trabalho com a dotação orçamentária para o Programa Bolsa Família, o sr. Deputado promove uma desnecessária, porém conveniente, situação de aparente conflito dentro da sociedade, qual seja, ou o Estado garante o benefício social para os mais fragilizados ou arca com a estrutura da Justiça do Trabalho.
O conflito é aparente pois o benefício social do Programa Bolsa Família não possui nenhuma relação com um ramo do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho. Esta foi concebida com a finalidade de, equacionando o já mencionado conflito entre capital x trabalho, permitir que a exploração capitalista ocorra de maneira civilizatória, permitindo a manutenção e a reprodução sociais. Ou seja, os direitos trabalhistas, garantidos pela Justiça do Trabalho, são parte essencial e contrapartida mínima para a exploração do trabalho humano. Como consequência, a Justiça do Trabalho é instituição destinada a garantir a manutenção da exploração respeitado um patamar mínimo civilizatório.
Por sua vez, o Programa Bolsa Família constitui benefício social e, como tal, decorre do reconhecimento de que o regime de produção econômica adotado necessariamente produz mazelas sociais, as quais, para serem minimizadas, necessitam de intervenção estatal, a fim de se garantir renda mínima para a sobrevivência de pessoas excluídas da divisão dos bens sociais.
O diagnóstico do sr. Deputado de que o problema da Justiça do Trabalho é a falta de “controle da demanda”, pois o trabalhador que ajuíza reclamação trabalhista “ganha ou não perde”, imputa a responsabilidade pelo crescente número de processos ao próprio Direito do Trabalho e não ao reiterado descumprimento de suas normas por parte de empregadores, de forma a legitimar tal descumprimento.
Conforme gráfico 5.43 do Relatório Justiça em Números de 2015, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (fl. 202 do documento), 43,99% (quarenta e três vírgula noventa e nove por cento) das ações que tramitam na Justiça do Trabalho tratam da cobrança de verbas rescisórias, ou seja, verbas devidas quando o contrato de trabalho é rescindido e elementares para a sobrevivência do trabalhador enquanto busca novo emprego. A evidenciar que a crescente quantidade de ações de decorre do pleno descumprimento de fundamentais normas trabalhistas.
Para além das críticas falaciosas proferidas ao direito e ao processo do trabalho, o sr. Deputado arrola uma série de alterações legais que, segundo ele, deveriam ser levadas a cabo pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, pelo Conselho Nacional de Justiça, pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho. As alterações propostas representam verdadeiro entrave ao direito constitucional de ação, de modo que ao trabalhador seria vedado o acesso pleno ao Poder Judiciário, o que é inadmissível.
Afronta ainda a separação de Poderes a atuação do sr. Deputado, que não pretende arcar com o custo eleitoral de promover essas medidas absolutamente contrárias à classe trabalhadora, mas utiliza a relatoria do projeto de lei do orçamento da União para pressionar as instituições relacionadas com o direito do trabalho a promover uma reforma trabalhista precarizante, com plena redução de direitos, e, enquanto isso não ocorre, para pressionar os juízes do Trabalho a não aplicar a lei vigente, em franco prejuízo aos trabalhadores.
Em nenhum momento de seu discurso o sr. Deputado trata da promoção da melhoria da condição social do trabalhador, expressamente prevista no art. 7o, “caput”, da Constituição Federal como um direito social. Muito pior, ao sugerir o “controle da demanda” na Justiça do Trabalho, com redução de direitos e aumento de dificuldades para que o trabalhador acesse o Poder Judiciário, fomenta o agravamento de tal condição, a contribuir com o já abissal fosso da desigualdade social brasileira.
No ato da leitura do PLN 07/2015, o sr. Deputado diz expressamente que, “como a Justiça do Trabalho não tem se mostrado cooperativa”, o corte orçamentário tem a finalidade de fazer os magistrados refletirem melhor sobre a quantidade de processos e de servidores, o que sinaliza a quais interesses serve o parlamentar; bem como o uso indevido de seu papel de relator e do próprio projeto de lei orçamentário como forma de pressionar os magistrados e a Justiça do Trabalho a realizarem uma reforma trabalhista por meio da jurisprudência, obviamente que em prejuízo da classe trabalhadora.
A deixar ainda mais clara a intenção do sr. Deputado de, por intermédio da lei orçamentária, tentar destruir a Justiça do Trabalho, o fato deste ter dentre a maioria de seus financiadores de campanha pessoas jurídicas, conforme informação constante no site do Tribunal Superior Eleitora. E, dentre tais empresas, figuram algumas na lista dos maiores litigantes da Justiça do Trabalho, quais seja, a JBS S.A., na 35ª posição, e a Usina Alto Alegre S.A. – Açúcar e Álcool, na 68ª posição, conforme listagem divulgada pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O orçamento público representa um planejamento financeiro para o funcionamento adequado do Poder Público e não deveria ser objeto de barganha e tampouco deveria servir como meio de punir uma instituição voltada para a promoção da melhoria das condições sociais da classe trabalhadora.
É lamentável que, vinte e sete anos após a instituição da Constituição Federal de 1988 (a chamada Constituição cidadã), a independência e a harmonia entre os Poderes da República Federativa do Brasil sejam frontalmente ofendidas como nesse episódio.
É deplorável, enfim, que, após séculos de luta para que a humanidade se torne mais igual, o sr. Deputado, por meio de uma artimanha, tente desestruturar a Justiça do Trabalho, justamente o ramo do Poder Judiciária que diretamente atua no conflito capital x trabalho, com o objetivo de, exigindo o cumprimento das leis laborais, reduzir a desigualdade social, com o escopo de nos tornar mais iguais.
A Associação Juízes para a Democracia vem a público para, de forma veemente, (i) repudiar a postura acima indicada do parlamentar e o uso arbitrário do orçamento como tentativa de manipular e destruir a Justiça do Trabalho, desrespeitando a independência e a harmonia entre os Poderes da República; e (ii) exigir a pronta recomposição do orçamento anual da Justiça do Trabalho para 2016, como forma de manutenção de relevante aparelho estatal destinado a garantir direitos sociais e, como consequência, reduzir a desigualdade social, objetivo da República.