Há vinte anos Francisco Meireles foi resgatado em condição de trabalho escravo na fazenda Brasil Verde, no Pará. A promessa de trabalho que o fez sair do Piauí era boa. Teria salário com carteira assinada para cuidar do gado e roçar. “Mas não foi o que aconteceu”, diz. Francisco soube que o caso prescreveu no Brasil, mas não que entidades de direitos humanos levaram o caso a tribunais internacionais nem que, no final do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a ressarcir os trabalhadores resgatados. A descoberta veio pela internet, quando o irmão de Meireles mostrou a ele o especial multimídia “Eu Fui Escravo”, publicado em maio deste ano pela Repórter Brasil.
Ali, Meireles reconheceu os amigos e a própria história. “Nem acreditei quando reconheci meus colegas nas fotos da reportagem. Eu fui escravo na fazenda Brasil Verde também”, disse Francisco Meireles, 38 anos, por telefone, sobre como descobriu que os dias de violência que sofreu não ficaram impunes. As fotos que Meireles menciona são de trabalhadores resgatados na fazenda Brasil Verde em 2000 e de familiares. A partir dos protagonistas da Brasil Verde, a Repórter Brasil mostrou as histórias de um país que não superou o combate ao crime.
“Vi e lembrei de tudo. Os fiscais (funcionários da fazenda) vigiavam a gente o tempo todo, sempre armados. Não deixavam ninguém sair”, diz sobre “as memórias feias” guardadas. “Para acordar a gente, o fiscal cutucava nosso pé com um tição de fogo. Não tem como esquecer o que vivi lá.”
Meireles pediu ajuda à Repórter Brasil pelas redes sociais. Mandou fotos da carteira de trabalho, onde o nome do dono da fazenda, João Luiz Quagliato Neto, aparece. A família de Meireles, do Piauí, também ajudou a ligar os pontos das histórias. A partir dos registros, a reportagem confirmou que Meireles estava na lista de trabalhadores beneficiados pela decisão da Corte Interamericana.
Chocado com a própria descoberta, Meireles, que atualmente mora no interior de São Paulo, ainda não é capaz de mensurar as mudanças que estão por vir. A partir da publicação da sentença, o Brasil tem um ano para cumprir a determinação da Corte.