Pedreiros e azulejistas trabalhavam sem carteira assinada e sem receber horas extras em prédios da Justiça do Trabalho enquanto, dentro de seus gabinetes, juízes decidiam sobre direitos de outros trabalhadores. Eles afirmam que a jornada ultrapassava o máximo permitido e que não havia descanso nos finais de semana durante reformas de tribunais em três cidades do interior de São Paulo: Campinas, Cruzeiro e São José dos Campos.
Agora eles estão de volta aos mesmos tribunais onde trabalharam, mas para pedir por seus direitos. Em nota à reportagem, o Tribunal Regional da 15ª Região, responsável pelos prédios nas três cidades, afirma que não tinha conhecimento e que não compactua com situações que ferem a lei trabalhista.
Um dos trabalhadores, que passou pelos três tribunais, afirma que chegou a trabalhar das sete horas da manhã às nove horas da noite, como ajudante de pedreiro e azulejista. Ele alega que nunca recebeu por essas horas extras, incluindo diversas jornadas durante o final de semana.
O azulejista Maurício Lopes da Silva, que trabalhou na reforma do prédio do Tribunal Regional de Campinas, diz que o encarregado da empresa responsável pela obra os ameaçava de demissão caso falassem sobre sua condição às pessoas no local. “Na hora que a gente ia falar de salário ou de ‘por no pau’, eles falavam que a gente ia perder o emprego. Mas a gente tem família, né?”, lembra Silva, explicando porque permanecia naquela condição.
Ao menos cinco trabalhadores agora movem ações contra os tribunais e as empresas contratadas para fazer a obra: a Consitec, responsável pela obra em Cruzeiro e São José dos Campos, e a OSV, responsável pela reforma em Campinas. Eles pedem, além de danos morais, pagamento das horas e extras e verbas rescisórias (pela demissão sem justa causa), férias proporcionais, décimo terceiro e a multa de 40% sobre o FGTS.
As duas empresas foram contactadas por e-mail e por telefone, mas não responderam aos pedidos da reportagem. A Repórter Brasil falou com três desses trabalhadores, que contam ter trabalhado nas duas empresas sem diferenciação.
O depoimento dos trabalhadores corrobora a visão do seu advogado Mario Suzigan. Segundo ele, as duas empresas trabalhavam de maneira interligada, intercambiando mão de obra e material de construção. “O problema disso é que os meus clientes não sabiam exatamente para quem estavam trabalhando – o que dificulta a resposabilização dessas empresas. Além disso, uma empresa joga a responsabilidade para a outra”, afirma.
Para advogado, tribunal deve ser responsabilizado
O advogado Mario Suzigan, que representa cinco trabalhadores, argumenta que o tribunal também deve ser responsabilizado pelos problemas. “Primeiro por ter sido condescendente com as infrações cometidas. Depois, por ter sido responsável pela licitação e pela contratação de empresas que não tinham experiência prévia de fazer obras em prédios federais”.
O Tribunal Regional da 15ª Região, responsável pelos prédios nas três cidades, afirma, em nota enviada à reportagem, que “não compactua com situações que ferem o cumprimento da legislação trabalhista, o que seria um total contrassenso”. O tribunal também esclarece que “nos autos processuais, um dos trabalhadores testemunhou que era coagido a mentir aos membros do TRT acerca do cumprimento das leis trabalhistas sob pena de demissão.”
A instituição afirma ainda que sempre zelou pela integridade dos trabalhadores, que fiscalizou o uso correto de equipamentos de proteção individual e que perguntava aos trabalhadores sobre sua “regularidade trabalhista”. Segundo o tribunal, os trabalhadores nunca se queixaram ou fizeram reclamações.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk