Madeireiras multadas por crimes ambientais e flagradas explorando trabalho escravo integram uma complexa rede de exportação que, na Europa, abastece grandes varejistas de materiais de construção. Essa realidade foi investigada em conjunto pela Repórter Brasil e a Danwatch, uma organização de jornalismo investigativo dinamarquesa. Em resposta às denúncias, a Agência de Proteção Ambiental da Dinamarca afirmou que irá averiguar a conduta de importadores locais.
A cadeia de fornecedores que liga o trabalho escravo e crimes ambientais às prateleiras de varejistas dinamarquesas foram tema de uma série de reportagens publicadas no site da Danwatch e no jornal dinamarquês Ekstra Bladet. Elas revelam as relações comerciais entre empresas daquele país e exportadores brasileiros multados diversas vezes pelo Ibama. Na base de cadeia de fornecedores, estão indústrias paraenses autuadas em aproximadamente R$ 7 milhões nos últimos três anos.
Entre 2015 e 2017, o Ibama lavrou dezenas de autos de infração contra nove madeireiras rastreadas durante a investigação. Elas foram flagradas comercializando madeira sem comprovação de origem legal, ou, ainda, inserindo dados falsos nos sistemas de controle ambiental que atestam a origem das árvores retiradas da floresta. Na região amazônica, fraudes nos sistemas de controle são frequentes para dar aparência de legalidade à madeira oriunda de áreas não autorizadas para a extração.
A exploração ilegal de espécies nobres como o ipê, o jatobá e a maçaranduba é uma realidade comum em terras indígenas e em unidades de conservação. Estimativa do Imazon aponta que quase metade (44%) da exploração madeireira no Pará ainda ocorre clandestinamente, em áreas sem autorização ambiental.
Na Dinamarca, três importadores – as empresas Global Timber, Keflico e Wenerth Wood – foram identificados adquirindo produtos dos exportadores rastreados. Eles, por sua vez, revendem a matéria-prima – principalmente pisos de madeira tropical – para sete empresas que figuram entre os 10 maiores varejistas de casa e construção do país: Silvan, Stark, Bygma, Bauhaus, Davidsen, Fog e Optimera.
Procurados pela reportagem, os varejistas não souberam dizer os nomes das serrarias responsáveis pela extração da madeira vendida em suas lojas. Tampouco os importadores encaminharam documentos que atestassem a legalidade dos produtos comercializados.
“As empresas dinamarquesas deveriam acompanhar seus fornecedores em casos como estes”, diz Niels Bølling, da Agência de Proteção Ambiental da Dinamarca. “Se um fornecedor for multado uma vez, o regulamento exige uma resposta imediata e a adoção de medidas corretivas. Se acontece repetidas vezes, isso indica que algo não está funcionando corretamente”.
Trabalho escravo
Também foram rastreadas as exportações de empresas que adquirem matéria-prima de serrarias amazônicas fiscalizadas utilizando trabalho escravo. Produtos oriundos desses exportadores estão nas prateleiras de grandes varejistas da Dinamarca.
Os casos remetem a três empresas responsabilizadas pelo crime em inspeções do Ministério do Trabalho: Bonardi da Amazônia, Madeireira Paricá e Gondim Madeireira. Ao todo, foram resgatadas 27 pessoas nas operações destas serrarias. Elas não exportam diretamente. No entanto, fornecem madeira serrada a outras indústrias brasileiras, que fabricam e exportam produtos como pisos e tábuas a partir dessa matéria-prima.
Trabalhadores submetidos a jornadas exaustivas e a condições degradantes caracterizam os casos de trabalho escravo no setor. Os problemas ocorrem tanto na extração das árvores quanto nos galpões onde as toras são serradas. As situações encontradas incluem, por exemplo, jornadas de até 19 horas diárias, falta de equipamentos de proteção, inexistência de alimentação adequada ou mesmo de acesso a água limpa. Muitas vezes, os trabalhadores passam semanas instalados em cabanas de lona precárias nas áreas de extração. Ficam expostos a todos os perigos da floresta, como cobras e outros animais peçonhentos. Só conseguem sair com a autorização do empregador.
Procurados durante a investigação, a Madeireira Paricá e a Gondim Madeireira não se manifestaram. Já a Bonardi da Amazônia afirma que assinou um acordo com o Ministério Público do Trabalho para regularizar a situação dos funcionários, e que cumpriu todas as exigências do governo brasileiro (Leia a resposta da Bonardi).
Os varejistas afirmaram desconhecer qualquer risco de que situações de escravidão contemporânea pudessem fazer parte de sua rede de fornecedores.
Brechas no controle internacional da indústria da madeira também foram reveladas em investigação de 2017. A Repórter Brasil identificou casos de trabalho escravo na rede de fornecedores da Tramontina e da USFLoors, que abastece a rede de materiais para construção norte-americana Lowe´s. Outro comprador identificado na época foi a Timber Holdings, que já forneceu madeira para obras no Central Park e na Brooklyn Bridge.
Especial completo (em dinamarquês): https://danwatch.dk/undersoegelse/forside-toemmer/
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