Oligopólio da laranja une produtor e trabalhador em críticas

Processadoras de suco admitiram ao Cade a formação de cartel, pagaram multa e prometeram mudanças, mas agricultores e trabalhadores alertam que pouco mudou
Por Guilherme Zocchio
 04/06/2018

 

Apenas três empresas controlam 80% da produção de suco de laranja do Brasil – o maior produtor e exportador global. O oligopólio, comandado por Cutrale, Citrosuco e Louis Dreyfus, já teve suas práticas condenadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas ainda gera dificuldades para o trabalhador e o produtor rural.

O problema está relacionado ao amplo controle exercido pelas companhias sobre o preço da laranja, bem como ao fato de que elas cada vez mais verticalizam a produção, comprando fazendas. “De 1995 a 2017, diminuiu de 26 mil para 5,5 mil o número de produtores de laranja no país. Isso causou a perda de pelo menos 200 mil empregos”, relata o presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), Flávio Viegas.

Ele foi um dos palestrantes do seminário “Desafios à Sustentabilidade na Cadeia Produtiva do Suco de Laranja”, realizado em 21 de maio, em São Paulo, com organização da Repórter Brasil e apoio de Christiliche Initiave Romero (CIR), da Alemanha, e Oxfam Brasil.

Em fevereiro deste ano, o Cade arquivou o processo de cartel aberto ainda nos anos noventa porque as empresas firmaram um acordo. Nele, elas reconheceram a participação nas condutas investigadas, se comprometeram a cessar a prática, a colaborar com as investigações e a pagar R$ 301 milhões ao Fundo de Direitos Difusos.

“O Cade mostrou que as indústrias têm poder de compra unilateral, usam o estoque para pressionar cotações para baixo e provocar oscilações de preços, tanto da matéria prima quanto de suco. Isso dá um poder ainda maior de controlar o mercado”, afirmou o presidente da Associtrus.

Porém, nos mais de vinte anos de duração do processo, o setor produtivo veio à míngua, disse Viegas, para quem, na prática, a pressão sobre os preços não terminou. “As empresas forçam uma situação de falta de competitividade e levam à exclusão de produtores do setor”, completou Viegas.

“Temos um cenário muito triste, muito ruim para o setor. Hoje temos apenas 198 propriedades no país com 54% dos pomares que cultivam laranja”, acrescentou o citricultor Frauzo Sanches, coordenador técnico na Federação da Agricultura e Pecuária de São Paulo (Faesp). “As três empresas detêm 50% da produção [da fruta], processam 90% do suco e dominam 80% do mercado nacional.”

A cartelização desencadeia “externalidades”, de acordo com Sanches. Ele afirmou que a produtividade dos que permanecem no mercado é prejudicada, os pomares ficam mais suscetíveis a doenças, os custos de produção se tornam mais caros e a rentabilidade diminui, bem como há, por consequência, menos geração de renda e desenvolvimento no meio rural.

A Repórter Brasil convidou representantes das indústrias a comparecerem ao seminário. A CitrusBR, associação setorial, alegou falta de agenda. A LDC se comprometeu a agendar uma reunião futuramente e a Cutrale sequer respondeu.

Escravidão e trabalho

Não bastante o ambiente ruim para negócios, o setor apresenta frequentes infrações trabalhistas. Empresas do ramo já foram, inclusive, autuadas por trabalho escravo. Em julho de 2013, a Citrosuco foi flagrada submetendo 26 pessoas à condição análoga à de escravidão em propriedades na região de Botucatu. A Cutrale, por sua vez, foi multada no mesmo ano pelo crime e incluída, posteriormente, em outubro de 2017, no cadastro federal de empregadores que se beneficiaram da prática, a chamada “lista suja” do trabalho escravo.

O auditor fiscal do Ministério do Trabalho Roberto Figueiredo afirmou no seminário que é comum encontrar, nas inspeções na cadeia da laranja, desrespeito a normas sobre saúde e segurança de empregados rurais. Falta de treinamento e de condições sanitárias para aplicação de veneno são recorrentes. “O problema dos agrotóxicos é um dos principais. Consumimos muitos agrotóxicos no Brasil”, ressaltou.

Além disso, ele afirmou que tem registrado ocorrências de não uso de equipamentos de proteção individual e irregularidades no transporte dos responsáveis pela colheita das frutas e manutenção dos pomares.

Mara Lira, representante da TIE Global, que faz, em parceria com sindicatos de trabalhadores rurais, um mapeamento dos riscos a que os trabalhadores do setor estão mais suscetíveis, relatou que tem dificuldades para entrar em contato com as empresas da cadeia da laranja. “Apesar de a indústria dizer que não quer o produto envolvido com más condições de trabalho, não há esforço para abrir diálogo sobre o tema”, disse ela, no seminário.

Estratégias e abordagens

Uma cadeia produtiva concentrada e com recorrência de infrações econômicas e trabalhistas retroalimenta o ciclo da pobreza, analisou Gustavo Ferroni, da Oxfam Brasil. “A Oxfam lançou um estudo recente tratando da desigualdade nos municípios onde o agronegócio é forte. Onde tem concentração de terra, tem mais pobreza, mais desigualdade e IDH menor”, declarou.

Mas há estratégias para enfrentar este e outros problemas no setor. Uma delas está nos processos de auditoria, que levam à certificação e concessão de selos de boas práticas. “A pressão, oriunda, sobretudo, da Alemanha (grande importador de suco de laranja brasileiro), está forçando mais fazendas, fornecedoras ou propriedades das principais indústrias de suco de laranja a procurar por e se adequar aos processos de certificação”, disse Luís Fernando Guedes Pinto, do Imaflora.

Outra abordagem diz respeito à ação de outros atores da cadeia produtiva, que não sejam os produtores da matéria prima ou aqueles responsáveis por processá-la. Para Paulo Pianez, do Grupo Carrefour, as companhias varejistas podem monitorar a cadeia dos produtos que comercializam e pressionar por mudanças. Segundo ele, uma das práticas adotadas pela empresa é a de cortar fornecedores envolvidos com práticas trabalhistas irregulares.

 

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