“Eram de vizinhos”, diz ministro sobre funcionários sem carteira em sua fazenda

Ministro do Trabalho diz que auditores erraram em ação que resultou em 24 autos de infração em sua fazenda. Segundo ele, ação teria sido motivada por disputas políticas.
Por Daniel Camargos e Ana Magalhães
 25/07/2018

O ministro do Trabalho, Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello, disse em entrevista à Repórter Brasil que as 24 autuações por infrações trabalhistas em sua fazenda, no Sul de Minas, foram motivadas por disputas políticas e que os auditores do Ministério do Trabalho erraram. Ele afirma que os trabalhadores sem registro em sua fazenda eram, na verdade, funcionários de propriedades vizinhas. O ministro pagou multas que totalizaram R$ 46 mil por causa das infrações.  

“As duas pessoas que falaram que trabalharam lá [na fazenda] não eram empregados meus. Eram de vizinhos. Perguntaram ao sujeito se ele tinha carteira ali e ele disse que não, mas ele tinha carteira no vizinho”, afirmou Vieira de Mello, que tomou posse no dia 10 de julho.

Vieira de Mello assume como Ministro do Trabalho, ele recebeu 24 autuações por infrações na sua fazenda (Foto: Sergio Amaral/Ministério do Trabalho)

Vieira de Mello afirmou ter um parecer do Ministério Público do Trabalho (MPT), que retornou à fazenda “um ou dois anos depois” para nova fiscalização, quando teria constatado erro nas autuações dos auditores fiscais do Ministério do Trabalho. A Repórter Brasil pediu cópia do parecer ao ministro e também ao MPT de Minas Gerais, pedido que não foi atendido até a publicação desta reportagem.

O ministro não revelou quem seria o interessado na perseguição política que ele teria sofrido enquanto ocupava o posto de vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3° Região, em 2009. “Eu não vou acusar ninguém. Já se passaram 10 anos. Alguns já aposentaram, outros já morreram e eu não vou ficar levantando defunto”, afirmou.

Repórter Brasil – Gostaríamos de ouvi-lo sobre as infrações na sua fazenda.
Vieira de Mello – Essa questão foi examinada pelo Ministério Público do Trabalho, que julgou insubsistente [inconsistente] e arquivou o inquérito que eu pedi que abrisse. Eu era vice-presidente do tribunal [TRT da 3° Região] e não podia entrar com ação anulatória [das autuações] porque criaria constrangimento para o juiz. Eu, como vice-presidente, ser autor de uma ação anulatória na própria justiça do trabalho, a ética não permitia. Mas isso foi uma questão política.

Leia a reportagem:
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Porque foi uma questão política?
Tinham problemas grandes e graves que já foram resolvidos. E eu tenho essa decisão do MPT dizendo que nada daquilo é verdadeiro. Inclusive as duas pessoas que falaram que trabalharam lá [na fazenda] não eram empregados meus. Eram de vizinhos. Perguntaram o sujeito se ele tinha carteira ali e ele disse que não, mas ele tinha carteira no vizinho.

Nós obtivemos documentos do próprio Ministério do Trabalho.
Houve autuação sim. Eu não poderia entrar com ação anulatória porque constrangeria o magistrado do trabalho lá de Varginha [no Sul de Minas]. Foi uma situação horrível. Pedi que o MPT apurasse.

Não ficou clara a perseguição política. O senhor tinha problema com os auditores fiscais do trabalho?
Um problema localizado. Chegaram a dizer na cidade [Conceição do Rio Verde] que eles iriam matar um peixe grande. Havia uma divisão política. Aqui [em Belo Horizonte] também havia uma série de coisas.

Quem provocou as fiscalizações na sua fazenda?
Eu não vou acusar ninguém. Já se passaram 10 anos. Alguns já aposentaram, outros já morreram e eu não vou ficar levantando defunto.

O MPT fez uma nova fiscalização para emitir o parecer que o senhor diz inocentá-lo?
Baseou-se na apuração do Ministério do Trabalho e fez uma nova apuração.

Nesse intervalo de tempo não seria possível modificar a situação?
Eu ia modificar a situação física das coisas em 1 ou 2 anos? Não modifiquei nada.

Se o senhor estava certo, porque pagou as multas?
Para não pagar, eu teria que entrar com ação anulatória. Eu, como desembargador do TRT, iria sentar com uma ação diante de um juiz de hierarquia inferior à minha? É questão ética. Eu não tinha nem dinheiro para pagar isso, fiz parcelamento. Eu não quis eticamente ferir o juiz de primeira instância. Estou pagando esse preço por ter sido ético.

Na sua fazenda, o lugar que os funcionários faziam as refeições não ficava próximo ao depósito de agrotóxicos?
Eu não tinha refeitório [para os funcionários] lá. O refeitório que eles apontaram era o meu, onde eu almoçava, não era dos empregados. Como também não era onde eu guardava defensivo. Eu não tinha grande plantação lá. Parte dessa propriedade foi herança e o café está lá abandonado. É mato.

Os trabalhadores da sua fazenda não ficavam alojados perto da baia de animais?
Não tinha isso.

Os fiscais do ministério inventaram isso?
O lugar de refeição era meu e da minha família. Não tinha morador, não tinha refeitório, não tinha nada. Tinha 3 ou 4 empregados. Ou 5, no máximo 7.

Com carteira assinada?
Todos.

Os auditores erraram no caso da sua fazenda?
Erraram. Foi uma perseguição política. Foram refutados pela perícia técnica do MPT. Quem tem mais equilíbrio e poder que o MPT? Eu vou desmoralizar a auditoria fiscal do trabalho mostrando esse parecer do Ministério Público do Trabalho.

O senhor pensa em fazer algo para corrigir as autuações?
Você quer que eu retalie agora? Vocês façam o que quiserem, divulguem o que quiserem, mas eu não estou nem preocupado com isso. Vocês tenham juízo.

Como o senhor avalia o trabalho dos auditores-fiscais do trabalho?
Muito precário. Eles estão completamente desprotegidos. Vamos soltar uma medida de impacto para valorização do trabalho deles, mas uma forma de tornar mais efetiva essa fiscalização.


Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil 

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