Em apenas três dias, três assassinatos violentos ocorreram no interior do país – todos relacionados à disputa por terras. Das vítimas, duas eram indígenas e uma delas liderava um assentamento de sem-terra no Pará. Dois deles já tinham sofrido ameaças de madeireiros ou de grileiros de terras.
O líder do movimento dos sem-terra, Aluisio Sampaio, conhecido como Alenquer, foi assassinado na última quinta-feira, 11 de outubro, em sua casa em Castelo de Sonhos, município de Altamira (Pará). Localizada ao lado da rodovia BR-163, que liga o Mato Grosso ao Pará, sua casa também funcionava como a sede do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar.
Um dia antes, em 10 de outubro, foi a vez do indígena Erivelton Tenharin, atingido em um tiroteio na sede da Funai, em Colniza (Mato Grosso). A suspeita é que ele tenha sido vítima de um esquema arquitetado por madeireiros, segundo nota da Associação do Povo Indígena Tenharin do Igarapé Preto. A terceira vítima também lutava contra a presença de madeireiros no território indígena. Trata-se de Davi Mulato Gavião, assassinado no dia 12 de outubro, em Amarante do Maranhão.
A Polícia Civil está investigando o assassinato de Gavião, mas ainda não se manifestou sobre suspeitos. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal também abriram investigação para tentar encontrar o responsável pela morte de Tenharim.
No caso de Alenquer, dois suspeitos foram detidos pelo roubo de terras e pelo assassinato, segundo Thiago Mendes Sousa, superintendente da polícia civil de Itaituba (PA). Sousa também informou que as polícias civil e militar realizaram uma operação conjunta, deslocando-se até uma fazenda, onde foram recebidos a balas, para prender Marcio Siqueira e seu irmão Vando Siqueira. O primeiro foi baleado e morreu no local, o segundo conseguiu fugir mata adentro.
Foram presos Julio Cesar Dal Magro, conhecido como Julio da Guara, proprietário da empresa Guara Agroservicos, em Novo Progresso (PA), o homem que supostamente está por trás do assassinato e João Paulo Ferrari, motorista dos supostos assassinos.
Segundo o superintendente, a polícia emitiu mais dois mandados de prisão para membros de uma gangue criminosa que “invadiu terras e matou pessoas de bem”, mas os nomes são mantidos em sigilo para não atrapalhar seu cumprimento. O objetivo do ataque-surpresa, comentou, era “pôr um fim a esses crimes e impedir a grilagem de terras que está ocorrendo ao longo da BR-163”. A investigação do assassinato está em andamento.
Desde 2004, conhecíamos Alenquer e, no final de 2016, voltamos a entrevistá-lo para uma reportagem para Mongabay, sobre a violência que eclodia em Castelo de Sonhos e Novo Progresso, à medida em que a pressão do agronegócio aumentava sobre aquela região da Amazônia.
Os preços das terras estavam disparando conforme as facilidades legais permitiam a grileiros se apropriarem de vastas áreas de floresta. Após desmatadas, seu preço cresce ainda mais e são vendidas para pecuaristas. Foi a região mais violenta que visitamos na bacia do Tapajós e onde os grileiros causavam os maiores danos ambientais; a região tem uma das maiores taxas de desmatamento da Amazônia.
Quando falamos com Alenquer pela segunda vez, ele usava um colete à prova de balas que recebeu depois de ser registrado em um programa de proteção do governo. Mas não tinha muito o que ele pudesse fazer para se salvar desse último ataque fatal: foi atingido com oito tiros na cabeça.
Alenquer usava um colete à prova de balas e estava registrado em um programa de proteção do governo
O trabalho de Alenquer era ajudar as famílias camponesas sem-terra a ocupar e permanecer em terrenos às margens da rodovia BR-163 – uma área prioritariamente destinada pelo governo federal para realizar a reforma agrária, mas também reivindicada por grileiros que controlam a maioria das terras na região.
Em 2016, ele nos acompanhou em uma visita a um dos assentamentos de camponeses que ajudou a criar. As famílias que moram nessa pequena comunidade – chamada “KM Mil”, devido à sua localização próxima ao quilômetro mil da rodovia – sabiam do risco de violência a que estavam sujeitas, mas tinham esperança de que conseguiriam se estabelecer nessas terras, que viam como o único caminho para sair da pobreza extrema.
A essa altura, Alenquer recebia regularmente ameaças de morte e sentia que poderia ser morto a qualquer momento. Ele nos disse que Agamenon Menezes, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, e Neri Prazeres, ex-prefeito de Novo Progresso, queriam matá-lo. Segundo a polícia, nenhum dos dois está sendo investigados pelo assassinato. Alenquer também disse que não tinha medo e que continuaria com seu trabalho. “Eles podem me matar a qualquer instante, mas vão se arrepender para sempre porque, me matando, vêm outros”, expressou.
Em 2016, Alenquer disse que Agamenon Menezes, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, e Neri Prazeres, ex-prefeito de Novo Progresso, queriam matá-lo.
Depois, entrevistamos Agamenon Menezes, presidente do sindicato dos produtores rurais. Ele não confirmou nem negou as ameaças, mas falou francamente sobre como usou milicianos contratados para tirar famílias camponesas das terras que estavam “invadindo”, segundo alegou. “Se sair por bem, sai. Se não, sai por mal. Da forma que eles reagirem com a gente, a gente reage contra eles. Se eles vierem de cacete, a gente vai de cacete, se vierem de faca, a gente vai de faca, se vier de cachorro… do jeito que eles reagirem, a gente reage, mas tira a pessoa de lá”, explicou Agamenon.
Um dia após nossa visita, há dois anos, seis homens armados invadiram o assentamento “KM Mil” dizendo aos sem-terra que precisavam desocupar a terra. Ninguém ficou ferido, mas os camponeses temiam a volta dos homens armados.
Com medo das ameaças, Alenquer publicou, em janeiro de 2017, uma entrevista no YouTube em que acusou Menezes e Prazeres de quererem matá-lo. A tática pareceu funcionar, porque a luta pelo direito à terra mudou do confronto direto para os tribunais.
As ameaças contra Alenquer, no entanto, continuaram. E, no dia 11 de outubro, ele se tornou mais uma vítima em uma onda crescente de violência que se estende pelo Brasil desde que o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), candidato da extrema-direita, conquistou 49 milhões de votos no primeiro turno.
Na sua ida ao Pará, em julho último, o capitão reformado defendeu publicamente policiais militares por matarem 19 camponeses sem-terra no massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. Se ele ganhar – tendência que vem sendo apontada pelas pesquisas –, muitos temem explosão da violência na Amazônia, uma região já turbulenta. Há muito Bolsonaro defende medidas para criminalizar os movimentos que defendem a reforma agrária. Em novembro de 2017, ele disse que “não é possível combater a violência com pombas e bandeiras brancas”, e pediu ao Congresso para legalizar o uso de armas para proprietários de terras.