Em um ano, reforma trabalhista aumenta informalidade e enfraquece sindicatos

Nova CLT reduziu acordos coletivos, gerou demissões em sindicatos e cortou direitos do trabalhador rural; redução no número de desempregados deve-se ao aumento da informalidade
Por Daniela Penha
 12/11/2018

Há um ano em vigor, a reforma trabalhista foi defendida pelo governo Michel Temer como um projeto que iria gerar dois milhões de empregos em dois anos, diminuir a informalidade, garantir segurança jurídica e manter os direitos dos trabalhadores. Desde a mudança da legislação trabalhista, porém, houve aumento da informalidade, redução no número de acordos coletivos, perda de direitos para trabalhadores rurais e enfraquecimento dos sindicatos.

O tão esperado aumento no número de trabalhadores com carteira assinada não aconteceu. De acordo com o IBGE, a parcela dos trabalhadores com carteira assinada se manteve praticamente estável no último ano, com cerca de 33 milhões de pessoas.

Reforma trabalhista gerou menos empregos que o esperado (Foto documentário Carne e Osso/Repórter Brasil)

“A expectativa da reforma era de formalizar um trabalho que era precário, como o informal, mas parece que nem isso está ocorrendo”, diz Gustavo Monteiro, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

O número de desempregados caiu 3,6% no terceiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Essa redução, porém, foi puxada pela informalidade e pelo aumento na quantidade de empreendedores. O número de trabalhadores informais aumentou 5,5% no último ano, com 601 mil pessoas entrando no mercado informal de trabalho. A parcela de pessoas que trabalham por conta própria também apresentou crescimento de 2,6%, o que representa 586 mil pessoas.

A pequena redução no número de desempregados – em novembro passado eram 13 milhões e hoje são 12,5 milhões – é reflexo do sutil aquecimento da economia, segundo especialistas ouvidos pela Repórter Brasil. A manutenção do alto número de desempregados é um indicativo de que flexibilizar as regras trabalhistas não é a solução. “O emprego aumenta quando a atividade econômica vai bem, não o contrário. As pessoas vão arrumar formas de sobreviver. Se há dificuldade de entrar no mercado formal, elas irão para a informalidade”, avalia Monteiro.

No período de vigência da norma, houve a geração de 372.748 vagas formais, de acordo com o Ministério do Trabalho, número bastante inferior ao esperado pelo então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. Parte desses novos empregos com carteira assinada podem ser considerados precários, pois têm jornada reduzida ou variável. Desde que a reforma está em vigor, foram firmados 18.728 contratos de trabalho parcial e 35.930 contratos de trabalho intermitente, modalidade criada pela nova legislação trabalhista, que permite a remuneração por hora de trabalho.

Enfraquecimento dos sindicatos

No universo sindical, houve a demissão de quase 3,5 mil funcionários desde a reforma trabalhista, de acordo com números do Ministério do Trabalho organizados pelo Dieese. Luís Ribeiro, técnico da área de negociação coletiva do Dieese, estima que os sindicatos tenham perdido até 80% na arrecadação, já que a reforma acabou com o imposto sindical obrigatório.

“Alguns sindicatos correm o risco de desaparecer”, alerta Ribeiro. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, por exemplo, arrecadou neste ano apenas 10% do que havia arrecadado no ano passado. Por conta disso, demissões estão previstas na confederação, de acordo com o presidente da entidade, José Calixto Ramos. Para ele, o problema do enfraquecimento dos sindicatos é que “o trabalhador fica desprotegido, vulnerável”.

‘Não existe democracia sem a existência do contraponto feito pelos sindicatos’, afirma José Dari Krein, pesquisador da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista

A reforma trabalhista também acabou com a obrigatoriedade de que as demissões sejam homologadas por sindicatos ou autoridades ligadas ao Ministério do Trabalho, o que, na avaliação do Dieese, amplia o espaço para rescisões incorretas. A queda nessas homologações chegou a 95% em alguns sindicatos, de acordo com José Dari Krein, da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir).

A advogada trabalhista Sílvia Burmeister afirma que há muita má-fé dos empregadores na hora de calcular a rescisão contratual. De fato, o tema mais recorrente em ações judiciais refere-se às verbas rescisórias. Dados do Relatório Justiça em Números 2017, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, mostram que o item ”Rescisão do Contrato de Trabalho e Verbas Rescisórias” representou 11,51% do total de processos, sendo o assunto mais recorrente no Judiciário.

Também houve redução no número de convenções e acordos coletivos, que caíram em 39%, de acordo com o Ministério do Trabalho. “Os sindicatos estão inviabilizados economicamente. As negociações coletivas levam semanas e exigem recursos que muitos sindicatos, seriamente atingidos, já não dispõem”, enfatiza o procurador do Ministério Público do Trabalho, Rafael de Araújo Gomes. Além da falta de recursos, instituições sindicais afirmam que está mais difícil fechar as negociações, com propostas patronais que não privilegiam o trabalhador, uma das razões para a queda o número de convenções e acordos.

As mudanças na legislação trabalhista tiraram a obrigatoriedade de o empregador pagar as horas de deslocamento dos trabalhadores rurais (Foto: Repórter Brasil)

Desde novembro de 2017, foram realizadas 126.288 demissões em comum acordo – modalidade criada pela reforma trabalhista. Na avaliação de Krein, essas demissões podem levar o trabalhador a abrir mão de seus direitos, já que a negociação é feita diretamente entre trabalhador e empregador, em uma relação desigual de forças. “Não existe democracia sem a existência do contraponto feito pelos sindicatos”, ele enfatiza.   

As entidades afirmam que as negociações também têm sido mais duras. “Antes da reforma as negociações eram mais amistosas e tinham o objetivo de melhorar as condições dos trabalhadores. Hoje, o comportamento patronal é mais duro e se reflete em algumas propostas, como a insistência em fechar reajustes abaixo do índice de inflação e a exclusão da hora in itinere [tempo gasto no deslocamento]”, observa Carlos Eduardo Chaves Silva, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar).

Para o trabalhador rural com carteira assinada, o impacto imediato foi a redução de direitos – e de salário. Antes da reforma trabalhista, o tempo de deslocamento de um trabalhador até a fazenda, também chamado de hora in itinere, era considerado como tempo de trabalho e, portanto, integrava o salário. A nova CLT retirou essa obrigatoriedade. A Raízen, multinacional do setor da cana de açúcar, chegou a cortar o pagamento pelas horas de deslocamento – que representavam até 30% do salário de seus trabalhadores, mas foi barrada pela Justiça, como mostrou a Repórter Brasil em maio de 2018. 

Ações na justiça

Na Justiça do Trabalho, os impactos da reforma também são expressivos. O número de novas ações que entraram nas Varas do Trabalho caiu em 36% entre janeiro e setembro deste ano – 726.033 processos a menos – em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho.

Desde novembro de 2017, com a determinação de que o trabalhador arque com as custas processuais e pague entre 5% e 15% do valor da sentença caso perca, os processos vêm caindo mês a mês. Para o juiz Marcus Barberino, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, essa queda ocorre pela insegurança do trabalhador em entrar com o processo, perder e precisar arcar com altos valores, principalmente nas causas complexas, como a de uma doença ocupacional, em que os custos envolvidos são altos.

Ele explica que a região onde atua tem “cerca de 500 mil funcionários” que trabalham em indústrias, são “submetidos a riscos que produzem acidente de trabalho” e estão deixando de procurar seus direitos na Justiça pelo medo de terem que pagar as custas processuais em caso de perderem. Ele ressalta que na sua vara a redução de novas ações chega a 46%. “Como no Brasil a gente tem um histórico de descumprimento dos direitos do trabalho, o trabalhador precisa recorrer à Justiça e, exatamente este elemento, que fazia parte da proteção à cidadania, está instabilizado”.

Para Krein, o argumento de que há muitos processos trabalhistas e que a diminuição seria positiva não procede, já que, na sua avaliação, o número de pessoas que procuram a Justiça é significativamente menor do que o índice de irregularidades trabalhistas.

A terceirização dificulta a responsabilização para violações trabalhistas (Foto: Lilo Clareto / Repórter Brasil)

Ampliação da terceirização

Além da reforma trabalhista, o Congresso Nacional aprovou, no ano passado, a ampliação irrestrita da terceirização. Apesar de ser um dado difícil de mensurar, a ampliação da terceirização já está acontecendo e tende a piorar, na avaliação do procurador do trabalho Araújo Gomes. Esse recurso dificulta a responsabilização da empresa fim para crimes e violações trabalhistas, como a exploração da mão de obra análoga à escravidão.

A expectativa para os próximos anos é de mais retrocessos, uma vez que o presidente eleito Jair Bolsonaro prometeu extinguir o Ministério do Trabalho e criar uma carteira de trabalho verde e amarela, em que prevaleceriam os acordos individuais sobre a CLT.  “A manutenção dos direitos trabalhistas virou uma bandeira de luta”, diz Jotalune Dias dos Santos, presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp).

 

 

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