Menos greves, menos direitos

Um ano após entrar em vigor, reforma trabalhista reduz acordos coletivos, receita de sindicatos e número de paralisações de trabalhadores
Roberto Rockmann
 22/11/2018

Menos greves, reajustes salariais com ganho real abaixo da alta do salário mínimo, menor taxa de sindicalização, menos ações na justiça trabalhista. Um ano depois da implementação da reforma trabalhista, o cenário poderá piorar, principalmente com as indicações do governo recém-eleito de revisão da política do salário mínimo. Os dados e opiniões foram colhidos no último dia 9 de novembro, em debate promovido por Repórter Brasil, CIR e Oxfam sobre os impactos da nova legislação no mercado de trabalho brasileiro.

Até setembro de 2018, foram 8.279 instrumentos de negociações submetidos ao Sistema Mediador do Ministério do Trabalho, sendo que o ganho real médio ficou em 0,94%, bem abaixo da alta de 1,81% do salário mínimo, segundo números preliminares do Dieese, ainda sujeitos a variações. O ganho médio real é menor no comércio (0,72%) e maior na área de serviços (0,98%). Na área rural, pouco mais de dois terços obtiveram reajustes acima da inflação, sendo que a média real de ganho ficou em 0,9%. “Com a revisão da regra de reajuste do salário mínimo, fica em risco a campanha salarial de 2019, e os resultados preliminares de agora apontam as dificuldades do mercado de trabalho pós reforma”, comenta Júnior Dias, economista do Dieese.

Em relação a setores da indústria, o melhor resultado foi do segmento metalúrgico, com variação real média de 1,46%, enquanto a menor foi de química e farmacêutica, com 0,43%. No comércio, processamento de dados teve a maior variação, com 1,13%, enquanto a de educação foi de 0,77%. Em relação à geografia, o Sul se destacou com ganho real médio de 0,97%, enquanto o Centro-Oeste obteve 0,88%. A reforma trabalhista teve outros impactos.

‘Com a revisão da regra de reajuste do salário mínimo, fica em risco a campanha salarial de 2019’, comentou Júnior Dias, economista do Dieese

Os dados preliminares do Dieese ainda apontam que, entre janeiro e julho de 2018, cerca de 12,8% dos instrumentos coletivos cadastrados no Ministério faziam menção à reforma trabalhista, sendo mais frequentes em convenções coletivas (29,8%) do que em acordos coletivos (10,0%). Entre os acordos, eles são mais frequentes no setor rural (18,8%). Outro impacto da reforma trabalhista, segundo o Dieese, é que foram registrados menos 23% acordos coletivos (negociações por empresa) e menos 25% de convenções coletivas (negociações por categoria) no Ministério do Trabalho.  

Paralisações foram menos frequentes. Em 2016, foram 2.094 greves no mercado de trabalho brasileiro. Um ano depois, esse número recuou 25%, para 1568, sendo 814 promovidas pelo setor público e o restante pelo setor privado. “No primeiro semestre, o número de paralisações do setor privado caiu para 368, sendo que provavelmente o número total encerrará 2018 abaixo do ano passado”, diz Dias. Boa parte das graves é feita no primeiro semestre, já que a maior parte das categorias discute seus reajustes próximo a 1° de maio. O declínio das manifestações coincidiu com a redução da sindicalização, que atingiu ano passado 14%, menor nível desde 2012, quando o indicador passou a ser apurado pelo IBGE.

O menor número de trabalhadores sindicalizados ocorre também diante da menor arrecadação dos sindicatos, que perderam 80% da sua receita até setembro de 2018 em comparação anual, de acordo com dados do Ministério do Trabalho. Com a reforma trabalhista, o pagamento da contribuição sindical, que equivale a um dia de trabalho, deixou de ser obrigatório.

A chegada de novos processos na Justiça do Trabalhou caiu 36,5% de janeiro a agosto, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em São Roque, interior de São Paulo, a distribuição das ações, que chegava a dois mil casos por ano, deverá cair para 1.300 em 2018, aponta Marcus Barberino, juiz titular da Vara do Trabalho da cidade paulista. “O acesso à justiça ganhou novas barreiras com a legislação atual”, destacou o juiz. Isso poderá mudar a depender do debate que ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.

Em maio, o ministro Luís Roberto Barroso votou por manter dispositivo da reforma trabalhista que modificou regras da gratuidade da Justiça. Para o ministro, as novas regras visam a diminuir a litigiosidade excessiva na Justiça do Trabalho. “Criar algum tipo de ônus, modesto como seja, para desincentivar a litigiosidade fútil, me parece uma providência legítima para o legislador”, ressaltou o ministro Barroso em seu voto. Já o ministro Edson Fachin divergiu de Barroso, por entender que “não se pode deixar de ressaltar que a gratuidade da Justiça apresenta-se como um pressuposto para o exercício do direito fundamental ao acesso à própria Justiça.”

A decisão será retomada em julgamento com os demais ministros. Para Barberino, o STF deverá arbitrar uma decisão entre os dois extremos. “Poderemos ver um meio caminho, próximo ao que já indica o Código Civil, o que seria um alento diante das perspectivas atuais”, observou.

‘O acesso à justiça ganhou novas barreiras com a legislação atual’, disse o juiz Marcus Barberino da vara do trabalho paulista

As negociações salariais têm ganho nova dimensão após a reforma. No Rio Grande do Sul, os trabalhadores rurais dificilmente discutiam banco de horas. Um ano depois da nova legislação e com a economia ainda andando de lado, a pauta mudou. “Uma das primeiras coisas que os negociadores patronais trouxeram foram o banco de horas, no primeiro semestre conseguiu-se negociar uma hora trabalhada com uma hora e meia de banco de horas, nesse segundo semestre foi uma por uma”, afirmou afirma Gabriel Santos, secretário da Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais do Rio Grande do Sul. Há preocupação para as negociações do próximo ano, com a possibilidade de revisão da política de salário mínimo, a discussão sobre o fim da previdência rural e os sindicatos fragilizados. “Os sindicatos patronais vão vir com uma pauta mínima, ou seja, vão enxugar ainda mais”, apontou.

No Nordeste, a situação não é diferente. No Rio Grande do Norte, no setor rural, o reajuste ficou abaixo da inflação. “As empresas usaram o benefício da alimentação concedida aos trabalhadores para não reajustarem acima da inflação e, se não tivéssemos aceitado, ameaçaram que iriam para a justiça”, destaca Joseraldo do Vale, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Norte e Federação dos Trabalhadores Rurais Assalariados e Assalariadas do Estado do Rio Grande do Norte (Fetraern).

O número de trabalhadores rurais caiu de cerca de 10 mil para seis mil neste ano. As empresas alegam que é a crise, mas Joseraldo tem dúvidas. Para ele, pode ser a terceirização, que ganhou alcance com a reforma. “O acesso às informações ficou menor sem a necessidade de homologação dos acordos”, diz. A estrutura sindical também se alterou. A Fetraern foi criada dois meses antes da reforma para participar das discussões. Naquele momento, se visualizava a criação de dez escritórios regionais no Estado para envolver os trabalhadores rurais com as empresas. Passados 14 meses, a estrutura planejada agora se reduziu em cinco escritórios. “Não sei ainda como essa estrutura vai parar de pé”, admite.

 

 

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