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Citrosuco entra para “lista suja” após derrota judicial

Nome foi incluído pelo Ministério do Trabalho nesta segunda-feira (17), após Justiça derrubar liminar que a deixava fora do cadastro. Em 2013, fiscalização constatou que 26 empregados da empresa sofriam restrições à liberdade de ir e vir e estavam sujeitos a condições degradantes de trabalho e moradia.


Após derrota judicial, a Citrosuco S.A. Agroindústria, uma das maiores produtoras e exportadoras de suco de laranja do Brasil, entrou para a “lista suja” do trabalho escravo. O nome da empresa foi incluído nesta segunda-feira (17), depois que a Justiça do Trabalho revogou liminar que a mantinha fora do cadastro.

A empresa já havia sido incluída na lista em março de 2017, porém foi retirada do cadastro duas horas após a publicação. A conduta do Ministério do Trabalho foi questionada, inclusive, pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) – e gerou polêmica.

A Citrosuco S.A. Agroindústria, uma das maiores produtoras e exportadoras de suco de laranja do Brasil, foi autuada por manter 26 trabalhadores em situação análoga à escravidão em 2013, após ação realizada pelo Ministério do Trabalho e MPT em dois laranjais da empresa, localizados em São Manoel e Botucatu, interior de São Paulo.

Alojamento onde residiam os trabalhadores resgatados (Foto: PRT-15/Divulgação)

A fiscalização constatou que os 26 resgatados, migrantes nordestinos, sofriam restrições à liberdade de ir e vir e estavam sujeitos a condições degradantes de trabalho e moradia. Os trabalhadores relataram, na época, que chegaram à São Paulo com a promessa de que teriam bons salários e alojamentos, porém contraíram dívidas e viviam sem qualquer estrutura.

Em nota enviada à Repórter Brasil, a empresa afirma que “é indevida a inclusão de seu nome no Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho” e que “já apresentou recurso e buscará nova decisão judicial para que seu nome seja devidamente retirado de tal lista” (leia abaixo nota na íntegra).

O procurador do trabalho Fernando Maturana, que acompanhou a ação em 2013, ressalta que a prática do trabalho análogo ao escravo foi constatada pelos relatos dos trabalhadores e pela situação degradante encontrada no local. “A fiscalização constatou a infração. O fato de a empresa ter se adequado dali para frente não anula o que foi constatado”.

Polêmica

Após determinação judicial, no dia 23 de março de 2017 o Ministério do Trabalho divulgou 85 nomes de empregadores na “lista suja” do trabalho escravo, entre eles a Citrosuco. Após duas horas da publicação, porém, a empresa teve seu nome retirado do cadastro, junto a outros 16 nomes de pessoas físicas e jurídicas.  

O Ministério do Trabalho alegou que a Citrosuco – assim como as demais empresas e pessoas excluídas do documento – ainda não havia esgotado os recursos a que tinha direito na esfera administrativa.

Na própria lista do Ministério do Trabalho, atualizada nesta segunda-feira, consta que a decisão administrativa de procedência ou irrecorribilidade, quando se esgotam as possibilidades de defesa da empresa em relação ao auto de infração lavrado na ação fiscal, foi proferida em 28 de julho de 2016, sete meses antes da publicação da lista no dia 23 de março de 2017.

Na época, o Ministério Público pediu formalmente explicações sobre a exclusão dos nomes ao Ministério do Trabalho.

O Ministério do Trabalho republicou, então, alguns nomes em 25 de abril, quase um mês depois da polêmica. Mas, no dia anterior, a Citrosuco já havia conseguido liminar na Justiça, concedida pelo juiz do Trabalho Sandro Valério Bodo, de Botucatu, impedindo que seu nome fosse divulgado. No dia da republicação da lista, a decisão judicial foi oficializada no Diário Oficial.

Entre as alegações da empresa, está a de que não poderia ser incluída na lista porque, no auto de infração emitido, a imposição da multa não havia ocorrido por condição análoga à de escravo. Além disso, destacou que o inquérito da Polícia Federal fora arquivado por determinação do Ministério Público Federal por ausência de provas para oferecimento de denúncia criminal.

Na decisão que cassou a liminar, em 19 de outubro de 2018, o juiz do Trabalho substituto Jeferson Peyerl rejeita o argumento, afirmando que a aplicação de multa é da competência do juízo criminal e que o auditor “constou de forma minuciosa” os fatos que “o levaram a crer que no local estava sendo praticado o trabalho análogo ao de escravo. Ele considerou que o arquivamento do inquérito policial não tem “eficácia de coisa julgada perante as outras esferas”. 

Peyerl julgou “improcedentes todos os pedidos da Autora [Citrosuco]”, conforme consta na decisão. O juiz entendeu que houve, sim, caracterização de trabalho análogo ao de escravo e, então, não há justificativas para manter a Citrosuco fora da lista.

“Por fim, comungo no entendimento do MPT de que a publicação do referido Cadastro não condena ninguém; ao revés, simplesmente faz cumprir o princípio constitucional da publicidade do ato administrativo e da Transparência na Administração Pública”, discorreu o juiz.

O procurador Fernando Maturana relata que a Citrosuco aderiu a um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), pelo qual ressarciu os trabalhadores, arcou com o pagamento de dano moral coletivo e se comprometeu a adequar a conduta no futuro, o que, na opinião dele, não extingue a responsabilização da mesma pela infração cometida. “Para fins de lista suja, a situação no momento da fiscalização materializa as condutas passíveis de responsabilização criminal, trabalhista e administrativa, cuja maior implicação é a inserção na lista suja”.

Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho, ressalta a importância da lista como um “instrumento de transparência pública”. “A inclusão dos empregadores no cadastro é uma ferramenta muito eficiente e reconhecida internacionalmente pelo seu caráter de transparência”.

Gigante da laranja

Desde 2012, a Citrosuco faz parte dos grupos Fisher e Votorantim e, junto à Cutrale e Louis Dreyfus, é responsável por cerca de 80% da produção de suco de laranja do Brasil – o maior produtor e exportador global.


Indústria do suco gera riqueza, mas sobra pouco para trabalhador

O oligopólio já teve suas práticas condenadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), principalmente no que tange ao controle dos preços da laranja e à verticalização da produção, com a compra de fazendas.

As empresas autuadas por trabalho análogo ao de escravo podem fazer acordos para deixar a lista, mediante termos de ajustamento de conduta e o comprometimento de mudança. Elas passam a integrar, então, uma lista de observação, da qual podem sair após um ano, desde que cumpridas todas as exigências acordadas.

A Citrosuco afirma, porém, que continuará buscando judicialmente a retirada de seu nome do cadastro, “de forma que a realidade dos fatos seja restabelecida”.

Nota da Citrosuco

“A Citrosuco repudia veementemente quaisquer práticas de trabalho análoga à escravidão e esclarece que é indevida a inclusão de seu nome no Cadastro de Empregadores do Ministério do Trabalho.

Tal inclusão originou-se a partir de um auto de infração lavrado em 2013, contra o qual foi apresentado defesa e cuja decisão reconheceu expressamente que o auto de infração não foi lavrado por suposto trabalho análogo ao de escravo.

Vale ressaltar que, de acordo com a Portaria Interministerial nº 04/2016, a inclusão do nome de empresas ao Cadastro só pode acontecer após constatação da exploração de trabalho em condições análogas à de escravo, o que definitivamente não é o caso da Citrosuco.

Com isto, a empresa informa que já apresentou recurso e buscará nova decisão judicial para que seu nome seja devidamente retirado de tal lista, de forma que a realidade dos fatos seja restabelecida.

A Citrosuco assegura que cumpre rigorosamente a legislação trabalhista na relação com todos os seus empregados e terceiros”.


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