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“Se fechar a mina, isso aqui vai virar uma cidade fantasma”. Ex-funcionário da Vale, Jaime Barbosa nem havia enterrado seu irmão, morto no rompimento da barragem de Brumadinho há um mês, e já discutia o futuro da cidade. “Morreu meu irmão. Morreram meus parentes. Mas não pode deixar a cidade morrer. Como vão viver meus filhos? Como vão viver meus netos?”, questionou poucos dias após o desastre.
Mesmo em meio a um pesado processo de luto, eram muitos os moradores que defendiam a mineração. A busca por corpos e o ódio à Vale não excluíam uma preocupação com o dia seguinte. Amanhã ou depois, os sobreviventes do maior acidente trabalhista da história do Brasil teriam que achar emprego e sustentar suas famílias. Defendiam a permanência da mesma empresa que chamavam de assassina.
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A dependência da cidade com a mineração se explicita tanto nas falas tensas dos moradores quanto nos números frios do orçamento. A Vale é não só a maior empregadora da cidade, como também essencial para as suas finanças. A compensação ambiental paga pela empresa em 2018, de R$ 35,6 milhões, respondeu por um quinto da arrecadação do município. Isso sem contar os impostos pagos diretamente à prefeitura.
Com o dinheiro da mineração, Brumadinho se tornou uma cidade relativamente rica, mas totalmente dependente da extração de minério. Toda mina, porém, acaba um dia, e por isso o dinheiro dos royalties do minério de ferro deveriam ter sido usados para criar uma alternativa econômica, na visão de Bruno Milanez, professor de geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Isso nunca aconteceu. Segundo o pesquisador, os royalties costumam ser torrados em gastos obrigatórios da prefeitura, e não na preparação para uma via econômica alternativa.
O próprio prefeito de Brumadinho mostrou, em diferentes entrevistas, que a cidade não tem perspectiva. “Se a gente perder essa arrecadação, não vamos conseguir atender nem os serviços básicos”, disse Neném da Asa (PV) em entrevista coletiva realizada na semana seguinte ao desastre. O prefeito também afirmou que exigiu da Vale a não demissão de nenhum funcionário. Ele continua sem resposta da empresa a este respeito.
‘Consegui tudo com a mineração’
A família de Jaime tornou-se dependente da mineração assim como Brumadinho. O povoado, fundado por bandeirantes em busca de ouro no século XVII, só cresceu com a chegada de uma estação para escoar o ferro e com a fundação da mina do Córrego do Feijão, na década de 1950. Até então rural, o pacato vilarejo começou a se expandir. Foi nesta época que o pai de Jaime começou a trabalhar com mineração. Graças a isso, conseguiu comprar a casa onde eles moravam e sustentar uma família com sete irmãos.
Jaime entrou na empresa com 18 anos. Naquele momento, com a quarta série completa, tinha duas opções: jogar futebol na base do América mineiro, onde iria ganhar meio salário mínimo como zagueiro, ou entrar para a Vale, onde ganharia cinco salários. Sob a influência do seu pai, preferiu a segunda opção. Ele diz que nunca se arrependeu. “Construí minha vida, meu barraco e tenho filha e filho formado. Consegui tudo com a mineração”, diz.
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Mesmo os membros da sua família que não eram empregados da Vale trabalhavam em empregos relacionados a ela. Sua irmã Isabel Barbosa, por exemplo, era empregada doméstica do diretor da empresa.
Na época em que Jaime começou a trabalhar, a mina do Córrego do Feijão era controlada pela Ferteco, uma subsidiária da alemã Thyssenkrupp. Em 2001, a mina foi comprada pela Vale. Para Jaime, foi quando as coisas começaram a ficar ruins. “A Ferteco era uma família. Todo mundo conhecia um por um. A Vale virou um monstro, aí ninguém olhava mais na cara do outro”, diz Jaime.
Mesmo assim, ele indicou seu irmão Jonas Barbosa para trabalhar na empresa. “Meu irmão trabalhava na fábrica da Fiat [na vizinha Betim] e ficava falando: ‘meu sonho é entrar na Vale’. Aí chegou meu gerente e falou que estava precisando de funcionário, e eu indiquei ele”, lembra Jaime, sorrindo ao lembrar da alegria do irmão ao chegar na empresa.
Mais de dez anos depois, Jonas morreria naquele mesmo emprego.
O sonho de trabalhar na Vale
Para os moradores de Tejuco, a vila de Brumadinho onde mora a família de Jaime, trabalhar na Vale era a esperança de pagamentos em dia, um bom plano de saúde e acesso à creche. Os empregos na mina eram o melhor horizonte em uma comunidade com agricultura pobre e comércio que paga pouco. “Não tem uma família que não tenha um parente com o sonho de trabalhar na Vale”, lembra Patrícia Anízio, nascida na região.
A fala é referendada por Milanez, que estudou a mineração em Minas Gerais. “Trabalhar na Vale é status. Quem não trabalha na Vale nessa região é um cidadão de segunda categoria”, diz o professor.
Uma das pessoas com esse sonho era a filha de Patrícia, Letícia Mara. Após fazer um curso superior de enfermagem, voltou à sua cidade natal para seguir o caminho do pai, motorista da Vale. Dentro da Vale, o antigo sonho também convivia com o medo, especialmente após o desastre de Mariana.
Em um treinamento de segurança, a enfermeira contou à mãe que demorava cinco minutos para fazer um trajeto que deveria ser feito em três. “Ela falava ‘mãe, não dá tempo’. E era uma menina nova, que tinha condicionamento físico.”
No dia do desastre, nem três minutos teriam sido suficientes. O refeitório onde ela estava foi atingido meio minuto após o rompimento da barragem.
“Vejo isso como um assassinato, não como um acidente. Quero que eles arquem com isso”, disse Patrícia, que encontrou o corpo da filha na semana seguinte. Patrícia diz que irá lutar o resto da sua vida para que haja alguma compensação para o seu neto, filho de Letícia, hoje com um ano e meio.
Ao mesmo tempo em que chama a Vale de assassina, Patrícia não consegue imaginar a comunidade sem a empresa. “A cidade acabaria”, resume.
“Eu tenho um sobrinho que está desaparecido nessa Vale sebosa, nessa Vale p…, a mãe dele tá passando mal… Eles esconderam alguma podridão. Eu queria que o presidente da Vale aparecesse na minha frente. Ele não é homem pra por a cara aqui não”, diz Maria Aparecida
“O desejo é que refaçam, que voltem emprego para esses pais de família que dependem da Vale. A cidade girava em torno da Vale e das terceirizadas, não tem jeito.”
Uma segunda tragédia
Sem ter achado uma alternativa econômica no passado, Brumadinho terá que fazer isso a partir do desastre. O exemplo de Mariana – onde outra barragem rompeu em 2015 no que ficou conhecido como o maior desastre ambiental do país – não traz boas perspectivas. A arrecadação da cidade caiu e o desemprego subiu desde a tragédia. A Samarco, empresa responsável pelo desastre, só deve voltar a funcionar na cidade em 2020, em um ritmo menor do que o anterior.
O prefeito de Mariana, Duarte Junior (PPS), ainda mostra uma preocupação semelhante àquela vista em Brumadinho. “Vivemos entre a cruz e a espada: os responsáveis precisam ser punidos, mas, sem o retorno da mineração, há uma segunda tragédia, a arrecadação da cidade caiu e o desemprego subiu nesse período”, disse em entrevista ao Estadão.
A Vale deveria ter uma perspectiva clara para a economia de Brumadinho sem a mineração, já que pretendia desativar a mina que rompeu em 2027. Procurada pela Repórter Brasil, a Vale não respondeu em específico às perguntas sobre os planos para a recuperação econômica da cidade, e nos remeteu a duas notas em seu site que não especificam se a empresa deve manter atividade econômicas na região. Sobre o futuro de seus funcionários, o site da empresa diz que ela só deve “transferir empregados após prévia consulta e concordância do trabalhador, além de consulta ao sindicato”.
Porém, em um relatório apresentado ao governo de Minas Gerais, a empresa fala das possibilidades para a agricultura e o turismo no local. As duas medidas, no entanto, são vistas com ceticismo na região.
O turismo cresceu nos últimos anos em Brumadinho, especialmente após a fundação de Inhotim, o mais importante museu a céu aberto de arte contemporânea do Brasil. O número de leitos em hotéis passou de 300, em 2008, para 1.300 em 2016.
A Vale, porém, não propõe nenhuma medida concreta, e fala somente de maneira genérica das potencialidades do setor, em trechos como “o turismo é uma das forças econômicas mais importantes na atualidade, da qual decorrem fenômenos de consumo, geração de renda e empregos.”
Já a pequena agricultura da cidade também foi fortemente abalada pela tragédia. No Parque da Cachoeira, principal distrito agrícola da cidade, mais de 100 pessoas estão desabrigadas. Com dificuldade de acesso à água, os trabalhadores rurais também têm dificuldade de manter seu trabalho nas áreas que não foram cobertas por lama. “Hoje, quase ninguém mais mexe com plantação. E se plantar horta, vai ter gente pra comprar? Brumadinho acabou”, diz Jaime.
Bruno Milanez diz que a solução extrapola a cidade de Brumadinho e sua prefeitura, e passaria por um planejamento estadual para o desenvolvimento econômico da região. “Precisa haver um esforço do governo para trazer empresas de médio e grande porte trazendo também essa requalificação”, diz Milanez. “Grandes empresas poderiam receber incentivos para entrar ali, porque elas não vão vir de graça.”
Procurada, a secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais não respondeu se tem um plano de recuperação econômica para Brumadinho.
Enquanto a Vale e o governo de Minas Gerais não apresentam alternativas econômicas concretas, os moradores seguem sem ver um futuro para a economia de Brumadinho. “Com isso que aconteceu, vai haver um grande desemprego. Nós aqui de Brumadinho vamos passar um tempo arretado, não vai ser fácil pra a gente, não”, lamenta Jaime.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil.
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