Dos 54 senadores eleitos em 2018, 9 lançaram mão de um velho hábito da política: indicar empresários endinheirados para a suplência. Um deles é Ogari de Castro Pacheco (DEM-TO), sócio-fundador da farmacêutica Cristália e 2º suplente do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que tomou posse em 1º de fevereiro.
Pacheco e mais sete executivos do laboratório Cristália investiram R$ 2,1 milhões na candidatura de Gomes, o que representa 87% do total arrecadado pela campanha. “Nós vamos inovar também na política”, afirma o empresário em entrevista à Repórter Brasil. “Eu vou ter dentro do gabinete do Eduardo um subgabinete. A responsabilidade pela saúde está comigo”.
As doações eleitorais são uma marca do laboratório sediado em Itapira, no interior de São Paulo. Nas últimas três eleições gerais, o grupo doou R$ 7,3 milhões para candidatos de 8 partidos, como PT, PSDB, MDB, DEM e PCdoB. O único político beneficiado nos três pleitos foi o deputado estadual Barros Munhoz (PSB-SP). Foram R$ 300 mil recebidos em 2010, R$ 475 mil em 2014 e R$ 70 mil no ano passado.
Foi de Munhoz a ideia de ceder ao laboratório um terreno às margens da rodovia SP-147, comprado pela prefeitura de Itapira, para o Cristália erguer um centro de distribuição na cidade. Munhoz também atuou junto ao governo estadual para liberar os recursos que reformaram a rodovia em frente à nova unidade do Cristália.
À Repórter Brasil, o deputado estadual diz não haver relação entre as doações eleitorais e sua atuação parlamentar. “Todo ano se faz [doação] sem ter nenhuma contrapartida, então só agora tem contrapartida?”, questiona. “O município ganhou um distrito industrial de graça. Agora, ninguém vai fazer uma indústria ou comércio numa estrada sem acesso”, diz.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista com Ogari Pacheco, em que ele nega conflito de interesses nas doações do laboratório e revela que entrou para a política influenciado por interesses econômicos.
Qual foi a sua motivação para participar da eleição de 2018?
Estamos desenvolvendo um produto que exige estufas grandes com umidade reduzida. Tocantins é uma estufa natural. Procurando o melhor lugar para instalar [a nova unidade de produção], conheci o Eduardo Gomes, que procurou, através das lideranças políticas locais, oferecer algumas vantagens, como incentivo fiscal e doação de terreno. Isso não me seduziu. Conversa vai, conversa vem [ele disse]: ‘Você não se interessaria de fazer parte de uma chapa para o Senado da qual eu encabeço?’. Aí a coisa mudou de figura, porque faz tempo que a gente discute seja na Abifina, na Abiquim e no grupo FarmaBrasil questões do país e da indústria farmacêutica. A gente sempre critica que tem que eventualmente se valer de um intermediário para explicar o que você pensa. Nada melhor do que alguém da área que possa traduzir esses problemas. Foi isso o que me levou a aceitar a indicação para suplente do Eduardo Gomes.
O Cristália e seus executivos doaram R$ 7,3 milhões nas últimas três eleições para 8 partidos. Qual a motivação para as doações e qual a expectativa da empresa em relação à atuação desses políticos?
O laboratório nunca individualmente teve envolvimento político. Tem um grupo, o FarmaBrasil, que congrega a maioria das empresas nacionais e prestigia a frente parlamentar da indústria química. Aparece a nossa doação porque as doações não eram do FarmaBrasil para alguém, mas eles solicitavam: “Olha, a frente é composta por A, B C, D, parlamentares. Vocês poderiam contribuir da seguinte maneira: fulano doa pra A, outro pra B, C…”. Foi assim. Não tinha nenhuma outra coisa por trás, nenhuma motivação, não tinha nada amarrado com ninguém.
Como suplente de senador, o senhor terá abertura para influenciar o mandato de Eduardo Gomes e a Frente Parlamentar da Química?
O Cristália é conhecido por sua liderança em inovação. Nós vamos inovar também na política. No acordo que eu tenho com o Eduardo [Gomes], ele é que vai tomar posse, mas eu vou começar a trabalhar já, não vou esperar assumir o mandato para trabalhar. Eu vou ter dentro do gabinete do Eduardo um “subgabinete”. As matérias de saúde vão ficar sob minha responsabilidade, e uma série de projetos que já estão em elaboração. Ele é que vai apresentar, porque ele tem a voz e o voto, mas vou apoiá-lo e subsidiar as informações necessárias para que ele tente aprovar esses projetos.
O senhor critica a dependência dos “intermediários”, mas o Cristália recebeu incentivos da prefeitura de Itapira…
[Interrompe] Não, não. Nós não temos nenhuma unidade que se valha de incentivo. A não ser no caso de Itapira. Eu precisava construir um centro de distribuição, e várias outras cidades me ofereceram vantagens. Quando a prefeitura de Itapira soube, eles ofereceram um terreno, um espaço na entrada da cidade, onde está o nosso centro de distribuição. Agora, por outro lado, [tem] a cobrança da população, a parcela simpática à oposição, que questiona: “Quantos empregos você criou? Qual é a qualidade dos empregos? Quanto vai acrescentar de faturamento?”. Uma série de questionamentos que eu acho pertinentes, porém não quis ficar refém de uma cobrança dessas no Tocantins. Pretendo instalar uma unidade com recursos próprios [lá] e assim não devo nada para ninguém.
O político que se destaca nas doações do Cristália é o deputado estadual Barros Munhoz. Ele trabalhou pela cessão do terreno onde foi construído o centro de distribuição. Há conflito de interesse entre a doação eleitoral e a atuação do deputado?
O deputado Barros Munhoz é de Itapira, já foi prefeito algumas vezes, tem vários mandatos de deputado. Ele atua em favor da região como um todo e de Itapira em especial. Nós somos a empresa que gera mais emprego, maior contribuição de ICMS da cidade. Como o Barros Munhoz trabalha para a região e para Itapira, nós apoiamos sim. Eu não vejo conflito de interesse. Ao contrário.
Qual a sua perspectiva para a indústria farmacêutica nacional para os próximos anos?
O que o Brasil não tem condições de fazer são os insumos farmacêuticos, a matéria-prima. Qualquer projeto de estímulo à indústria farmacêutica nacional passa por estímulo à farmoquímica. Você não consegue fazer remédio sem princípio ativo, e aí reside a falha maior.
A balança comercial do setor tem déficit de US$ 5 bilhões por ano. A dependência do exterior vai aumentar nos próximos anos?
Do jeito que está, é daí para pior. Eu tenho uma sugestão que pode mudar esse negócio, mas vou fazer via projeto de lei no Senado. Passando pela farmoquímica, se não não adianta nada. E vou mais longe, sem pedir um centavo pro erário público.