Governo Bolsonaro volta a suspender a reforma agrária no país

Documento enviado nesta quarta-feira (27) às superintendências regionais do Incra afirma que paralisação acontece por conta de redução orçamentária. É a segunda vez no ano que órgão suspende política de criação de novos assentamentos rurais
Por Daniel Camargos e Ana Magalhães
 28/03/2019

Pela segunda vez neste ano, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) suspendeu a reforma agrária por tempo indeterminado no Brasil. Uma ordem do general João Carlos de Jesus Corrêa enviada nesta quarta-feira (27) para os superintendentes regionais do instituto determina a “expressa suspensão” das vistorias nos imóveis rurais.

Sem as vistorias não é possível desapropriar os imóveis e, consequentemente, criar novos assentamentos. A primeira tentativa do governo do presidente Jair Bolsonaro de paralisar a reforma agrária aconteceu três dias após a posse, conforme revelou a Repórter Brasil. Com a repercussão negativa, o governo recuou.  

O memorando enviado ontem pelo general Corrêa argumenta que a suspensão das vistorias em imóveis rurais deve-se à redução orçamentária prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019, “evitando-se a expectativa de compromissos que não poderão ser cumpridos”, justifica no documento.  A suspensão afeta de forma imediata pelo menos 250 processos de aquisição de terras para assentamentos rurais, segundo informações do instituto.

O casal Osvalinda e Daniel vivem no Projeto de Assentamento Areia criado pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) em 1998. (Foto: Lilo Clareto / Repórter Brasil)

Entre 2018 e 2019, o orçamento destinado à aquisição de imóveis rurais para a reforma agrária reduziu 50%, saindo de R$ 83,7 milhões para R$ 42 milhões. Em 2015, o valor destinado a aquisição de imóveis era de R$ 800 milhões.

O pedido de “expressa suspensão” das vistorias de imóveis rurais confirma a atuação do Incra neste ano. Segundo o órgão, nenhum assentamento foi criado e nenhum imóvel desapropriado nos dois primeiros meses do governo Bolsonaro.  O Incra tem atuado apenas na segunda etapa da reforma agrária, que é a legalização de terras já desapropriadas e emissão de títulos definitivos de posse da terra. Em janeiro e fevereiro, foram emitidos 105 títulos de posse e 2.587 contratos de concessão de uso da terra.  

Para os funcionários do Incra ouvidos pela Repórter Brasil, que não se identificam pois temem retaliações, a estratégia significa o fim da reforma agrária, pois não transfere a propriedade de terras improdutivas para as famílias sem-terra.

A secretaria especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura informou que a paralisação é uma “questão temporária e orçamentária”. Segundo a secretaria, foi constatado R$ 1,2 bilhão de passivos judiciais e o pagamento dessa dívida tem prioridade em relação a outros processos.

Corte de cargos e de superintendências

Os servidores do Incra atribuem a suspensão da reforma agrária ao secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, que articulou contatos entre Bolsonaro e produtores rurais durante a campanha eleitoral.  

Nabhan Garcia é presidente licenciado da União Democrática Ruralista (UDR). A entidade foi protagonista nos enfrentamentos com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo, há 20 anos.  

Em Limoeiro do Norte (CE), o acampamento Zé Maria é um dos poucos redutos de plantação orgânica na região. (Foto: Lunaé Parracho / Repórter Brasil)

Sob a gestão de Nabhan Garcia, o Incra criou um grupo de trabalho para formular a nova estrutura da entidade e reduzir 30% dos cargos. O objetivo seria limitar a estrutura a uma superintendência por estado – mudança que extinguiria duas superintendências regionais no Pará, a de Santarém e a de Marabá.

A superintendência de Santarém foi criada após a morte da missionária Dorothy Stang, em 2005. Somente em Anapu, onde Dorothy atuou, 16 trabalhadores rurais foram assassinados nos últimos três anos. Já a de Marabá surgiu após o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando 19 trabalhadores rurais ligados ao MST foram assassinados por policiais militares.

Enterro de vítima do massacre de Pau D’Arco (Pará), ocorrido em 24 de maio na fazenda Santa Lúcia. (FOTO: Repórter Brasil)

“Ao distanciar o órgão da realidade local, os movimentos sociais são afastados”, afirma o advogado e professor universitário, José Vargas Junior, que atuou na defesa das famílias vítimas de outro massacre, o de Pau D’arco – onde 10 trabalhadores rurais foram mortos por policiais civis e militares em abril de 2017. A cidade também está na área de atuação da superintendência de Marabá.

Além do presidente do Incra, outro oficial do exército foi escolhido por Nabhan para fazer parte do órgão: trata-se do coronel João Miguel Souza escolhido para comandar a ouvidoria agrária. Uma das primeiras medidas do ouvidor foi proibir o diálogo com entidades como o MST. Três dias depois, o Incra recuou, após recomendação contrária do Ministério Público Federal que apontou uma série de ilegalidades na medida.

Nota da redaçãoa matéria foi alterada em 29 de março para inclusão da resposta enviada pela secretaria especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura



Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil



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