Iniciativas e acordos globais têm contribuído para a discussão sobre a responsabilidade solidária do setor financeiro no combate à escravidão

Há uma tendência no Judiciário no país e no mundo de discutir a contabilização social e ambiental e discutir a participação das cadeias de valor
Por Roberto Rockman
 25/03/2019

O desastre ambiental ocorrido em Brumadinho (MG), em janeiro deste ano, pode ajudar a fomentar a discussão sobre a responsabilidade solidária da cadeia de valor e de instituições financeiras no Brasil. Isso ocorre diante de uma tendência no Judiciário no país e no mundo de discutir a contabilização ambiental, ou seja, a adoção de uma visão holística sobre os acidentes, com uma reflexão que envolve futuras gerações, múltiplos ecossistemas, diversas comunidades, envolvimento das cadeias de valor, criação de fundos para recuperação da área degradada no médio e longo prazo.  

A União Europeia debate diretiva que buscará valorizar os ativos ambientais no PIB dos seus países membros. Já no Judiciário reforça-se a discussão sobre a responsabilidade solidária, com conceitos como o do poluidor indireto. Isso tem aumentado o interesse sobre o tema em diversos elos da cadeia, como o ligado a financiadores e investidores.

Foto: Arquivo Repórter Brasil

“As instituições financeiras têm um papel amplo com grande capilaridade, elas poderiam ter obrigação de transparência de dados maior porque elas têm uma infinidade de informações e isso pode contribuir para a mensuração de impacto das ações e estabelecer métricas”, observou Caio Borges, coordenador do Programa de Empresas e Direitos Humanos da Conectas, ressaltando que a responsabilidade bancária pode ser vista como solidária em muitos casos, já que boa parte dos projetos é tocada com capital financiado e não próprio.

No Brasil, a resolução 4.327, do Conselho Monetário Nacional, estabelece diretrizes às instituições financeiras para a elaboração e implementação de política de responsabilidade socioambiental. “O sistema financeiro se vê como agente social importante e a solidez é um valor importante por isso tem buscado formas de evitar riscos socioambientais”, analisou Rodrigo Porto, chefe de Divisão no Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil.

Esse debate fez parte do terceiro painel do seminário “O papel do setor financeiro no combate ao trabalho escravo e o tráfico de seres humanos”, primeiro do gênero realizado no país, com organização do Ministério Público do Trabalho e Repórter Brasil e apoio da Universidade das Nações Unidas e da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro para a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. O evento foi realizado na sexta-feira, dia 15 de março, em São Paulo. O painel foi mediado por Natália Suzuki, da Repórter Brasil e membro das Comissões Estadual e Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo de São Paulo.

Para Borges, coordenador do Programa de Empresas e Direitos Humanos da Conectas, é necessário pensar qual o próximo passo após a publicação da resolução 4.327, que celebra seu quinto aniversário em abril deste ano. “As exigências poderiam ser elevadas, tudo dependerá do regulador”, afirmou. O cenário internacional tem trazido novidades. Na Holanda, foi firmado recentemente um acordo entre governo, sindicatos, ONGs e entidades de direitos humanos que estabeleceu ações concretas. “Assim se montam prazos e monta-se a governança.”

Não é uma iniciativa isolada. Mundo afora, o setor financeiro começa a estudar maneiras de como se envolver mais na questão para reduzir o trabalho forçado, de forma a cumprir as metas da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. Estimativas apontam que o crime, junto com o tráfico de seres humanos, rende cerca de US$ 150 bilhões anuais.

A Universidade das Nações Unidas, em parceria com os governos do Principado de Liechtenstein, da Austrália e da Holanda e bancos, se uniram em uma Comissão Financeira sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas. Além de fomentar mais informações sobre o assunto, a ideia é discutir a adoção de mecanismos para acelerar sua erradicação. Em abril, na Austrália, os integrantes se reunem para discutir inovações financeiras que poderão ser usadas para erradicar o trabalho escravo e o tráfico humano.

O encontro é mais um passo da iniciativa, que desde setembro de 2018 tem se reunido para elaborar medidas para eliminar o problema. Em setembro de 2019, nos Estados Unidos, em reunião da ONU, pretende-se lançar um relatório com ações concretas que poderão ser adotadas. “Há um esforço para que se possam criar soluções e para que cada ator possa saber o que cada país está fazendo”, destacou James Cockayne, diretor do Centro para Pesquisa de Políticas da Universidade das Nações Unidas e secretário da Liechtenstein Initiative para o Setor Financeiro.

Outra das iniciativas é a plataforma da Aliança 8.7, que reúne instituições que atuam no combate ao trabalho forçado, à escravidão moderna, ao tráfico de pessoas e ao trabalho infantil do mundo até 2030. A ferramenta foi idealizada pela Universidade das Nações Unidas em parceria com organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho brasileiro. O projeto reúne dados, análises, fórum de discussão, notícias e pesquisas sobre os quatro temas e tem como objetivo difundir políticas públicas que contribuam para a erradicação do problema. “Ter mais informações é essencial”, disse Cockayne.

Anita Ramasastry, diretora do programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Internacional Sustentável da Faculdade de Direito da Universidade de Washington, ressaltou, no encerramento do seminário, que o setor financeiro pode propiciar mais informações para o melhor mapeamento das cadeias de valor. Por financiar diversos elos, de fornecedores a construtores, acionistas e investidores, os bancos têm dados que podem contribuir para avaliar o papel de cada agente e seus impactos, o que pode auxiliar na criação de ferramentas, seja para evitar o trabalho forçado, seja para elaborar políticas para sustentar a vida dos que são resgatados.

“A informação precisa é muito importante na luta”, destacou.

Abaixo, estão outras discussões dos painéis do evento:

Painel 1 – Apesar de políticas públicas e corporativas criadas, a erradicação do trabalho escravo até 2030 será difícil

O cumprimento da meta da Agenda 2030 da ONU exigirá maior mapeamento das cadeias produtivas, mais ação das empresas e governos do que aquilo que vem sendo implementado até aqui

Painel 2 – Setor financeiro no Brasil e no mundo ainda tem muito a evoluir no combate ao trabalho escravo

O discurso do setor de preocupação com as questões sociais não se traduziu totalmente na prática, dizem especialistas




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