Nespresso e Starbucks compraram café de fazenda flagrada com trabalho escravo

Após divulgação da “lista suja” do trabalho escravo, que inclui produtor de café do Triângulo Mineiro, as empresas anunciaram que vão investigar e suspender a relação comercial
Por Daniel Camargos
 04/04/2019

A Nespresso, marca controlada pela Nestlé, vai suspender a compra do café da fazenda Cedro II, que entrou na “lista suja” do trabalho escravo divulgada nesta quarta-feira (3) pelo governo federal. Compradora do mesmo produtor, a Starbucks informou que vai investigar o episódio e que, caso confirmadas as violações, pode também suspender relações comerciais com a fazenda Cedro II do Triângulo Mineiro.

A decisão das duas multinacionais acontece depois da publicação do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à escravidão, que incluiu 48 novos nomes. Entre eles, está o produtor de café Helvécio Sebastião Batista, certificado pelos selos de qualidade da Nespresso e da Starbucks. Veja aqui a lista suja publicada no dia 03 de abril de 2019″.

Leia a reportagem:
Animale e café certificado integram nova ‘lista suja’ do trabalho escravo

“Diante do exposto no último relatório do Ministério do Trabalho, suspendemos de imediato o trabalho com o produtor em questão e vamos averiguar o caso”, informou nota enviada pela Nespresso. “As fazendas que fornecem café para a companhia são rigorosamente avaliadas e supervisionadas anualmente para cumprirem devidamente com os critérios do programa. Não aceitamos situação contrária, sem exceção”, disse a empresa.

Starbucks e Nespresso compravam grãos de produtor do Triângulo Mineiro que foi flagrado explorando mão mão de obra análoga à de escravos. (Foto: Lilo Clareto/Repórter Brasil)

A Starbucks disse, em nota, que vai investigar o episódio, o que “poderia levar à suspensão da relação comercial com uma fazenda até que o caso tenha sido esclarecido”. Segundo a empresa, que tem a maior cadeia de cafeterias do mundo, a fazenda seguia as práticas do selo de certificação da rede chamada CAFE, que segundo a marca segue “padrões éticos e sustentáveis” em parceria com a Conservation International. A nova avaliação da fazenda que entrou na “lista suja” do trabalho escravo estava prevista para ocorrer em setembro de 2019.

Não é a primeira vez que auditores-fiscais flagram trabalho escravo em fazendas de café certificadas pela Starbucks. Em agosto do ano passado, a Repórter Brasil mostrou que a Fazenda Córrego das Almas, também conhecida como Fartura, foi flagrada com 18 trabalhadores submetidos à condições análogas à escravidão.

Fiscalização realizada em julho de 2018 por auditores-fiscais do trabalho encontrou seis trabalhadores da fazenda Cedro II em condições análogas à escravidão. Alguns chegavam a  trabalhar de 6h às 23h e dormiam em alojamentos com condições precárias de higiene, segundo os auditores responsáveis pelo resgate.

No ano passado, 210 trabalhadores do setor cafeeiro foram encontrados em situação análoga à escravidão pelos auditores-fiscais do Trabalho. (Foto: Marcel Gomes / Repórter Brasil)

O proprietário e administrador da Fazenda, Helvécio Sebastião Batista, afirma ser improcedente a sua autuação por explorar mão de obra análoga à de escravos. “Estou tomando as minhas providências. Entrei com mandado de segurança e não paguei um centavo de multa”, afirma Batista.

Os auditores-fiscais encontraram na fazenda Cedro II e em outras propriedades que têm Batista como administrador outros 19 trabalhadores submetidos à condições análogas à de escravos, além dos seis que provocaram a inclusão do produtor na “lista suja”. Os trabalhadores não tinham banheiro adequado e nem cozinha para preparar as refeições. Além disso, eram submetidos a jornadas exaustivas, que, em alguns casos, se estendiam até às 23h. Muitas vezes sem folga semanal.  

Além dos certificados de boa prática da Nespresso e da Starbucks, Batista afirmou que a fazenda é certificada pela Rainforest Alliance e pela UTZ. A Rainforest Alliance, informou à Repórter Brasil que suspenderá a certificação. Já a UTZ informou que certificou uma fazenda vizinha, administrada por Batista, mas que a propriedade não é a que consta na nova “lista suja”.

Casos de trabalho análogo à escravidão em fazendas de café são recorrentes. Somente em 2018, 210 trabalhadores foram encontrados em situação análoga à escravidão pelos auditores-fiscais. O cenário no setor de café é o pior dos últimos 15 anos.


Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil



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