A Repórter Brasil enviou ao Ministério da Saúde, no último dia 23 de maio, uma série de questionamentos a respeito da reportagem “Em meio a ‘apagão médico’ indígena, 3 crianças morrem em 11 dias no Xingu”, publicada neste domingo, 2 de junho. Seguem abaixo as perguntas feitas pela reportagem e o posicionamento completo do governo federal.
Sobre a taxa de mortalidade infantil no Distrito Sanitário Indígena do Xingu, o Ministério da Saúde respondeu no posicionamento oficial, do dia 31 de maio, que a taxa de 2018 era de 29 óbitos de crianças com menos de um ano para cada mil nascidos vivos. Porém, no dia 14 de maio, a assessoria de imprensa do ministério havia informado outra taxa, de 40 mortes para cada mil nascidos vivos. Este foi o número utilizado pela reportagem. Assim que a pasta explicar a divergência dos dados, este texto e a reportagem serão alterados.
Questionamentos da Repórter Brasil
1) Caso Milena Kaiabi:
– Qual a data exata do primeiro atendimento de saúde realizado na aldeia? Por que havia apenas uma técnica de enfermagem na equipe de atendimento?
– Qual o período em que Milena ficou internada no polo Diauarum? Qual era seu estado de saúde nesse período e quais diligências foram tomadas?
– Por que não havia médicos no Diauarum entre 28 de março e 10 de abril?
– Por que não havia enfermeiros no Diauarum entre 28 de março e 10 de abril?
– A meningite demanda diagnóstico rápido e tratamento imediato para aumentar as chances de cura. Por que Milena foi retirada do parque indígena apenas em 10 de maio?
– Vocês gostariam de se pronunciar sobre a morte dessa recém-nascida, que faleceu por falta de atendimento médico na região?
2) Caso Nare Pedro Kaiabi e surto de infecções pulmonares nos arredores da aldeia Sobradinho, Parque Indígena do Xingu, no mês de abril. Nare Pedro Kaiabi tinha 2 anos e histórico de desnutrição. Morreu no dia 19 de abril no Hospital Regional de Colíder (MT) de pneumonia. A reportagem apurou que a criança se infectou no início de abril com uma doença que parecia uma gripe e que evoluiu rapidamente para uma forte pneumonia. Inicialmente, não havia o antibiótico mais adequado para o tratamento da pneumonia (a amoxicilina). O novo lote deste remédio só chegou à aldeia no dia 18 de abril, quando cerca de 40 crianças que moram nas aldeias dos rios Arraias e Manito iniciaram o tratamento. Antes disso, enquanto esteve na aldeia Sobradinho antes de ser transferido para Marcelândia e Colíder, Nare Pedro estava sendo tratado com cefalexina.
– Por que a amoxicilina não havia sido distribuída para o ponto de saúde da aldeia Sobradinho antes de 18 de abril?
– Por que não havia amoxicilina naquele momento para o tratamento de Nare Pedro Kaiabi?
– Algum comentário sobre essa morte, facilitada pela falta de medicamentos?
3) Recursos destinados à saúde indígena foram congelados entre janeiro e março deste ano, afetando a compra de materiais e insumos, como antibióticos, anestesias e combustíveis, além do pagamento de funcionários terceirizados que prestam serviços ao DSEI Xingu. A reportagem apurou que ao menos um barqueiro e um motorista abandonaram seus cargos por falta de pagamento de salários. Um dos 2 automóveis à disposição do ponto de saúde na aldeia Sobradinho permaneceu na oficina por longo período por falta de pagamento ao fornecedor. Apuramos também que houve redução da cota de combustível destinado para as aldeias. Pergunto:
– Por qual motivo os recursos foram congelados entre janeiro e março deste ano?
– Qual o valor total dos recursos congelados?
– O Ministério tem uma estimativa de quantas comunidades indígenas (ou do número de indígenas) foram impactadas com o congelamento?
– Por que foi reduzida a cota de combustível? Qual o percentual de redução no que se refere ao polo Diauarum e às aldeias sob sua responsabilidade?
– Os pagamentos voltaram a atrasar em maio. Por quê? Quando serão retomados os pagamentos?
– Quais medidas de emergência foram tomadas para compensar a falta de profissionais como barqueiros e motoristas?
4) Mais Médicos e gestão do DSEI. O Parque do Xingu contava com seis médicos cubanos trabalhando até novembro passado, antes do encerramento do contrato com a OPAS no âmbito do Mais Médicos. Os seis novos médicos foram contratados apenas no final de março, entrando para trabalhar no parque em meados de abril. No início de maio, 2 desses 6 novos médicos já tinham desistido do cargo.
– Quais medidas emergenciais foram tomadas para suprir a falta de médicos no parque entre novembro e abril deste ano?
– Atualmente, há quantos médicos trabalhando no Xingu?
– No início de abril, estavam ativos pelo Mais Médicos apenas 119 médicos de um total de 372 que atuam em áreas indígenas. Hoje, 23 de maio, quantos médicos estão ativos nos territórios indígenas?
– Os indígenas do Xingu relatam que o trabalho de prevenção e vigilância nas aldeias não vem sendo feito. Por que esse trabalho não vem sendo feito pelo poder público? Qual a periodicidade que uma equipe de saúde (com ou sem médico) deve passar nas aldeias para realizar o trabalho de prevenção e vigilância? Qual a periodicidade em que um médico deve passar pelas aldeias para o trabalho de prevenção e vigilância?
5) A taxa de mortalidade infantil indígena no DSEI XINGU, considerando os últimos 4 anos (2015 a 2018), foi de 43,38. O índice está muito acima da média brasileira, de 12,8. Considerando também que, em novembro de 2016, o Ministério da Saúde lançou uma campanha para reduzir em 20% a taxa de mortalidade infantil indígena até 2019, pergunto:
– Qual foi a taxa de mortalidade infantil indígena nos anos de 2017 e 2018?
– No que consiste a campanha lançada em 2016?
– Quais resultados foram obtidos?
– Considerando o DSEI XINGU, a taxa ficou acima de 40 em todos esses anos, indicando que não houve redução. Por quê? A campanha foi implementada no Xingu?
6) O Ministério da Saúde estabeleceu um grupo de trabalho junto à Sesai para desenvolver um novo modelo para a saúde indígena.
– Quem são os membros do Grupo de Trabalho?
– O GT segue ativo? Quais resultados serão apresentados? E quando isso vai acontecer?
– Quais são as providências previstas pelo GT para evitar que as carências relatadas anteriormente voltem a se repetir?
Resposta do Ministério da Saúde
O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), reafirma o compromisso com a melhor execução das ações de saúde nas áreas indígenas. As atividades de prevenção e vigilância estão sendo executadas em todos os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs). Cabe ressaltar que o Ministério tem se pautado para aprimorar o atendimento diferenciado à população indígena, sempre considerando as complexidades culturais e epidemiológicas, a organização territorial e social, bem como as práticas tradicionais e medicinais alternativas a medicina ocidental.
O Polo Base Diauarum atende os municípios de Marcelândia, Nova Ubiratã, Feliz Natal, São José do Xingu, São Felix do Araguaia e Querência e conta com uma população de 1.749 pessoas em uma extensão territorial com acesso, em sua maior parte, fluvial.
As escalas de trabalho das equipes de área foram construídas pensando em regiões e microrregiões que abrangem uma população mínima, para garantir a cobertura e assistência de forma permanente. Desta forma, o DSEI Xingu/MT atualmente possui 4 microrregiões com população aproximada de 500 indígenas e 4 regiões com mais de 1.000 indígenas, que estão sob o cuidado das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI). Elas são responsáveis pela vigilância em saúde, que são realizadas continuamente.
A escala dos profissionais de área (técnicos de enfermagem, enfermeiros, dentistas) está organizada na modalidade 30×15 (trabalha 30 dias e folga 15), tendo em vista a extensão do território indígena do Xingu e o deslocamento das EMSI. Já a escala dos médicos é de 15×15. O Polo Base Diauarum possui 4 enfermeiros, 1 dentista, 2 médicos do Programa Mais Médicos e 3 técnicos de enfermagem. Já o DSEI Xingu conta com 6 médicos do Programa Mais Médicos.
Atualmente, são 372 vagas do Programa Mais Médicos para atuar na área indígena, sendo que 354 vagas estão ocupadas e 18 vagas estão sendo ofertadas no edital em vigência.
Sobre o caso de Milena Kaiabi, o Ministério da Saúde informa que um dia antes do seu nascimento uma enfermeira visitou a aldeia Paranaíta e avaliou a gestante com quadro estável, sem nenhum problema de saúde e sem presença de contração. A gestante deu à luz na madrugada do dia seguinte. O parto foi normal, com auxílio da família e sem nenhuma complicação. Vale ressaltar que é costume da etnia realizar o parto na própria aldeia, com auxílio de uma parteira, e apenas chamar a EMSI no caso de alguma insegurança ou em situações de complicação.
A equipe prestou toda a assistência necessária desde o primeiro atendimento, que ocorreu com quatro dias de nascida, quando a bebê foi levada ao Polo Base Diauarum febril, chorosa e com bastante gazes. A criança permaneceu em observação e, no dia 7 de abril, a equipe reavaliou a bebê que continuava chorosa, irritada, com dificuldade para sugar, hipoativa, com sinais vitais de desidratação e febril. No dia 8 foi solicitado o voo para levar a mãe e o bebê para Sinop. A vaga na UTI Neonatal foi solicitada no dia 9, sendo que no dia seguinte foi dada entrada na Defensoria Pública para agilizar a solicitação da vaga de UTI. A decisão do juiz para que se cumprisse o atendimento saiu no dia 11.
Não é possível afirmar que a bebê tinha meningite, pois não colheram o líquor para confirmação, em Sinop. A investigação de óbito ainda está sendo realizada.
Com relação aos medicamentos, a solicitação é realizada mensalmente pelas EMSI dos Polos Base para a Farmacêutica da Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) – sede DSEI Xingu, que faz o envio o mais breve possível, conforme logística disponível.
A região do Sobradinho é abastecida de medicamentos pelo Polo Base Diauarum e também recebe insumos da Secretaria de Saúde do município de Marcelândia. Cabe ressaltar que a região apresentou um índice alto de resfriados seguidos de pneumonia, no período de abril e a EMSI do Polo Diauarum foi ao local, realizou visitas domiciliares e respectivos tratamentos, além de conversas com a comunidade sobre cuidados em saúde e prevenção. A equipe de imunização também realizou toda a etapa de vacinação contra influenza na região.
A investigação do óbito de Nare Pedro Kaiabi ainda está sendo realizada. Não é possível afirmar que o fato ocorreu pela falta de medicamentos, pois os fármacos são enviados regularmente ao Polo Base Diauarum, inclusive amoxicilina.
O Ministério da Saúde passou por dificuldades jurídicas para solucionar o pagamento da prestação de serviços prestados por Organizações Não Governamentais (ONGs) aos DSEIs. Vale destacar que os recursos destinados às entidades conveniadas que prestam serviços para assistência à saúde indígena já foram autorizados. No entanto, o cronograma de execução financeira dos recursos para as entidades Missão Evangélica Caiuá, SPDM e IMIP está sendo ajustado junto ao Fundo Nacional de Saúde. Os ajustes são necessários para que seja possível a liquidação e pagamento das parcelas, que deve ser realizado até fim de maio. É importante ressaltar, ainda, que não houve interrupção de atividades nos 34 DSEIs.
Sobre a mortalidade infantil, a SESAI tem intensificado a vigilância do óbito em todos os DSEIs, com o objetivo de promover a redução da mortalidade materno-infantil. A partir de um reforço das ações de investigação de óbito em áreas indígenas, em especial de crianças menores de cinco anos, da sistematização dos registros relacionados aos óbitos e outras estratégias, as informações relativas à mortalidade materno-infantil estão cada vez mais qualificadas.
Em relação à mortalidade de crianças indígenas menores de um ano, as principais causas estão relacionadas a doenças respiratórias, afecções perinatais e doenças infecciosas. Entre 2015 e 2018, a taxa de mortalidade infantil no DSEI Xingu reduziu de 37,3 para 29,1 (menores de 1 ano). No entanto, é recomendável a utilização de número absolutos e não aplicar os cálculos das taxas, considerando o baixo número de eventos.
Cabe esclarecer que o Ministério da Saúde realiza uma série de ações voltadas ao combate da mortalidade infantil indígena, como a vigilância alimentar e nutricional, além da imunização das crianças com as vacinas recomendadas no calendário infantil.
Entre 2012 e 2018, foram capacitados 2.287 profissionais para identificar e agir diante de sinais de perigo para saúde na infância. O treinamento faz parte da estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (Aidpi), elaborada pela organização Mundial de Saúde (OMS) em conjunto com o Unicef, com o objetivo de reduzir a mortalidade em menores de cinco anos.