Três trabalhadores rurais sem-terra foram soltos nesta quarta-feira (23) após passarem 50 dias presos acusados por um delegado da Polícia Civil de terem participado do ‘Dia do Fogo’ – queimadas criminosas que triplicaram o número de focos de incêndio na região de Novo Progresso, no Pará, entre os dias 10 e 11 de agosto.
A prisão dos três sem-terra, ordenada pela delegacia de Castelo dos Sonhos (distrito de Altamira vizinho a Novo Progresso), ia na contramão da principal linha investigativa conduzida pela Polícia Federal e pela Polícia Civil, que aponta como principais suspeitos fazendeiros, madeireiros e empresários da região, conforme revelou nesta terça-feira (22) a Repórter Brasil.
A investigação oficial revelou que os organizadores do ‘Dia do Fogo’ compraram combustível e contrataram motoqueiros para incendiar a floresta – ação que demanda investimentos que não condizem com o perfil dos sem-terra detidos. Os responsáveis racharam os custos do ataque e se organizaram por meio de grupos de WhatsApp.
A libertação de Silvanira Teixeira de Paula, Francisco das Neves Ferreira e Antônio dos Santos foi determinada pela juíza Sandra Maria Correia da Silva, do Tribunal Regional Federal, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal.
A decisão ocorre um dia após a Polícia Federal fazer buscas e apreensões na casa e no escritório do presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, Agamenon Menezes. A operação ‘Pacto de Fogo’ também cumpriu mandados na casa de outros três suspeitos de terem organizado o ataque, mas os alvos não foram divulgados.
Em defesa da soltura, a juíza argumentou que os sem-terra estavam presos sem julgamento há demasiado tempo, que tinham bons antecedentes e que dois deles sofrem com doenças crônicas. Tanto o MPF quanto a juíza não recorreram à contradição entre o modus operandi do ataque do ‘Dia do Fogo’ e o perfil dos prisioneiros.
Silvanira, Francisco e Antônio tentam há dez anos obterem um lote de terra na Gleba Gorotire, em Cachoeira da Serra, a 30 quilômetros de Castelo dos Sonhos. Já Menezes, o principal investigado até agora por ter organizado o ‘Dia do fogo’, vive há 35 anos em Novo Progresso, onde se dedica à pecuária e à produção de soja.
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Os três acampados foram presos em 2 de setembro por iniciativa do delegado de Castelo dos Sonhos, Francimar Oliveira, que os denunciou por participação no ‘Dia do Fogo’, grilagem de terra, loteamento indevido e derrubada ilegal de árvores na região. “São invasores de terra que desmataram, queimaram e vendiam madeira”, afirmou Oliveira em entrevista concedida quando eles ainda estavam detidos.
Silvanira, que preside a associação de acampados, é apontada pelo delegado de Castelo dos Sonhos como a líder de um grupo que vendia lotes em áreas de reserva ambiental, na Floresta Nacional do Jamanxim.
“Não entendo o motivo de estar presa”, disse Silvanira à Repórter Brasil em 23 de setembro, ainda na prisão de Novo Progresso. Ela conta ter denunciado à Delegacia de Crimes Agrários (Deca) a extração ilegal de madeira na área pleiteada pelas 270 famílias dos acampados. O alerta foi feito dias antes da prisão. “Quando os policiais chegaram na minha casa, pensei que eles vieram para prender os madeireiros, mas me prenderam”, recorda.
Medo da polícia
Acampados e vizinhos de Silvanira confirmaram à reportagem que não havia venda de lotes, mas sim uma divisão das despesas para que Silvanira pudesse ir a Brasília e a Santarém agilizar a regularização das terras.
“Ela [Silvanira] sempre pediu para não deixar madeireiro entrar”, disse um dos acampados, destacando que o acampamento atrapalha os interesses de madeireiros ilegais da região. Segundo os acampados, há uma relação estreita entre policiais da região e empresários que extraem madeira da Flona Jamanxim. A tensão é tão latente que Silvanira, mesmo solta, continua incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Pará por conta das constantes ameaças que sofreu.
O delegado Oliveira diz não haver perseguição policial e rebate os argumentos dos acampados. “Eles colaboram com a extração ilegal de madeira na região. Os madeireiros abrem estradas e eles (acampados) derrubam a floresta e vendem madeira”, afirma.
A juíza revogou a prisão cautelar, por entender que os três não são pessoas perigosas. A magistrada, porém, determinou algumas medidas cautelares, entre elas, que os três estão proibidos de irem até a Gleba Gorotire e de terem contato com os outros acampados.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil