Repórter Brasil ganha ações judiciais que garantem liberdade de imprensa

Decisões dos tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais consideraram que reportagens estavam corretas e que não deveriam ser retiradas do ar 
Por Repórter Brasil
 17/10/2019

“A matéria ateve-se aos fatos”. A frase, escrita em decisão do juiz Leandro Eburneo Laposta, do Tribunal de Justiça de São Paulo, resume o motivo pelo qual a Repórter Brasil saiu vitoriosa em um processo que a acusava de danos morais e que pedia a retirada de reportagem do ar. Outra sentença, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, também garantiu ganho de causa e assegurou o direito constitucional à liberdade de imprensa.

“Os juízes observaram o essencial: publicar um fato verdadeiro e de interesse público é o que se espera de uma imprensa verdadeiramente livre”, afirma a advogada da Repórter Brasil, Eloísa Machado de Almeida, que faz parte do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADhu) e é coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta.

“Os juízes observaram o essencial: publicar um fato verdadeiro e de interesse público é o que se espera de uma imprensa verdadeiramente livre”, afirma a advogada da Repórter Brasil, Eloísa Machado de Almeida. (Foto: Freepik)

Nos dois processos, os autores pediram indenização por danos morais e retirada dos links do site da Repórter Brasil. Como foram decisões da primeira instância, os autores ainda podem entrar com recursos. 

No caso do processo em São Paulo, referente à reportagem Construtora de alojamentos acomoda pedreiros de modo ilegal, o autor da ação, Claudenor Zopone Junior, pediu R$ 50 mil referentes à indenização por danos morais, alegando que a matéria “era uma afronta à sua honra”.

O texto relatava uma ação de fiscalização de auditores fiscais do extinto Ministério do Trabalho, que resgataram cinco trabalhadores de situação análoga à escravidão na Fazenda Campo Belo, em Ribeirão Cascalheira (MT), de propriedade de Zopone Junior.

Entre os resgatados, havia uma mulher, mãe de uma criança de um ano e sete meses. Todos dormiam em barracos sem parede, sem energia elétrica e sem condições básicas de higiene. Como não havia banheiro, os trabalhadores tomavam banho no córrego – de onde vinha a água para beber e cozinhar.

Zopone Junior alegou que, após a fiscalização dos auditores fiscais, foi instaurado inquérito policial e processo criminal contra ele – do qual foi absolvido por falta de provas. O fazendeiro, então, pediu que a Repórter Brasil retirasse a reportagem do ar ou que atualizasse o texto inserindo informações sobre a sua absolvição.

Em sua decisão, o juiz acatou os argumentos da defesa, que se centraram no direito constitucional à liberdade de imprensa e na censura que existe em um pedido de retirada de reportagem.

“A Repórter Brasil está agindo no exercício regular de um direito constitucional, o direito de informar, o direito de produzir matérias jornalísticas verdadeiras e de interesse público”,  diz a peça de defesa, elaborada por Almeida e por André Ferreira, também do CADhu. “Obrigar um órgão de imprensa a publicar este ou aquele conteúdo significa interferir em sua liberdade de imprensa, significa uma censura afirmativa: o órgão de imprensa deixa de ser livre para informar o que considerar adequado e passa a ser obrigado a dispor de informação de terceiros”.

Os advogados também destacaram que promover a retirada de conteúdo do ar é o equivalente a mandar destruir arquivos físicos de veículos de mídia impressa. Além disso, o juiz Laposta também acatou argumento da defesa de que a Repórter Brasil se ateve aos fatos existentes à época da publicação, quando Zopone Junior havia sido autuado pelos auditores fiscais do Trabalho e punido na esfera administrativa, por meio do pagamento de verbas rescisórias aos trabalhadores resgatados.

Investigativo e de interesse público

Também em setembro, decisão do Wagner Sana Duarte Morais, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proferiu decisão vitoriosa à Repórter Brasil. O autor da ação, André Luis Ruas, pediu indenização por danos morais de R$ 39.900, referente à reportagem Vale ditou regras para simplificar licenciamento ambiental em MG, publicada em 22 de fevereiro deste ano, menos de um mês após o acidente na barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, que deixou cerca de 250 mortos.

A investigação revelou, com exclusividade, que diretores da mineradora se reuniram a portas fechadas com representantes da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) para pedir mudanças no processo de concessão de licenças ambientais. 

As sugestões feitas pelos funcionários da Vale, em encontro em outubro de 2014, foram adotadas três anos depois, quando o governo de Minas Gerais, sob comando de Fernando Pimentel (PT), simplificou o licenciamento ambiental no Estado — medidas que terminaram por facilitar o licenciamento da barragem que se rompeu em Brumadinho.

A Repórter Brasil teve acesso ao áudio da reunião, além de lista de presença e ata resumida, documentos que nunca divulgados pela Semad. A organização, quando primeiramente questionada pela reportagem, negou a existência deste encontro, e apenas reconheceu a presença dos funcionários da Vale após revelarmos os documentos e áudios.

O autor da ação, à época da reportagem, era subsecretário de Gestão e Regularização Ambiental Integrada da Semad e esteve presente na reunião. Ele entrou com a ação alegando danos morais e pedindo a retirada da reportagem do ar.

Em sua sentença, o juiz destaca que o autor não nega que houve a reunião com representantes da Vale e tampouco nega que nela estava presente. “Não bastasse, tais matérias não são sobre o autor, e com isso não possuem aptidão para lhe ofenderem a honra. Na verdade, são de cunho eminentemente investigativo e revestem-se de interesse público”, diz a sentença.

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