A multinacional Danish Crown e os desmatadores da Amazônia

Reportagem aponta fragilidades e falta de monitoramento nas políticas de compra de carne brasileira adotadas por grandes empresas dinamarquesas
Da Redação
 29/01/2020

A multinacional Danish Crowne o grupo varejista COOP, ambos sediados na Dinamarca, vendem carne bovina brasileira que pode ter vindo de florestas desmatadas ilegalmente. É o que mostra uma reportagem publicada pela agência de jornalismo investigativo Danwatch. A investigação foi realizada em colaboração com a Repórter Brasil e com a rádio P1 Orientation.

Essas empresas, aponta a reportagem, adquiriram carne de frigoríficos brasileiros com fornecedores multados pela fiscalização ambiental, ou então que não possuem mecanismos satisfatórios de rastreabilidade.

A Danish Crown é uma gigante dinamarquesa do setor de alimentos. Além de ser uma das maiores produtoras de carne suína da Europa, também administra uma das principias empresas de comércio de proteína animal do mundo.

A companhia mantém histórico de relacionamento comercial com o Frigorífico Irmãos Gonçalves (Frigon), localizado em Rondônia.Em 2017, a Danish Crown, por meio de sua trading ESS-FOOD, comprou vísceras bovinas do frigorífico no valor de quase 100.000 dólares.

Documentos de autoridades ambientais brasileiras acessados pela Danwatch mostram que uma fazenda fornecedora do Frigon possui, desde 2014, áreas embargadas por desmatamento ilegal.

De acordo com a lei brasileira, é ilegal adquirir gado criado em áreas embargadas. Por esse motivo, muitas empresas de carne prometem não comprar de fazendas com terras nessa condição. A prática, de acordo com a investigação publicada pela Danwatch, não foi adotada pelo Frigon no caso especifico.

Além disso, a reportagem destaca que o frigorífico não assinou acordos nem iniciativas para conter o desmatamento na Amazônia (o chamado TAC da Carne), e tampouco oferece garantias aos clientes sobre a origem da carne.

A ESS-FOOD compra carne de 48 países diferentes e vende anualmente cerca de 400.000 toneladas de carne no mundo. “Podemos garantir que não venderemos esses produtos na Dinamarca e na Europa, mas não que a ESS-FOOD não irá vendê-los a clientes no resto do mundo”, declarou à Danwatch Jens Hansen, gerente de mídia da empresa.

“A ESS-FOOD não decide sobre a sustentabilidade do produto, a menos que o cliente queira. Portanto, cabe ao comprador exigir certificações ou documentos similares. Podemos ver que os clientes europeus normalmente têm padrões diferentes e mais exigências de certificações do que, por exemplo, clientes africanos e asiáticos, que muitas vezes são os quem compram subprodutos animais”, complementa o gerente.

Já o Frigon, diz a reportagem, não respondeu às perguntas da Danwatch.

Compras de grande portesem controle

Especialistas em responsabilidade corporativa ouvidos pela Danwatch afirmaram estar decepcionados com a prática da Danish Crown.“Alguém aqui formulou alguns princípios bonitos, mas não é responsabilidade social corporativa de verdade se não se aplicar a toda a organização”, diz Jacob Dahl Rendtorff, pesquisador de ética nos negócios na RUC (Roskilde University).

“Uma empresa grande como a Danish Crown, e que, portanto, tem algum poder de compra, deve assumir alguns padrões e exigências para seus fornecedores. O fato de ser uma empresa exclusivamente de trading não lhe permite simplesmente dizer que vende qualquer coisa, desde que o comprador queira”, acredita o pesquisador Jacob Dahl Rendtorff.

O especialista em boas práticas corporativas Andreas Rasche, da Faculdade de Administração de Copenhague, diz que tradings como a ESS-FOOD, chamada de empresas “Business to Business”, geralmente cumprem muito menos requisitos de sustentabilidade do que as que vendem a consumidores individuais. Mas isso não as isenta de responsabilidade, diz ele.

“Sendo a Danish Crown a única proprietária dessa empresa, é decepcionante que ela não siga sua própria política de compras responsáveis. É claro que a ESS-FOOD pode transmitir uma forte mensagem de responsabilidade social ao tornar as certificações obrigatórias para que as vendas possam acontecer”, diz Andreas Rasche.

Dados do instituto de pesquisa Trase mostram que, em 2018, através da ESS-FOOD, a Danish Crown comprou carne e vísceras do Brasil por 1,2 milhão de dólares, de exportadores que não operam seus próprios matadouros, e sim compram carne de várias empresas menores no Brasil.Isso torna quase impossível que compradores como a Danish Crown rastreiem a origem do gado.

“Quando você observaos padrões de compras, parece que a empresa não faz muitas perguntas sobre a origem dos produtos”, diz Erasmus Zu Ermgassen, pesquisador do Trase e da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.

Carne brasileira vendida em restaurantes e supermercados

A Danwatch também identificou carne brasileira sendo vendida na Dinamarca pela rede de restaurantes Jensens Bøfhus e pelo grupo varejista COOP, que controla algumas das maiores redes de supermercados do país. Os exportadores brasileiros Marfrig e Minerva, segundo a Danwatch, são fornecedores relevantes dessas empresas.

Ambos os frigoríficos informam adotar medidas para não comprar gado que tenha pastado em floresta desmatada ilegalmente. Fazem isso cruzando suas listas de fornecedores com multas aplicadas pelas autoridades ambientais por desmatamento ilegal, e por meio de monitoramento por satélite. Mas, embora afirmem que estão fazendo o máximo para evitar o desmatamento, Marfrig e Minerva também reconhecem que controlam apenas as fazendas de gado que são fornecedoras diretas de seus matadouros.

O problema é que o gado costuma mudar de dono várias vezes durante o período de reprodução, antes de acabar sendo vendido para abate. Ou seja, ele pode ter pastado em áreas de floresta desmatadas ilegalmente, dentro de fazendas diferentes da que o vendeu para o abate. Esse procedimento também é usado para fazer a chamada “lavagem do gado”, isto é, o gado que pasta na área desmatada ilegalmente muda de propriedade antes de ser vendido às grandes empresas de carne.

Em dezembro de 2019, o diretor de sustentabilidade da Minerva declarou ao Bureau of Investigative Journalism que não tem como controlar fornecedores indiretos. Em um email enviado à Danwatch, a e empresa disse que os matadouros que produzem carne bovina para a Dinamarca não compram gado de agricultores da Amazônia. Também confirmou que a empresa não controla fornecedores indiretos.

Na COOP, o chefe do departamento de responsabilidade corporativa da empresa, Thomas Roland, diz que a falta de rastreabilidade da carne bovina brasileira é uma informação nova, e que eles querem discuti-la com a Minerva. “Podemos garantir que exigimos que nenhum de nossos fornecedores nem os fazendeiros de quem eles compram gado estejam envolvidos em desmatamento. Também podemos garantir que a Minerva apresentou documentos confirmando isso”, afirma Thomas Roland.

A Jensens Bøfhus diz que não compra mais carne brasileira.

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