Medida provisória não garante estabilidade no emprego para quem aceitar redução salarial ou suspensão do contrato

Apesar de o governo federal anunciar que MP 936 dá garantia de estabilidade aos trabalhadores que aceitarem corte salarial, medida cai em contradição e prevê uma indenização extra para empregadores que demitirem durante “a estabilidade”
Por Daniel Camargos
 07/04/2020

Editada pelo governo como forma de garantir empregos e evitar demissões durante a pandemia do novo coronavírus, a Medida Provisória (MP) 936 não garante estabilidade no cargo aos trabalhadores que aceitarem a redução salarial temporária ou a suspensão do contrato. 

Publicada na última quarta-feira (1º), a medida estabeleceu os critérios de como devem ser realizadas as reduções salariais e de jornada por até três meses. Em seu artigo 10, o governo diz que “fica reconhecida garantia provisória no emprego” pelo mesmo período do acordo – ou seja, o trabalhador que tem redução salarial por dois meses, teria, na volta, seu emprego garantido por outros dois meses. No entanto, um parágrafo deste mesmo artigo permite a demissão sem justa causa, desde que seja paga uma indenização (além dos benefícios rescisórios já previstos na legislação trabalhista).

“É uma falsa estabilidade. Esse artigo [da MP] é uma contradição. Primeiro determina que há uma garantia de emprego e depois diz que pode dispensar”, afirma à Repórter Brasil o advogado trabalhista Fernando Hirsch, do escritório LBS. O especialista entende que a MP relativiza o conceito de estabilidade após o acordo com o patrão. 

O desemprego cresceu no Brasil antes da pandemia de coronavírus, segundo o IBGE, e atinge hoje 12,6 milhões de brasileiros (foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas)

Para a juíza do trabalho Valdete Souto Severo, presidente da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), a garantia alardeada pelo governo é um disfarce. “Um doce que alguém dá, diz que é bom, mas todo o resto é ruim”, exemplifica. 

Essa indenização pela demissão dentro do período de garantia prevê pagamentos de 50% a 100% do tempo faltante para terminar o período de estabilidade, dependendo da suspensão ou da redução salarial proposta por conta da pandemia. Na legislação trabalhista, em todos os casos, a garantia é de pagamento integral do período de estabilidade.

Como não se sabe quanto tempo durará a pandemia e o isolamento social, a tendência das empresas pode ser segurar os empregos, na avaliação de Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Ele diz que, se a crise persistir, os funcionários que assinaram o acordo de redução salarial podem ser demitidos ainda na “estabilidade”. “As empresas vão preferir pagar a multa e mandar o trabalhador embora”, lamenta.

O advogado Fernando Hirsch concorda. Em sua avaliação, empresas que têm pouco capital de giro ou poucos recursos para pagarem as demissões podem recorrer à “falsa estabilidade” para continuarem dispensando seus trabalhadores. Podem demitir alguns agora, e segurar outros com a ajuda do governo para demiti-los depois, caso a pandemia e o isolamento social demorem mais do que o previsto.

Severo, da AJD, compara a garantia com outras modalidades que já existem na legislação, como a proteção às gestantes e aos que sofrem acidentes no trabalho. Nos dois casos, a indenização é de 100% do período de estabilidade. Ou seja, se uma gestante tem 6 meses de estabilidade e é demitida no 3º mês, ela deverá receber como indenização 3 meses de salário, além das verbas rescisórias. No caso da medida provisória, a indenização de 100% do período de estabilidade acontece a quem tiver a suspensão do contrato ou corte salarial superior a 75%. Nos demais casos, a indenização é inferior à prevista na lei trabalhista.

Comércios fechados e apenas serviços essenciais em operação durante a quarentena no Brasil (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Preferem pagar multa

Em tempos de uma possível crise econômica que pode ser a maior das últimas décadas, o impacto da não garantia de emprego após o acordo será grande. “É preciso manter a renda dos trabalhadores para que depois da crise tenhamos o mínimo de estabilidade para recuperar alguma normalidade”, afirma Júnior, do Dieese.

A medida também recebeu críticas por ser voltada mais para as empresas do que para os trabalhadores. “Essa garantia oferecida pelo governo na MP é quase um deboche. É como se o governo estivesse convidando os empregadores a fazerem a demissão”, afirma Severo, da AJD. Já a Central Única dos Trabalhadores (CUT) divulgou nota destacando a “docilidade” das exigências feitas aos empregadores.

“Nada impede que parte da força de trabalho seja dispensada de imediato”, diz nota da Central Única dos Trabalhadores.

A edição da MP 936, assim como a edição da MP 927 – ambas editadas com o propósito de reduzir os impactos econômicos e trabalhistas da pandemia –, é, na análise do vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Luiz Antonio Colussi, um aprofundamento da reforma trabalhista aprovada em 2017 sob o governo de Michel Temer. Colussi lembra ainda de outros medidas, como a MP 881 (conhecida como MP da Liberdade Econômica) e a MP 905 (a que estabelece a carteira de trabalho verde e amarela), que também radicalizaram a perda de direitos trabalhistas. 

“A idéia é sempre a mesma. Tirar as salvaguardas, como a participação dos sindicatos nas negociações, e fazer com o que o trabalhador negocie diretamente com o patrão”, afirma o juiz. A MP 936 determinou que acordos de redução salarial e de jornada e de suspensão de contrato sejam feitas diretamente com o patrão –  sem intermediação dos sindicatos –, dependendo da faixa salarial. O que é considerado inconstitucional, já que viola o artigo 7º da Constituição. 

“Diante dessa crise, que condição tem o trabalhador de negociar? Ele vai aceitar qualquer proposta do empregador e dizer amém”, entende Colussi. Tanto ele, quanto Severo, da AJD e o vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Hélder Santos Amorim, destacam a inconstitucionalidade dessa medida. “Vamos ajuizar uma Adin questionando a constitucionalidade desse acordo individual”, diz Amorim. 

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu na segunda-feira (6) que as reduções de salário e jornada, assim como as suspensões de contrato de trabalho, só serão permitidas se a negociação individual entre trabalhador e patrão for comunicada ao sindicato da categoria em até dez dias. Caberá ao sindicato avaliar se deve iniciar uma negociação coletiva.

Após a publicação desta reportagem, o Ministério da Economia informou, em nota, que “a proibição em demitir, além de causar distorções quanto ao funcionamento da empresa e em sua produtividade, onerando principalmente os pequenos empreendedores, seria inconstitucional por violar a garantia de propriedade”. Disse ainda que as indenizações previstas no caso da demissão seguem o ordenamento jurídico e que “o acordo individual não ofende a constituição, pois não reduz o salário hora do empregado”. Por fim, a nota destaca que “por outro lado, frente a evidente (sic) queda no desempenho da economia, a demissão é um risco iminente”. Veja aqui a nota na íntegra.

Esta matéria também foi publicada no UOL.

Nota da redação: Esta matéria foi atualizada no dia 9 de abril de 2020 às 11h10 para inserir a resposta enviada pelo Ministério da Economia.


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