Modelo de produção do tomate estimula exploração trabalhista

Para auditor fiscal e procurador, ciclo curto, arrendamento e pagamento extra por produção contribuem para relações que chegam à jornada exaustiva e degradante
Por Pedro Biondi
 01/04/2020

Ribeirão Branco e Apiaí fazem parte da principal região produtora de tomate de mesa no país e responderam por metade das caixas do fruto que passaram em 2018 pelo Entreposto São Paulo da Ceagesp, o maior Ceasa e coração do abastecimento alimentar da maior região metropolitana do país.

Foi naquele pedaço do Vale do Ribeira, no sudoeste paulista, que uma força-tarefa autuou cinco produtores em 2019 por submeter trabalhadores a más condições laborais. A precariedade, porém, está longe de ser uma marca apenas do local.

Além do excesso de jornada comum em época de colheita, trabalhadores também são expostos a agrotóxicos sem a utilização de equipamento de proteção individual (Foto: Arquivo pessoal/Repórter Brasil)

“Esse padrão se repete em praticamente todas as regiões produtoras”, diz o auditor-fiscal do trabalho André Roston, uma das autoridades presentes naquela inspeção. “É uma cultura de ciclo rápido e colheita acelerada, com uso bem intensivo de agrotóxicos. Um cultivo bastante agressivo com o solo, que não permite fazer várias safras no mesmo local”.

Ele relaciona esse fator à ocorrência frequente do arrendamento, em que o produtor paga para plantar na propriedade de um terceiro. O arrendatário não vê razão para investir em infraestrutura de refeitório e banheiro, por exemplo, se vai instalar suas lavouras em outra roça no ano seguinte, explica Roston. Quatro dos autuados eram arrendatários, assim como dois flagrados por trabalho escravo em Minas Gerais.

Dos 567 sítios produtivos nas duas municipalidades, 102 operam em sistema de arrendamento ou parceria, segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA) e a Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) em Itapeva (SP). O levantamento feito pelos dois órgãos a pedido da Repórter Brasil mostrou também que o tamanho dessas unidades vai de 0,1 a 136 hectares (ha), com média de 4,7 ha.

Outro integrante da força-tarefa, o procurador Gustavo Rizzo Ricardo, aponta no modelo de remuneração – em que o empregado ganha um salário mínimo ou pouco mais e um valor extra por produtividade, calculado sobre o número de caixas colhidas – um fator importante para a reincidência desses problemas. 

“O trabalhador ou trabalhadora fica responsável por uma quantidade ‘x’ de pés de tomate, acho que 5 ou 6 mil, coloca filho, marido [para dar conta]. Se no final de safra acontece um problema de chuva ou de clima, ele tem que se ativar 12, 14, 16 horas senão perde todo esse complemento de cinco meses”, diz o integrante do Ministério Público do Trabalho.

Jornada pesada

“Aqui, o trabalho de um contratado vai do plantio até a colheita”, confirma a presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Ribeirão Branco e Guapiara, Edna Aparecida da Silva. “É muito serviço. A pessoa faz várias atividades no mesmo dia: aduba, rega, pulveriza, capina”.

Com a cultura de ciclo rápido e colheita acelerada, o arrendatário não investe em infraestrutura de refeitório e banheiro, expondo trabalhadores a condições precárias (Fotos: Arquivo pessoal/Repórter Brasil)

O excesso de jornada é comum, principalmente, na época de colher, comenta ela. “Tem gente que sai 4h30 de casa, viaja 50 quilômetros e trabalha até depois de escurecer. Chega de volta à própria casa 10, 11 da noite, às vezes até meia-noite ou 1 da manhã”.

A planta é muito sensível a pragas e, segundo a dirigente, a fase final exige três ou quatro pulverizações diárias – daí a importância dos cuidados para reentrada, uma das irregularidades que custaram autuação para os produtores. É preciso indicar as áreas onde foi aplicado agrotóxico, para evitar que alguém entre nelas sem equipamento de proteção antes do prazo seguro.  

O tomate de mesa é cultivado envarado (estaqueado), ou seja, com apoio de varas, muitas vezes com arames e fitilhos para amarrar (em oposição ao método rasteiro, usualmente destinado à indústria, para molhos e outros produtos).

Concorrência desleal

“Não é só naquela região que tem problema, e também não é só na tomaticultura”, diz o dono da Tomates Mallmann, José Nelson Mallmann, que produz no Ribeira e em outros polos. Segundo relata, no cultivo de hortaliças e frutas em geral há quem aposte em más práticas para rebaixar os custos.

“Tem cara que não fornece EPI [equipamento de proteção individual] para os trabalhadores, pulveriza com produto químico baratinho que mata passarinho, mata minhoca. A gente, que é formal, sofre com a concorrência desleal”. A empresa faz parte do Grupo Vegetais Saudáveis, iniciativa com mais dez integrantes.

“Em todos os segmentos, tem gente que faz bem feito, mas uma minoria que pode prejudicar”, pondera o presidente da Trebeschi, Edson Trebeschi. “São duas realidades. Buscamos certificações internacionais para comprovar um produto do bem. Produzir dentro da forma correta não é nada mais que nossa obrigação, mas, quando chega à gôndola, nosso tomate enfrenta concorrentes com custo de produção bem mais baixo”. Ele avalia que os supermercados podem ajudar “a separar o joio do trigo”.

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