JBS lidera ranking de irregularidades na compra de gado ou carne no Pará, aponta MPF

Auditoria do MPF do Pará que monitora o TAC da Carne aponta que 300.913 cabeças de gado da JBS tiveram "procedência duvidosa". A empresa reclamou da metodologia da análise, mas anunciou novos investimentos em sustentabilidade.
Por Catarina Barbosa
 08/10/2021


O Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) divulgou os dados do terceiro ciclo do TAC da Pecuária, auditoria que acompanha a cadeia produtiva da carne com o objetivo de rastrear a origem dos animais abatidos e, por consequência, coibir o desmatamento ilegal da floresta. Nesta edição, a JBS foi a empresa que mais apresentou inconformidades, de 31,99% no total de negociações entre janeiro de 2018 e junho de 2019. Na auditoria anterior, o nível de irregularidades havia ficado em 8,30%.

Desde 2009, o MPF-PA monitora a cadeia produtiva e acompanha, além do desmatamento ilegal, irregularidades que envolvem desde ausência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) até licença ambiental rural vencida. Segundo os novos dados, 300.913 cabeças de gado da JBS tiveram “procedência duvidosa”. Entre as inconformidades mais frequentes, estão: o desmatamento detectado pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), problemas na licença ambiental rural, sobretudo em propriedades com mais de três mil hectares, e embargos do Ibama.

A JBS reclamou da metodologia da auditoria, em particular do marco temporal a partir do qual, pelo acordo, as empresas não podem comprar carne de áreas desmatadas. Ao MPF, a empresa manifestou “sua discordância quanto à aplicação da base Prodes 2008″.

No entendimento da maior produtora de proteína animal do mundo, os problemas são: “a inserção da expressão ‘Prodes 2009’ no protocolo de monitoramento da pecuária com a concordância do MPF no texto; a não utilização da base ‘Prodes 2008’ nas auditorias anteriores; e o fato de que o ‘Prodes 2008’ não deveria conter dados de desmatamento após 1º de agosto de 2008, não tendo a JBS recebido nenhuma comunicação formal sobre a existência de dados residuais no Prodes 2008 relativos a período posterior”.

Demais empresas

O procurador do Ministério Público Federal (MPF-PA) Daniel Azeredo fez uma pausa na apresentação dos dados para detalhar a argumentação da JBS. Segundo ele, o TAC e seus documentos complementares “exigem que não sejam compradas cabeças de gado de propriedades com desmatamento ilegal acima de 6,25 hectares ocorrido a partir de 1º de agosto de 2008”.

Na avaliação do procurador, a “confusão” ocorreu porque a JBS “deixou de considerar dados de desmatamentos ocorridos a partir de 1º de agosto de 2008, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Prodes 2008”. “O TAC sempre deixou clara a inviabilidade de compras quando houvesse desmatamento a partir de agosto de 2008, e não se verificou objeção de nenhuma outra empresa em relação a esse critério”, acrescentou.

A JBS entrou em contato com o Ministério Público Federal e se comprometeu a adotar uma série de mudanças de procedimentos internos, entre elas, duplicar o sistema de auditoria. No entanto, o procurador reforça que essa é decisão da empresa, não uma recomendação do MPF. Além disso, a empresa vai fornecer cinco milhões de reais ao governo do Estado do Pará para que sejam realizadas melhorias e investimentos nos processos de rastreamento da cadeia produtiva do gado.

No histórico de irregularidades das auditorias, os percentuais da JBS são os seguintes: 19,10%, 8,30% e 31,99% em 2018, 2019 e 2020, respectivamente. Em segundo lugar, aparece a Matadouro Planalto, que também teve aumento de 12,10% para 31,12%, e em terceiro a ForteFrigo, de 15,27% para 18,67%. A relação do desmatamento com a pecuária é feita porque o processo de queimada é empregado em atividades agrícolas para limpar o terreno e, no caso da atividade, serve para “abrir espaço para o gado”.

Aumento de produtividade e inconformidades

Na auditoria 2020, o total de animais comercializados para abate/exportação foi de 5.857.602 cabeças de gado, sendo que 69% foram auditados e 31%, não. “Atualmente, temos 42 empresas signatárias do TAC. Dessas, 16 fizeram auditoria, 11 não fizeram, e 15 foram dispensadas porque não tiveram movimentação relevante. Consideramos como movimentação relevante as empresas que movimentaram mais de sete mil cabeças de gado em um ano. Não significa que elas não precisam seguir as recomendações do TAC, mas pelo volume não justifica que elas participem do processo de auditoria com as demais”, explica o procurador Daniel Azeredo.

Em números, foram 4.018.115 animais auditados de 16 empresas do ramo e 31% não, o que representa 1.839.487. Já o total com inconformidades é de 376.812, sendo que 300.913 são da JBS. Na primeira edição realizada pelo órgão, quando foram analisados dados de 2016, o índice de irregularidades foi de 22% entre as empresas auditadas. Na segunda, com análise de dados de 2017 e divulgação em 2019, houve redução das irregularidades para 6,3% dos animais abatidos no Pará. 

Entre a segunda e esta terceira edição, a quantidade de animais fiscalizados mais do que dobrou, saltando de 2,2 milhões para 5,8 milhões. No entanto, as irregularidades também aumentaram, passando de 137 mil para 376.812.

Para o procurador Daniel Azeredo, a fiscalização mostra resultados sólidos na redução do desmatamento. “Eu não tenho dúvida nenhuma de que se a gente não tivesse esses acordos setoriais com a pecuária, com grãos, o desmatamento na Amazônia estaria muito maior do que está hoje, em um patamar de 25 mil quilômetros quadrados por ano”. 

No entanto, os desafios se mantêm. São eles: os fornecedores indiretos, a “lavagem de gado” e o Cadastro Ambiental Rural. “As empresas monitoram quem vende para elas diretamente, mas essas fazendas compram de outras, que podem ter desmatamento, e isso ainda não tem um controle. Outro ponto é o caso de uma empresa irregular, que transfere o gado de maneira fictícia para outra regular, que por fim, vende para o frigorífico, isso também contamina a cadeia. E o próprio Cadastro Ambiental Rural (CAR), que ainda não é válido com qualidade, porque há muitos cadastros falsos”, afirma. 

“Nosso objetivo é afirmar com 100% de certeza ou algo próximo a isso que não há desmatamento, não há trabalho escravo, não há invasão de terra indígena na produção e no fornecimento das empresas que participam desse processo, e que vendemos gado e grãos sem desmatamento, sem trabalho escravo. No entanto, ainda temos três grandes desafios que ainda não conseguimos resolver: a questão do fornecedor indireto, a lavagem de gado e o Cadastro Ambiental Rural”. Ainda segundo o procurador, o processo só será otimizado quando for possível fazer a rastreabilidade do gado desde o nascimento.

Assim como aconteceu em 2018 e 2019, o MPF decidiu não aplicar multas às empresas que descumpriram o TAC da Pecuária. O procurador do MPF-PA Ricardo Negrini explicou  que o objetivo é conscientizar os frigoríficos de que o melhor caminho é a produção livre de desmatamento. Para isso, o MPF está ampliando os mecanismos dentro do TAC, e um deles é a cobrança de informações precisas do fornecedor indireto.

“Em algum momento será criado um cronograma para cobrar que a compra de fornecedor indireto não seja mais uma compra válida. Hoje é falta de informação, mas temos cada vez mais ferramentas, inclusive, para os frigoríficos, e estamos próximos de iniciar isso”.

Nota divulgada pela JBS

“A despeito de o resultado da auditoria ter sido impactado por uma mudança recente de critério adotado pelo MPF, a JBS entende ser importante adotar medidas adicionais para reforçar seu trabalho de due diligence no estado. Portanto, anuncia nesta quinta-feira (7) um conjunto de ações com o objetivo de reforçar a sustentabilidade da cadeia de fornecimento de bovinos no Pará e ampliar a adoção de boas práticas por toda a indústria. Os investimentos somam R$ 5 milhões. 

Em comum acordo com o MPF, os recursos serão destinados a um conjunto de iniciativas no Estado, entre eles o projeto CAR 2.0, desenvolvido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas/PA) com o objetivo de automatizar e acelerar a análise e verificação do Cadastro Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental no Estado.   

A companhia também ampliou os Escritórios Verdes no Pará, duplicando as operações e chegando a quatro unidades no Estado. Os Escritórios Verdes da JBS oferecem apoio gratuito para a regularização ambiental de propriedades rurais. Ainda como parte das ações anunciadas, os escritórios passarão a atuar na regularização fundiária nas propriedades dos fornecedores no Estado do Pará.    

Reforçando a avaliação dos critérios de sustentabilidade, a JBS se comprometeu a realizar auditoria de 100% das compras de gado no Pará.    

Como forma de ampliar a adoção de critérios socioambientais para todos os elos cadeia produtiva, a JBS também vai reforçar ações para estimular a adesão de pecuaristas à Plataforma Pecuária Transparente, que permite aos produtores analisar sua cadeia de fornecimento com os mesmos critérios adotados pela JBS, de maneira segura e confidencial graças à utilização da tecnologia blockchain.    

Com relação aos resultados da auditoria do TAC do Pará para o ano de 2018 e o primeiro semestre de 2019, a JBS esclarece que os resultados decorrem, principalmente, de imprecisões nas definições dos critérios de monitoramento e nas bases de dados utilizadas como referência no processo de auditoria.”


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