29 de novembro de 2021
1. Os dados do Sisagua de 2018 a 2020 mostram que 33% das águas das cidades brasileiras têm ao menos uma detecção de produtos secundários de desinfecção acima do Volume Máximo Permitido (VMP) pela Portaria do Ministério da Saúde. Como o Ministério da Saúde acompanha esses dados e quais medidas foram tomadas?
O alcance dos objetivos propostos para o Vigiagua, bem como a própria alimentação do Sisagua, depende da efetiva articulação entre as áreas de atuação do SUS, nas três esferas – Federal, Estadual e Municipal, e destas com os demais setores que possuem competências relacionadas ao abastecimento de água para consumo humano, como por exemplo o setor saneamento e o de recursos hídricos.
No nível Federal importa destacar, além da própria disponibilização do Sisagua, os esforços dedicados à análise, disponibilização e divulgação dos dados de qualidade da água. O Ministério da Saúde está construindo painéis públicos de informações, com o propósito de fornecer informações sobre a qualidade da água para consumo humano de forma ágil, possibilitando, assim, uma atuação mais oportuna da vigilância. No portal da Sala de Apoio à Gestão Estratégica – SAGE (https://portalsage.saude.gov.br/#) estão disponíveis os painéis já elaborados que abordam os parâmetros monitorados semestralmente pelos responsáveis pelo abastecimento de água e os parâmetros básicos monitorados pelo Setor Saúde.
Importa esclarecer melhor o trecho “33% das águas das cidades brasileiras têm ao menos uma detecção de produtos secundários de desinfecção acima do Volume Máximo Permitido (VMP) pela Portaria do Ministério da Saúde”. A menção a “águas” passa a ideia de percentual do volume de água produzido e essa parece não ser a análise realizada. Embora no Sisagua constem dados de vazão e período de operação, a estimativa do volume tratado estaria associada à pressuposição da manutenção da concentração de modo contínuo, o que normalmente não representa a realidade, tendo em vista a frequência das análises de subprodutos da desinfecção.
Os dados das análises de substâncias químicas inseridos no Sisagua possuem atributos geográficos, de identificação dos sistemas e soluções alternativas coletivas de abastecimento de água, identificação das instituições responsáveis pelo abastecimento, das estações de tratamento de água e sobre as análises em si. A avaliação da ocorrência de qualquer substância cujo monitoramento é exigido pela norma de potabilidade deve considerar, entre outros aspectos, o histórico de dados, os pontos de amostragem, a frequência de coleta e o quantitativo mínimo de amostras definidos, o número de amostras efetivamente coletadas, a população exposta, eventuais análises extras.
Especificamente sobre subprodutos da desinfecção, a norma orienta ainda que as amostras sejam coletadas em pontos de maior tempo de detenção da água no sistema de distribuição, pretendendo identificar o pior cenário de exposição, uma vez que a formação dessas substâncias continua a ocorrer durante a distribuição.
2. Quais providências devem ser tomadas pelas companhias de distribuição e abastecimento quando uma substância é detectada acima do VMP?
Primeiramente, cabe mencionar que as ações a serem desenvolvidas podem variar em função da substância identificada. Tendo em vista que a contextualização inicial gira em torno dos parâmetros produtos secundários da desinfecção, estes serão os parâmetros considerados na análise específica.
A norma de potabilidade estabelece de maneira clara as competências relacionadas à vigilância da qualidade da água para consumo humano para os três níveis de governo e para os responsáveis pelo abastecimento de água.
A avaliação do atendimento ao padrão de potabilidade para substâncias químicas deve ser baseada no histórico de dados, com vistas à avaliação de riscos à saúde. Resultados pontuais não devem ser interpretados como cenário que possa, por exemplo, motivar a interrupção do fornecimento de água. Entretanto, a observação de violações ao padrão deve ser interpretada como um evento perigoso e desencadear uma investigação a fim de identificar a causa, bem como a adoção de medidas corretivas.
Em conformidade com a norma de potabilidade, compete ao responsável por sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água comunicar imediatamente à autoridade de saúde pública municipal e informar à população abastecida, em linguagem clara e acessível, a detecção de situações de risco à saúde ocasionadas por anomalia operacional ou por não conformidade na qualidade da água, bem como as medidas adotadas.
Sempre que forem identificadas situações de risco à saúde, os responsáveis pelo SAA ou SAC e as autoridades de saúde pública devem, em conjunto, elaborar um plano de ação e tomar as medidas cabíveis, incluindo a eficaz comunicação à população, sem prejuízo das providências imediatas para a correção das não conformidades.
Ao encontrar valores acima do padrão de potabilidade (acima do VMP) ou até mesmo a presença constante das substâncias na água de algum sistema ou solução alternativa de abastecimento de água para consumo humano, os responsáveis pelo abastecimento de água devem adotar medidas para reduzir a formação dessas substâncias ou incluir etapa de tratamento para remoção desses compostos, sem perder de vista que a formação dos subprodutos pode acontecer no sistema de distribuição.
Ressalta-se que, segundo orientações constantes nas Diretrizes de Qualidade da Água para Consumo Humano da Organização Mundial de Saúde, a eficiência do processo de desinfecção não deve ser comprometida na tentativa de atender aos valores máximos permitidos (VMP) para os produtos secundários da desinfecção, incluindo subprodutos de cloração, ou na tentativa de reduzir as concentrações dessas substâncias.
Ainda, no que diz respeito aos responsáveis pelos sistemas ou soluções alternativas coletivas de abastecimento de água para consumo humano, vale lembrar a importância de se desenvolver Planos de Segurança da Água (PSA), os quais permitem gerenciar os riscos de toda a cadeia do abastecimento de água, incluindo a avaliação e otimização das unidades de tratamento, avaliação do potencial de formação de subprodutos da desinfecção e de eventual substituição do agente desinfetante.
3. Quais providências devem ser tomadas pelas companhias de distribuição e abastecimento quando uma substância é detectada acima do VMP por 3 anos consecutivos?
A resposta a essa pergunta está contemplada em maiores detalhes no item 2. Mas vale ressaltar que a ocorrência sistemática de violações ao padrão de potabilidade evidencia a necessidade de investigação sobre as causas do problema e implementação de medidas corretivas para redução ou minimização da formação de subprodutos da desinfecção, que podem envolver a otimização da estação de tratamento para remoção de compostos precursores ou a substituição do agente desinfetante.
De forma complementar, destaca-se a necessária atuação da vigilância em saúde local com vistas a realizar análise de situação de saúde e orientar a adoção de medidas de controle ou de ações corretivas, além de eventuais autuações. Uma possível alternativa é a implementação de Planos de Segurança da Água (PSA).
4. O que pode estar ocasionando o aparecimento dessas substâncias na água do país? Qual a responsabilidade das companhias de distribuição e abastecimento?
Basicamente todos os produtos utilizados como agentes desinfetantes no tratamento de água para consumo humano tem potencial de produzir algum tipo de produto secundário. O tipo de subproduto e a sua concentração na água tratada varia essencialmente em função do desinfetante utilizado e da dose aplicada, das características da água, do tempo de contato e de fatores ambientais como pH e temperatura.
No Brasil, o processo mais utilizado para desinfecção da água é por meio da aplicação de produtos à base de cloro, em função, entre outros, do custo, do seu potencial de inativação de microrganismos, do risco relativamente baixo à saúde humana, de não conferir gosto e odor à água nas concentrações normalmente aplicadas e do potencial de manutenção de residuais estáveis. Contudo, a reação do cloro residual livre com alguns compostos orgânicos naturais presentes na água pode resultar na formação de subprodutos capazes de causar efeitos adversos à saúde humana. Os trialometanos e os ácidos haloacéticos são os principais subprodutos formados.
As reações de formação dos subprodutos podem acontecer na estação de tratamento ou no sistema de distribuição. Dessa forma, o controle da formação de subprodutos depende, essencialmente, do controle da concentração de compostos precursores, principalmente por meio de processos de clarificação da água, e do controle rigoroso da dosagem de desinfetante ou oxidante.
5. Há um uso exagerado de cloro pelas companhias de distribuição e abastecimento do país? Por que?
Embora seja uma possível explicação para a formação de subprodutos da desinfecção, imagina-se que esse não seja o principal motivo. De fato, não são raros relatos de sistemas ou soluções de abastecimento de água que não executam um rigoroso controle da dosagem de cloro, no entanto o histórico de violações para esse parâmetro está mais relacionado à ausência do residual mínimo preconizado na norma do que por valores elevados. Além disso, um uso “exagerado” está diretamente associado a despesas desnecessárias com a aquisição de insumos.
Embora seja necessária uma avaliação específica para cada caso, imagina-se que essa seja a causa mais provável, ou de maior peso, para as violações ao padrão de potabilidade para subprodutos da desinfecção. Contribui para isso o fato de muitas estações de tratamento de água não serem capazes de uma clarificação efetiva, em função de ausência de manutenção, controle operacional precário, operação em sobrecarga, entre outros possíveis motivos.
6. Cidades como São Paulo, Salvador e Guarulhos apresentaram Trihalometanos e Ácidos haloacéticos acima do limite permitido por 3 anos consecutivos. O Ministério da Saúde tomou alguma ação ou está em diálogo com as empresas que enviaram esses dados?
A atuação da vigilância da qualidade da água para consumo humano segue os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), desse modo a atuação direta sobre esse tema é da Secretaria Municipal de Saúde, com eventual apoio da Secretaria de Estado de Saúde, ou do Ministério da Saúde, quando solicitado pela Secretaria Estadual. Cabe destacar algumas ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde no âmbito da temática exposta. Em 2021 foi publicada a nova norma de potabilidade, propondo a avaliação integral da qualidade da água, considerando os riscos dos fatores ambientais, desde o manancial até a distribuição e os princípios de boas práticas e múltiplas barreiras. Com relação ao tema subprodutos da desinfecção, cabe informar que a revisão da norma ampliou as exigências de monitoramento desses parâmetros no sistema de distribuição. Essa ampliação reflete a preocupação com a necessidade de melhor caracterização das águas de abastecimento público quanto a ocorrência dessas substâncias.
No que diz respeito ao monitoramento da qualidade da água realizado pela vigilância, o Ministério da Saúde está investindo na estruturação de laboratórios de referência para atendimento integral à norma de potabilidade. Dessa forma, os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) contarão com estrutura laboratorial suficiente para aferir o monitoramento realizado pelos responsáveis pelo abastecimento, bem como para realização de investigação específica.
Além disso, o Ministério da Saúde acompanha indicadores sobre a cobertura das ações e serviços de vigilância da qualidade da água para consumo humano e sobre a qualidade da água em uma perspectiva ampliada de gestão de riscos e da segurança da água para consumo humano, em nível nacional, visando apoiar estados e municípios em ações de rotina e em eventos de saúde pública.
Cabe lembrar que a formação de subprodutos da desinfecção é influenciada, entre outros fatores, pelo tempo de contato, que por sua vez, está relacionado ao comprimento do sistema de distribuição. Desse modo, embora a identificação de valores acima do valor máximo permitido (VMP) constitua uma violação do padrão de potabilidade, a análise do cenário de risco deve ser realizada considerando as especificidades do sistema ou solução de abastecimento de água onde foram identificadas as não conformidades.
Sobre a ocorrência de subprodutos da desinfecção nos municípios mencionados na pergunta, o Ministério da Saúde não recebeu demanda relacionada. O questionamento deve ser enviado às respectivas secretarias municipais e estaduais de saúde.
7. Qual a recomendação para as empresas que apresentam resultados de testes com produtos secundários de desinfecção acima da VMP por 3 anos seguidos?
Questão similar ao item 3.
8. Durante esse período, 9 cidades brasileiras apresentaram 2, 4, 6 Triclorofenol acima do VMP permitido, substância classificada como provavelmente cancerígena pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Qual a recomendação do Ministério da Saúde sobre sistemas de alerta e ações que devem ser tomadas para reverter o problema?
Mencionado nos itens 2 e 3.
A Política Nacional de Vigilância em Saúde tem como diretriz a atuação na gestão de risco por meio de estratégias para identificação, planejamento, intervenção, regulação, comunicação, monitoramento de riscos, doenças e agravos. Além disso, as estratégias para organização da Vigilância em Saúde devem contemplar a comunicação, que desempenha as seguintes funções:
a) o alerta de risco sanitário, que consiste na divulgação de informações sobre a ocorrência de eventos com potencial de risco à saúde, com detalhada descrição da situação, de cuidados e medidas necessários à redução ou eliminação do risco. Pode ser direcionada a determinados grupos populacionais ou à população em geral. Objetiva a mudança imediata de comportamentos individuais ou a implementação de medidas de caráter coletivo. Exige a utilização de diferentes veículos de comunicação de forma a atingir, em tempo oportuno, o público-alvo.
b) a comunicação do risco, que consiste em um processo interativo de troca de informação e opiniões entre indivíduos, grupos e instituições, relativa a acontecimentos ou situações que ameaçam a saúde humana ou a segurança dos indivíduos ou das comunidades. Deve ser oportuno e transparente na veiculação de informação veiculada no decurso do processo de comunicação do risco em saúde, no que se refere à natureza, magnitude, significância e medidas de controle do risco.
c) a disponibilização de material técnico-científico, voltado para a disseminação do conhecimento, de dados, informações, normativas, com o objetivo de aperfeiçoamento das ações voltadas para a Vigilância em Saúde. Deve ser uma ação de rotina, sempre atualizada, dirigida para públicos específicos e utilizando os meios mais adequados para alcançar sua finalidade.
d) a mobilização social, por meio da disseminação de informações, dados, análise de situação de saúde, entre outras ações, com o objetivo de possibilitar a ampliação do comprometimento da população com a eliminação ou redução dos riscos à saúde.
9. Muitas cidades não enviam os dados ao Sisagua, e especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que o monitoramento pode piorar com a privatização da rede de distribuição. Como o Ministério da Saúde atua para que esse monitoramento seja aprimorado?
O alcance dos objetivos propostos para o Vigiagua, bem como a própria alimentação do Sisagua, depende da efetiva articulação entre as áreas de atuação do SUS, nas três esferas, e destas com os demais setores que possuem competências relacionadas ao abastecimento de água para consumo humano, como por exemplo o setor saneamento e o de recursos hídricos.
A inserção dos dados no Sisagua pode ser realizada tanto pelos profissionais do setor saúde, especialmente a nível de município, quanto pelos técnicos da instituição responsável pela prestação do serviço de abastecimento de água, seja manualmente ou de forma automatizada, mediante o uso de um serviço web disponibilizado pelo Sisagua.
No entanto, não se pode negligenciar a ausência de dados referentes a parâmetros cujo monitoramento é obrigatório por Norma. Historicamente este Ministério tem atuado em conjunto com as Secretarias de Estado de Saúde no intuito de ampliar a cobertura dos municípios com dados no Sisagua.
Nesse contexto estão sendo implementadas estratégias para ampliação do monitoramento, incluindo comunicação às secretarias estaduais e municipais de saúde com vistas a notificar os responsáveis pelo abastecimento sobre a necessidade de realização de análises e de inserção dos resultados no Sisagua e a articulação com a Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública (CGLAB) para ampliação da capacidade laboratorial do SUS
14 de abril de 2022
O Ministério da Saúde mantém o acompanhamento dos dados sobre qualidade da água em nível nacional e que as competências relativas à água para consumo humano também compete às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, refletindo a descentralização adotada no SUS.
Cabe esclarecer que os dados mencionados pela reportagem são referentes ao período de vigência da norma de potabilidade anterior à atualização ocorrida em 2021 pelas portarias MS nº 888/2021 e MS nº 2.472/2021. Por fim, cabe lembrar que a norma assegura ao consumidor o acesso aos resultados dos parâmetros de qualidade de água para consumo humano estabelecidos pelo Ministério da Saúde. E diz ainda que o consumidor deverá ser informado caso não sejam realizadas as análises dos parâmetros referidos.
Conforme o decreto 5.440/2005, os responsáveis pelos sistemas de abastecimento devem disponibilizar, em postos de atendimento, informações completas e atualizadas sobre as características da água distribuída.