Ruralista, novo presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara tem histórico antiambiental

Covatti Filho foi secretário de Agricultura do Rio Grande do Sul no período em que foram derrubadas leis de proteção pioneiras; filho de políticos, deputado recebeu financiamento do agronegócio para se eleger
Gil Alessi e Naira Hofmeister
 10/05/2022
O deputado Covatti Filho após ser eleito presidente da Comissão do Meio Ambiente na Câmara. (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Foram apenas vinte minutos, tempo de duração da primeira reunião de trabalho da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal em 2022, mas o deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS) já deu uma demonstração do que colegas e cidadãos podem esperar de seu mandato como novo presidente do colegiado.

Depois de retirar da pauta cinco projetos de lei e conceder vistas ao sexto item previsto para apreciação na tarde da terça-feira, 3 de maio, Covatti Filho, como é mais conhecido, acatou pedido do colega Coronel Chrisóstomo (PSL-RO) e o nomeou relator do PL 11.133/2018, que amplia a área de inundação do complexo hidrelétrico do Rio Madeira para expandir a capacidade produtiva de suas usinas. O projeto não estava na pauta da reunião.

Se aprovado, o reservatório de Jirau e Santo Antônio vai deixar debaixo d’água mais um pedaço do Parque Nacional do Mapinguari, que fica entre os rios Madeira e Purus – uma área da Amazônia ainda pouco estudada pela ciência, situada nos Estados de Rondônia e Amazonas.

“Muitas vezes a gente dá sorte pela eficiência”, justificou Covatti Filho ao nomear o novo relator do projeto e encerrar definitivamente os trabalhos, sem aguardar a manifestação de seus colegas de comissão.

Coronel Chrisóstomo foi apontado como principal aliado, em Brasília, de grileiros de Rondônia – à BBC, que apurou o caso, o deputado admitiu ter ajudado um grupo acusado de invadir terras indígenas no Estado a se reunir com autoridades, mas disse que desconhecia seu histórico de grilagem.

Em seu segundo mandato como deputado federal, Covatti Filho construiu uma trajetória política ligada ao agronegócio no Rio Grande do Sul, onde ocupou a cadeira de secretário da Agricultura e ajudou no desmonte de legislações pioneiras de proteção ao meio ambiente. Financiado por ruralistas, o parlamentar assume o novo cargo com uma missão: “contribuir com uma das minhas principais bandeiras como deputado federal, a produção rural”, conforme publicou em sua conta do Instagram.

Ele sucede Carla Zambelli (PSL-SP) no comando da Comissão de Meio Ambiente. “Nas mãos dele podemos esperar que a comissão sirva para acelerar retrocessos ou como palanque para ruralistas”, lamenta Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Ele claramente chegou lá por indicação do agronegócio, não vai fazer uma mediação dos exageros [dos projetos de lei]”, complementa.

“Temos um representante do agronegócio exportador e dos interesses das multinacionais do veneno comandando uma comissão que deveria ter como prioridade defender o ambiente natural e a vida em primeiro lugar”, concorda Heverton Lacerda, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).

O deputado sabe que não conta com a simpatia de ambientalistas, mas contemporiza: “Obviamente vamos ter alguns embates, mas essa presidência sempre vai ser pela construção”, disse logo após confirmar sua eleição como presidente.

Sob a batuta de Covatti Filho, a Comissão de Meio Ambiente deve analisar ainda este ano alguns projetos sensíveis, como o PL 571/2022, que dá ao presidente da República poderes para autorizar a mineração em terra indígenas – antiga vontade de Jair Bolsonaro, que faz acenos frequentes a garimpeiros e mineradoras. A proposta ganhou força com a ameaça de escassez de fertilizantes em função do conflito na Ucrânia e a possibilidade de obter o potássio usado em sua fabricação nas jazidas brasileiras – embora pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais já tenham demonstrado que as reservas de potássio nacionais estão, em sua maioria, fora dos limites de territórios indígenas.

A liberação da caça esportiva também deve ser votada na Comissão (PL 3384/2021 e PL 5544/2020), ao lado de outros temas delicados, como a proibição do plantio e comercialização de trigo transgênico no Brasil (PL 2755/2021) e a redução da área da Reserva Extrativista Prainha do Canto Verde, em Beberibe, Ceará (PL 4245/2019).

A oposição tem poucas chances de brecar qualquer ímpeto antiambiental, já que atualmente o colegiado conta com 18 parlamentares, a maioria integrante da base de apoio do presidente Bolsonaro. “Desde o início da legislatura em 2019 a composição é da situação, conseguimos no máximo seis ou sete votos dependendo da pauta, mas eles têm maioria para fazer o que quiserem”, confirma o deputado Nilson Tatto (PT-SP).

A reportagem tentou, sem sucesso, contato com o Covatti Filho em seu gabinete para ouvir sua opinião sobre os temas do ano para a comissão, mas ele não retornou as ligações e mensagens.

O deputado visita a região de Capão do Leão (RS).

Trajetória anti ambiental

Prestes a completar 35 anos, Covatti Filho se elegeu deputado federal pela primeira vez em 2014. Em 2018 voltou a conquistar a vaga na Câmara Federal, mas licenciou-se do cargo para assumir a Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, onde permaneceu até 2021 – com cinco intervalos nos quais voltou a Brasília para participar de votações no Congresso Nacional.

Seu período à frente da pasta que representa o agronegócio gaúcho foi marcado pela derrubada de legislações pioneiras de proteção ao meio ambiente, promovida pelo governo de Eduardo Leite (PSDB).

Em junho de 2021, a Assembleia Legislativa gaúcha aprovou, em regime de urgência, um projeto de lei do Poder Executivo que liberou no Estado o uso de agrotóxicos importados banidos em seus países de origem. O tema era especialmente caro ao movimento ambientalista do Rio Grande do Sul, pois havia sido uma conquista da aprovação da Lei Estadual dos Agrotóxicos de 1982, a primeira deste tipo no Brasil.

“Tal proibição deve-se aos perigos que [esses agrotóxicos] representam para a população e ao meio ambiente”, alertaram os ecologistas da Agapan, uma das mais antigas entidades ambientalistas do Brasil.

Quem acompanhou os bastidores diz que Covatti se empenhou pessoalmente em defesa da mudança no Rio Grande do Sul.

Em 2015, ele já havia se notabilizado, na Câmara Federal, como autor de um projeto de lei que flexibilizava nacionalmente o uso de agrotóxicos no país. “A Lei de Agrotóxicos deve ser repensada e reformulada”, defendeu, na época, o deputado, que optou por usar os termos “defensivos fitossanitários” e “produtos de controle ambiental” para se referir aos químicos. A iniciativa foi engavetada depois que um projeto semelhante, batizado de PL do Veneno e de autoria do ex-ministro e ex-senador Blairo Maggi, foi aprovado em fevereiro deste ano – com o voto favorável de Covatti Filho. A matéria agora aguarda votação no Senado.

Ainda durante sua gestão como secretário de Agricultura, o governo Eduardo Leite (PSDB) apresentou o polêmico projeto de um novo código ambiental, que alterava cerca de 500 pontos da legislação anterior.

Embora também fosse pioneira no Brasil, a norma tramitou em regime de urgência na Assembleia Legislativa, sendo aprovada sem passar por comissões e após apenas uma audiência pública.

Um dos pontos do novo código mais criticado por entidades ligadas à preservação do meio ambiente diz respeito ao autolicenciamento ambiental: em alguns casos, basta que o interessado preencha um formulário online, sem necessidade de apresentar laudos técnicos ou outros documentos específicos. Na prática o Estado confia apenas na boa fé do empreendedor para conceder o documento em um prazo de até 48 horas.

O teor do novo código desagradou até mesmo setores do agronegócio. O então presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja- RS), Luis Fernando Marasca Fucks, criticou publicamente o novo código ambiental por desconsiderar questões relevantes como o aquecimento global, além de não detalhar parâmetros que aumentem a eficácia da fiscalização.

Fucks foi um dos doadores de campanha de Covatti Filho em 2014. Ofereceu R$ 31,5 mil à sua candidatura, ao lado da Cooperativa dos Plantadores de Cana do Oeste do Estado de São Paulo (R$ 30 mil) e da CMPC Celulose Riograndense (R$ 15 mil), que planta eucalipto.

Na eleição de 2018, em que já estavam proibidas doações de empresas, um dos maiores doadores privados foi Canisio Froelich (R$ 50 mil), da família produtora de algodão (e também soja e milho) do Mato Grosso. Em 2011 a fazenda Bandeirantes III, de propriedade dele e do irmão, Romeu Froelich, foi multada pelo Ibama em R$ 4,1 milhões por destruir 826 hectares de floresta amazônica. A área chegou a ser embargada por alguns meses. Além desse caso, Romeu coleciona multas ambientais que superam R$ 25 milhões, emitidas entre 2011 e 2013. Procurado pela reportagem, Romeu afirmou que os irmãos não iriam se manifestar.

No último pleito, o campeão de doações para Covatti Filho foi José Isaac Peres (R$ 60 mil), dono de uma das maiores redes de shoppings centers do Brasil, a Multiplan. Em 2014 o deputado também recebeu o apoio de um importante empreendimento: o grupo Zaffari, de supermercados e shoppings centers do Rio Grande do Sul, que doou R$ 25 mil.

Bancada dos parentes

A agenda antiambiental de Covatti Filho é uma das heranças que ele recebeu do pai, o ex-deputado estadual e federal Vilson Covatti (PP-RS), que teve uma atuação marcada por defender a flexibilização da legislação existente e retrocessos na área.

Ele foi voto vencido, por exemplo, em uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em outubro de 2011 que aprovou a proibição da aplicação aérea do agrotóxico 2,4-D, produto considerado cancerígeno e de alta toxicidade. “A simples proibição do 2,4-D não vai resolver, porque o problema decorre do descumprimento das normas de sua aplicação, e não do instrumento ou do produto”, disse à época o então parlamentar. Procurado pela reportagem, ele manteve as críticas à suspensão do uso do produto, mas fez uma ressalva:”Ele é indispensável à produção, mas também é indispensável seu manejo correto”.

Ao longo de seus mandatos, Vilson Covatti também se mostrou contrário à demarcação de áreas indígenas e quilombolas. Em maio de 2013 ele afirmou, durante debates em uma comissão da Câmara: “no que depender de mim, demarcação de área quilombola ou indígena só [será feita] se passar por cima do meu cadáver”. Ele disse ainda que, em alguns casos, “os índios lá [nestas áreas] foram implantados para vender seu artesanato”.

À Repórter Brasil ele afirmou que a declaração foi dada tendo como foco uma comunidade específica no Rio Grande do Sul e que não exprime sua opinião sobre o assunto de forma geral. “Sou pela legalidade, não somos contra ninguém”, afirmou.

A mãe de Covatti Filho, Silvana Covatti (PP-RS), também entrou para a política. Como deputada estadual no Rio Grande do Sul, ela ajudou a aprovar, com seu voto, as mudanças nas leis ambientais do Estado.

“O histórico da família Covatti, totalmente ligado ao agronegócio, é outra certidão de desabono ao cargo de presidente da comissão para Covatti Filho”, acrescenta Lacerda, da Agapan.

Foi para abrir espaço para o filho que Covatti pai deixou a política, em 2015 – o que faz do atual presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal um integrante da “bancada dos parentes”, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

Embora afastado de cargos públicos, Vilson Covatti segue atuante. Em 2021, ele foi o pivô de uma denúncia que levou ao afastamento do filho do cargo da Secretaria de Agricultura. Segundo reportagem do jornal GaúchaZH, enquanto estava licenciado do parlamento, Covatti Filho manteve um escritório na capital gaúcha para que seu pai fizesse relações políticas. As contas do escritório foram pagas com a cota parlamentar do suplente de seu filho em Brasília, Ronaldo Santini (PTB-RS), mas o próprio gabinete de Santini confirmou que não havia endereço do mandato em Porto Alegre. No local, quem dava expediente era o patriarca do clã Covatti.

À reportagem, Covatti contradisse Santini e afirmou que “o gabinete é parlamentar: foi meu, depois do meu filho e depois do suplente”. Ele confirmou, no entanto, que ocasionalmente frequenta o local.

O cacique sempre teve apreço pela família. Em 2008, após o Supremo Tribunal Federal proibir a prática do nepotismo no Legislativo, o então deputado federal exonerou dois cunhados que trabalhavam em seu gabinete – para em seguida contratar suas esposas para substituí-los. Criticado por explorar uma brecha na lei, acabou demitindo as funcionárias. À época ele se justificou ao jornal Folha de S.Paulo: “Eu tinha dois cunhados trabalhando há 13 anos e meio comigo, altamente qualificados. Com a edição da súmula, eu os demiti e veio a possibilidade de contratar as esposas, que também são qualificadas, e a súmula não as abrange. Foi só uma intenção de preservar a qualificação do serviço público”. À Repórter Brasil Covatti afirmou que “na época era permitido [nepotismo], quando deixou de ser eles foram afastados”.

Quando Covatti Filho deixou a Secretaria da Agricultura do RS, quem assumiu o cargo foi sua mãe, Silvana Covatti. Ela deixou a pasta neste ano, a tempo de poder concorrer nas próximas eleições.

APOIE

A REPÓRTER BRASIL

Sua contribuição permite que a gente continue revelando o que muita gente faz de tudo para esconder

LEIA TAMBÉM