Governos adotam controle do setor como forma de tentar reduzir conflito na África

Estados Unidos e União Europeia passaram a cobrar transparência para impedir que mineração financie grupos armados na República Democrática do Congo, país que enfrenta o conflito mais letal desde a Segunda Guerra Mundial
Por Gisele Lobato
 25/07/2022

Os minerais começaram a ganhar importância nos conflitos pelo mundo após o fim da Guerra Fria, já que grupos armados deixaram de contar com o apoio das superpotências e tiveram que buscar fontes alternativas de recursos. Foi o caso da República Democrática do Congo (RDC), simultaneamente um dos países mais pobres do mundo e um dos mais ricos em jazidas.

A corrida pelo ouro deixa rastros de sangue na história local desde os tempos em que o território era uma propriedade pessoal do rei belga Leopoldo II. Mesmo com o início da colonização formal pela Bélgica, em 1908, o crescimento da indústria mineral congolesa foi sempre acompanhado pelas violações dos direitos humanos.

Em 1960, Bruxelas fez uma descolonização abrupta e desordenada, que levou o novo país ao caos. Foram dois golpes de Estado logo nos primeiros anos depois da independência, que resultaram na ascensão ao poder do coronel Mobutu Sese Seko – que, no contexto da Guerra Fria, tinha o apoio dos Estados Unidos.

O conflito que a RDC enfrenta hoje ainda é consequência das mais de três décadas de ditadura do coronel, período de desordem econômica que facilitou o surgimento de milícias. A Primeira Guerra do Congo derrubou Mobutu em 1997, mas não tardou para o novo governante, Laurent-Désiré Kabila, se desentender com seus antigos aliados e a violência recomeçar.  

A Segunda Guerra do Congo terminou oficialmente em 2003, mas dezenas de grupos rebeldes continuam se confrontando no interior do país. Em 2010, já se estimava em mais de 6 milhões o número de mortos pelo conflito, considerado o mais letal desde a Segunda Guerra Mundial.

A extração de minérios na RDC é majoritariamente artesanal, feita por pequenos garimpeiros que trabalham de forma independente, com tecnologia mínima. Boa parte dessas jazidas ficam no leste do país, justamente o palco dos conflitos e uma das regiões mais pobres. Estudos estimam que milícias armadas controlavam ou visitavam regularmente cerca de metade das minas, geralmente para tributar e extorquir os garimpeiros. Os minerais extraídos dali escoavam por portos da costa leste africana, onde eram trocados por armas ou exportados, perpetuando o ciclo de violência.

Foi diante desse cenário que, em julho de 2010, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei determinando que as empresas listadas nas bolsas de valores do país e que compravam estanho, tungstênio, tântalo e ouro da região da RDC verificassem a origem desses minerais e adotassem medidas para evitar o financiamento de grupos armados. A partir de 2012, uma regulamentação da lei também obrigou as companhias a publicarem relatórios anuais informando se utilizam minerais provenientes dessa região da África.

Conhecida como Dodd-Frank Act, a lei não proíbe a compra de minerais vindos das zonas de conflito, mas exige que ela se torne pública, através do envio anual de relatórios à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês). O objetivo é usar as preocupações das empresas com suas reputações para aumentar o controle sobre a origem dos minerais. A legislação americana também inspirou a Europa a adotar medida similar em 2017. 

Para facilitar o controle, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne algumas das nações mais ricas do mundo, publicou um guia para incentivar as empresas a rastrearem suas cadeias de fornecimento de minerais. 

O Brasil participou nas discussões do guia da OCDE e, ao aderir à recomendação, declarou que, embora o documento tivesse foco nos conflitos na África central, defendia que as empresas deveriam levar em consideração as decisões relevantes das Nações Unidas para “determinar se outras zonas de operação podem ser consideradas afetadas por conflitos ou áreas de alto risco”.

As medidas adotadas internacionalmente acabaram por provocar, na prática, um boicote aos minerais congoleses, sobretudo a partir de 2011, quando a Electronic Industry Citizenship Coalition (EICC), coalizão de grandes empresas de eletrônicos e alta tecnologia, anunciou que pararia de comprar de fundições incapazes de provar que seus minerais não financiavam a guerra. Isso provocou uma queda brusca nos preços de parte dos minerais, reduzindo o financiamento para as milícias. Apenas no caso do ouro os efeitos não foram sentidos, uma vez que esse produto é mais fácil de ser contrabandeado, por ter alto valor, ocupar menor volume e encontrar mercados consumidores em joalherias do Oriente Médio e do Extremo Oriente, onde as regulamentações não se aplicam.


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