A Sierra Móveis, empresa cujo proprietário defendeu golpe de Estado em um grupo de WhatsApp, exalta em seu site sua preocupação com o meio ambiente. Na internet, promete produtos com “madeira extraída de forma renovável, a partir de reflorestamento, onde cada árvore é imediatamente substituída”. Fora dela, porém, a fábrica de Luiz André Tissot compra madeira de fornecedores que desmatam ilegalmente a Amazônia, conforme mostra uma investigação exclusiva da Repórter Brasil.
O levantamento revelou ainda infrações ambientais cometidas por outro empresário pró-golpe do grupo, Marco Aurélio Raymundo, o Morongo. Ele e sua empresa Mormaii – loja de artigos esportivos que prega desenvolvimento sustentável e contato com a natureza – foram multados por desmatamento em uma área protegida em Santa Catarina.
No caso da Sierra, ao menos cinco de suas fornecedoras diretas de madeira foram autuadas por desmatamento entre 2019 e 2022, somando mais de R$ 1,5 milhão em multas, segundo dados do Ibama – sendo que 47% das infrações ambientais aconteceram na Amazônia Legal, no estado do Mato Grosso.
O estado é o maior produtor de madeira da região e, em 2020, abrigou metade da exploração madeireira na Amazônia, segundo um mapeamento feito pelo Instituto Centro de Vida (ICV). O estudo aponta ainda que a área explorada para fins madeireiros no MT foi equivalente à soma do extraído em outros seis estados da Amazônia Legal com esse tipo de atividade: Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima.
Todas as madeireiras mato-grossenses ligadas à Sierra Móveis que foram autuadas têm sede em Aripuanã, cidade que ocupa o 1º lugar entre os municípios com mais áreas exploradas legalmente no estado e que está em 4º no ranking do ICV de locais que mais desmataram de forma ilegal. Ao todo, foram 7.115 hectares de madeira extraída ilegalmente em 2020.
“As cidades no topo dos dois rankings [exploração legal e ilegal] coincidem, como o caso de Aripuanã. Isso ocorre porque há gargalos no monitoramento, o que facilita o ‘esquentamento’ da madeira fria, ilegal, já que ela acaba sendo misturada à madeira autorizada”, explica Vinicius Silgueiro, engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV.
“Houve avanços para combater a extração ilegal, mas ainda são muito frágeis as garantias de que a madeira não veio de desmatamento da Amazônia. As empresas sérias e certificadas que, de fato, conseguem garantir que a madeira foi extraída legalmente são a minoria.”
Multa de meio milhão de reais
A fornecedora da Sierra com a multa mais alta foi a A. Gomes Madeiras: R$ 501 mil. Isso porque, em 2019, a madeireira informou no sistema de monitoramento estadual a venda de mais de 3,2 mil metros cúbicos de madeira e créditos de madeiras, mas uma vistoria in loco concluiu que a empresa não existia fisicamente. Ficou constatado o envolvimento na criação de empresas fictícias para fraudar o sistema e viabilizar o desmatamento ilegal. O grupo Sierra comprou madeira da A. Gomes em 2020.
Outra empresa autuada foi a Exmad Madeiras, que recebeu uma multa de R$ 96.800 por ter em depósito mais de 320 metros cúbicos de madeiras sem licença ambiental, entre outras irregularidades. Outra companhia foi responsável sozinha por 8 das 15 infrações analisadas pela reportagem: em 2018, a SM Madeiras e Laminados foi multada, no Paraná, em mais de R$ 85 mil por transportar madeira sem documentação válida e por vender madeira de floresta nativa de três espécies sem a devida licença. O Grupo Sierra comprou da SM Madeiras em 2019.
Em resposta aos questionamentos da Repórter Brasil, a Sierra reafirmou seu compromisso ambiental, disse que “somente trabalha com madeiras de reflorestamento e manejo sustentável” e que as empresas citadas não fazem parte da sua lista atual de fornecedores. “Se no passado houve comércio com alguma empresa mencionada, ela estava regular e apta a vender. Se posteriormente foi constatada alguma irregularidade, como regra, ela foi retirada de nossa lista de fornecedores”. Confira a resposta a íntegra.
A reportagem entrou em contato com as outras empresas citadas, mas não obteve retorno.
‘Golpe nos primeiros dias’
Tissot, proprietário da Sierra, defendeu no grupo de WhatsApp que uma intervenção deveria ter ocorrido há mais tempo. “O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo. [Em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais”, escreveu.
Em 2018, a empresa foi denunciada pelo Ministério Público Federal por tentativa de coação eleitoral, por ter enviado uma carta aos funcionários manifestando preocupação com o rumo da eleição e apontando motivos para o voto em Bolsonaro. A Justiça exigiu que o grupo enviasse um novo comunicado informando que os empregados tinham direito de escolher livremente seu candidato. Além disso, deveria comunicar sobre a ilegalidade “de se realizar campanha pró ou contra determinado candidato, coagindo ou influenciando o voto de seus empregados, com abuso de poder diretivo”.
A rede de móveis de André Tissot tem 70 lojas no Brasil, além de filiais em outros países da América Latina. Dentre seus clientes, está a influenciadora e youtuber Virgínia Fonseca, uma das maiores do país. Em um contrato com a marca Sierra, ela decorou a casa com móveis da empresa diante de seus 39 milhões de seguidores no Instagram. Fonseca foi procurada pela reportagem para comentar, mas não retornou.
Área protegida
Especializada em artigos esportivos, a empresa Mormaii recebeu multas no valor total de R$ 255 mil, segundo dados do Ibama. Dentre as infrações está o desmatamento, em 2011, de 1.500 metros quadrados de Mata Atlântica em uma área de preservação permanente em Garopaba (SC), município da sede da companhia.
A infração, seguida de embargo, ocorreu na Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca – uma região que é protegida para preservar os recursos naturais do litoral, incluindo as águas por onde passam, entre junho e novembro, essa espécie de baleia.
A reportagem entrou em contato com a assessoria da Mormaii por telefone e e-mail, mas não obteve retorno.
“O desmatamento em áreas protegidas [caso da APA] é gravíssimo, pois são regiões extremamente sensíveis, com uma importância ecológica fundamental, inclusive para mitigar o aquecimento global”, afirma Luis Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
“Além da destruição causada pelo agronegócio, a Mata Atlântica sofre com a pressão causada pela expansão imobiliária. O que vemos não são grandes pontos de desmatamento, mas uma grande colcha de retalhos de pequenas áreas desmatadas.”
Guedes Pinto lembra que o bioma, além de abrigar 70% da população brasileira, concentra 80% do PIB do país. “A água e a energia elétrica que usamos vêm de rios da Mata Atlântica. E claro que as empresas também dependem desses recursos naturais. Então, elas deveriam ir além da obrigação legal de não desmatar e também restaurar o que já foi destruído.”
A Mormaii atua em mais de 50 países e é constantemente associada a ações de sustentabilidade, patrocinando eventos e lançando produtos que ressaltam essa preocupação com o meio ambiente. De acordo com o site da empresa, seu presidente, Morongo, segue “surfando e praticando vários esportes de ação”.
No grupo de WhatsApp, o empresário debochou da morte do jornalista inglês Dom Philips, que foi assassinado juntamente com o indigenista Bruno Pereira. Após outro empresário dizer [erradamente] que o jornalista não tinha autorização para estar na área indígena e criticar a fundação da qual Philips recebeu uma bolsa de financiamento para sua investigação, Morongo respondeu: “karma existe…” A reportagem do portal Metrópoles revela ainda que o empresário, que é médico de formação, disse para os colegas do WhatsApp que as vacinas eram “venenosas” e que ele tinha orgulho de sua família não ter se imunizado contra a Covid-19.
* colaboraram André Campos e Mariana Della Barba