Repórter Brasil media debate sobre impactos socioambientais do setor de biocombustíveis na Amazônia

Evento fez parte do X Fórum Social Pan-Amazônico, que ocorreu entre 28 e 31 de julho em Belém; participantes conversaram sobre violações de direitos e danos ambientais decorrentes da produção de combustíveis ‘sustentáveis’ na região
Por Catarina Barbosa
 01/08/2022

No último sábado (30), a Repórter Brasil mediou um debate sobre os impactos sociais e ambientais da produção de biocombustíveis na Amazônia. A mesa de discussão fez parte da programação da 10ª edição do Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), tradicional evento que reúne integrantes de movimentos sociais, comunidades tradicionais, pesquisadores e ativistas em defesa da Amazônia e dos povos da floresta. Na ocasião, a Repórter Brasil apresentou os resultados de investigações desenvolvidas há 20 anos sobre o setor.

“Desde o início, a pesquisa sobre biocombustíveis é um alvo para a nossa equipe”, afirma Marcel Gomes, secretário-executivo da Repórter Brasil. “O setor recebe muitos investimentos nacionais e internacionais, além de políticas públicas que incentivam a sua expansão. Por outro lado, tem forte ligação com impactos sociais e ambientais”.

Biocombustíveis são produzidos com base em vegetais ou produtos da agricultura, como milho, mamona e cana-de-açúcar, e também matérias-primas de origem animal, como o sebo bovino.

Gomes explica que o desenvolvimento do setor ainda era muito recente quando as primeiras investigações começaram a ser realizadas pela organização, ainda em meados dos anos 2000. “Na época, o parque brasileiro era pequeno. Hoje, o Brasil tem a terceira maior indústria do mundo, depois da Indonésia e dos Estados Unidos”.

A experiência do Brasil com a cana-de-açúcar, setor historicamente permeado por casos de trabalho análogo à escravidão e infantil, reforçou a necessidade da Repórter Brasil de acompanhar e ampliar suas investigações para outras cadeias de biocombustíveis, como o dendê.

Produção marcada por violações

Nesse setor, a expansão do cultivo de planta que dá origem ao óleo de palma, produto amplamente utilizado na indústria, está marcada por processos de grilagem de terra, danos ambientais e negação de direitos de comunidades tradicionais. A avaliação é de Elielson Pereira, doutor em ciências com ênfase em desenvolvimento socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

No evento, o pesquisador explicou que a formação do “polígono do dendê” na Amazônia, região constituída pelos municípios paraenses de Moju, Tailândia, Acará e Tomé-açu, se deu por meio de incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) entre o final dos anos 1970 e início dos 1980. A guerra travada entre as comunidades tradicionais e a cadeia produtiva do dendê, ressalta Pereira, é fruto desse modelo de desenvolvimento.

Raimundo Serrão, quilombola da Comunidade da Balsa, localizada em Acará, no nordeste do Pará, contou que sua família viveu por muitas gerações às margens do rio Acará, e que empresas produtoras de óleo de palma, como a Agropalma e a recém-instalada Brasil BioFuels (BBF), cometem sucessivas violações contra as comunidades tradicionais da região.

Dentre os ataques narrados por Raimundo Serrão está o fato de a Agropalma ter violado o cemitério onde sua avó foi enterrada. O local é o mais antigo dos cemitérios quilombolas da região. Atualmente, a área é ocupada por plantações de dendezeiros.

A destruição ocorreu em meados dos anos 2000. Desde então, os quilombolas têm problemas com a Agropalma para poder prestar homenagens aos seus parentes no Dia de Finados, celebrado em 2 de novembro. 

O caso é um dos muitos narrados por Raimundo Serrão, que afirma que os títulos de terra de posse da empresa são fraudulentos. “Eles enganaram todo mundo na comunidade. Estamos há anos lutando junto ao Instituto de Terras do Pará [Iterpa] para podermos ter direito novamente ao nosso território”, afirma. 

Segundo um relatório elaborado por pesquisadores do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da UFPA, há indícios de que o quilombo reivindicado pela Comunidade da Balsa, da qual Raimundo Serrão faz parte, seja do início do século XX, muito anterior à instalação da empresa no município, em 1982.

Incentivo à agricultura familiar

Junto aos agricultores familiares, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) defende ações que incentivem a produção de matérias-primas para biocombustíveis. 

No evento, Vânia Pinto, secretária de política agrícola da CONTAG, lembrou da criação, em 2004, do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), que tem o objetivo de promover a inclusão produtiva da agricultura familiar, com a garantia de preços mínimos e incentivo à produção de biodiesel a partir de diferentes matérias-primas, fortalecendo as potencialidades regionais.

No entanto, a CONTAG chegou a deixar de participar da Câmara Técnica do Biodiesel, espaço que discute a implementação do PNPB, por discordar dos rumos tomados pelo programa. “Os objetivos foram se perdendo devido a uma presença quase majoritária do empresariado”, afirmou Vânia Pinto. “Agora, estamos retomando com uma série de propostas para fortalecer a agricultura familiar”.

Entre as propostas está a limitação de R$ 100 mil para compra de itens da agricultura familiar por família, nos mesmos moldes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A entidade sindical também quer garantir a assistência técnica para famílias incluídas no PNPB durante todo o ano, e não apenas no período de produção da matéria-prima.

Plataforma Clima e Energia 

O evento também marcou a apresentação da plataforma Clima e Energia, a ser lançada oficialmente no segundo semestre deste ano. O site reunirá dados sobre os impactos sociais e ambientais no campo dos agrocombustíveis. 

O jornalista Maurício Hashizume, coordenador da Campanha Clima e Energia, explicou que foram mais de sete meses para a produção da plataforma, que busca servir de referência sobre o tema. “A plataforma é uma espécie de continuidade de um trabalho que já vem sendo feito há muito tempo e que agora, com todos os processos mais recentes, foi renovado”.


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