Apesar de defender um “país sustentável’, com “redução do desmatamento ilegal”, “energia limpa” e “economia verde”, o partido Novo fecha seu primeiro ciclo no Congresso Nacional e à frente de um governo estadual com ações consideradas negativas para o meio ambiente.
Passados sete anos desde seu registro, o partido cresce a cada eleição defendendo bandeiras como a diminuição do papel do Estado na economia e a redução dos impostos. Na prática, essa agenda se traduz no enfraquecimento da legislação ambiental, na liberação de atividades econômicas em áreas de conservação e em menos encargos para infratores.
Estreante no Congresso com oito deputados federais eleitos em 2018, o Novo se aproxima do fim da legislatura com o título de pior partido para a causa socioambiental na Câmara, segundo o Ruralômetro 2022, ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil que avalia o desempenho dos parlamentares em questões ligadas ao meio ambiente e aos povos do campo. Em outra ferramenta de monitoramento parlamentar, o Farol Verde, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, o Novo também apareceu entre os partidos mais antiambientais.
Leia mais: ‘Matei mesmo’: deputado mais antiambiental do Pará tenta reeleição com clichê bolsonarista
Deputados somam mais de R$ 1 milhão em multas ambientais do Ibama
Um dos projetos de lei apresentados pela sigla na Câmara deixa claras as prioridades da legenda. Nele, o deputado Vinicius Poit (Novo-SP) – candidato a governador de São Paulo – propõe acabar com a taxa cobrada para uso da motosserra, medida que foi incluída no Código Florestal para coibir o desmatamento.
Embora admitindo que o Ibama continue registrando os equipamentos e seus compradores e vendedores, Poit justifica que a taxa prejudica agricultores que usam a motosserra como ferramenta de trabalho. Apesar de críticas na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o texto foi aprovado e aguarda avaliação das comissões de Finanças e de Constituição e Justiça.
Já nas votações de projetos cruciais para o meio ambiente no plenário da Câmara, os oito deputados do Novo se colocaram ao lado da bancada do agronegócio, dos políticos do centrão e da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Foi o caso de três propostas que fazem parte do chamado “pacote da destruição”, que passaram com facilidade na Câmara: o PL 6.299/2002, ou “PL do Veneno” (que facilita a entrada no país de agrotóxicos, incluindo os comprovadamente cancerígenos); o PL 2633/2020, conhecido como “PL da Grilagem” (que altera a fiscalização fundiária e amplia a regularização de terras ocupadas ilegalmente); e o PL 3729/2004, ou Lei Geral do Licenciamento Ambiental (que simplifica o licenciamento e enfraquece a fiscalização).
“São votos contrários à posição dos ambientalistas”, avalia Suely Araújo, consultora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
Em nota enviada à Repórter Brasil, a bancada do partido disse que “possui princípios e valores” com “amplo respeito ao meio ambiente”, e que o apoio às medidas citadas refletem essa visão. Segundo os deputados, o projeto dos agrotóxicos moderniza a legislação e evita a concentração de mercado. “Os defensivos têm sido historicamente fundamentais para o controle de pragas e pestes e, portanto, para evitar a perda de alimentos”, diz a nota.
A bancada defende também o PL 2.633/2020 por permitir o “uso de tecnologia de georreferenciamento no reconhecimento do direito de propriedade rural a ocupantes em terras da União”, facilitando o acesso de agricultores a financiamento. Já sobre o PL que altera o licenciamento, o partido diz que “o Brasil começou a estabelecer em lei um marco nacional de normas gerais para o licenciamento ambiental, buscando equilíbrio entre visão ambiental e econômica” (veja o posicionamento na íntegra).
Em outro caso, o Novo se isolou na votação do projeto de lei que estabelece os direitos das populações afetadas por barragens e cria responsabilidades socioambientais para as empresas encarregadas pelos empreendimentos. A votação se deu cinco meses após o desastre de Brumadinho (MG), que vitimou 270 pessoas em 2019. Com a comoção gerada pelo episódio, o projeto teve forte apoio na Câmara, mas a bancada do Novo foi a única a rejeitar a proposta de forma unânime.
“É um tipo de liberalismo que transfere o custo ambiental para a sociedade como um todo e para o Estado, ao tirar a responsabilidade do empreendedor”, diz Araújo.
Na época da tragédia de Brumadinho, o ex-ministro do meio ambiente Ricardo Salles usou o episódio para defender mudanças no licenciamento ambiental, alegando que era preciso facilitar o processo para empreendimentos de menor impacto a fim de se poder olhar com mais rigor para obras de alto risco. Na prática, pegava carona no desastre para defender uma menor fiscalização ambiental para atividades como a agricultura.
Salles era, desde 2018, filiado ao partido Novo, de onde foi expulso em maio de 2020. Ele ganhou notoriedade durante a pandemia, quando sugeriu aproveitar que a imprensa estava concentrada no coronavírus para “passar a boiada” – uma alegoria ao desmonte ambiental que ajudou a implementar durante o governo Bolsonaro. Sua gestão no Ministério do Meio Ambiente foi marcada pelo aumento das taxas de desmatamento e das queimadas e pela defesa da mineração e da agropecuária em terras indígenas. Salles deixou o cargo em 2021, investigado por um esquema de exportação ilegal de madeira. O Novo declara que não indicou Salles para a pasta nem teve ingerência sobre sua gestão.
“Eu tinha esperança de que o Novo pudesse se tornar aliado da questão ambiental, trazendo novas perspectivas, como faz a direita europeia. Mas a bancada deles se alinhou com o governo e com a visão de que as regras ambientais atrapalham os negócios, mostrando que ainda falta muito para o liberalismo brasileiro incorporar a pauta ambiental”, disse Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental da WWF Brasil, em entrevista à Repórter Brasil.
Segundo Valle, a direita brasileira costuma se opor à proteção do meio ambiente por considerar a questão uma “pauta de esquerda”. Isso não ocorre em países como a Alemanha e a França, onde a preocupação ambiental já entrou na agenda dos partidos não progressistas. “Boa parte dos avanços ambientais nesses países foram em governos conservadores.”
A Repórter Brasil solicita desde agosto um posicionamento ou entrevista com membros do partido para comentar sua atuação socioambiental, mas não recebeu resposta até o momento.
Licença para destruir
Registrado em setembro de 2015, o partido Novo elegeu quatro vereadores em capitais nas primeiras eleições que disputou, em 2016. Desde então, vem ganhando terreno, sobretudo nos estados do Sul e do Sudeste. Em 2018, além dos 8 deputados federais, conseguiu emplacar 11 representantes nas assembleias estaduais e um no Distrito Federal. Em 2020, elegeu um prefeito e 28 vereadores.
Mas a maior conquista do partido nos seus 7 anos de história foi a inesperada eleição, em 2018, de Romeu Zema para governador de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país. Neste ano, o empresário concorre à reeleição como favorito nas sondagens.
Do ponto de vista ambiental, o governo de Zema foi marcado pela emissão de licenças a empreendimentos considerados problemáticos e que foram alvos de protestos de ativistas. Um exemplo foi o parecer favorável ao desmatamento de 10 mil hectares de cerrado nativo nos arredores de unidades de conservação no norte do estado, que tinha como objetivo abrir espaço para a implantação de um projeto privado de agronegócio. Após críticas, a empresa beneficiada pelo parecer desistiu do projeto.
No caso mais conhecido, o governo autorizou uma mineradora a retirar 31 milhões de toneladas de minério de ferro da Serra do Curral, na região metropolitana de Belo Horizonte, contrariando um órgão estadual que já havia declarado o tombamento histórico da região. O projeto minerário prevê a retirada de 100 hectares de mata atlântica e a supressão de nascentes que abastecem o rio das Velhas, afluente do São Francisco.
“A gestão Zema está empreendendo uma verdadeira destruição do meio ambiente. Nunca se viu algo tão acelerado e tão proposital nesse sentido em Minas Gerais”, diz o urbanista Roberto Andrés, professor da UFMG e membro do movimento Tira o Pé da Minha Serra!. Ele diz que o projeto de mineração foi aprovado sem estudos de riscos hídricos e geológicos e sem a consulta a uma comunidade quilombola que seria afetada. O impasse é analisado hoje pelo STF.
“Foi feito um desmonte do sistema de regulação e da concessão de licenças em Minas, e as mineradoras e os desmatadores passaram a ter mais voz do que o restante da sociedade e a aprovar seus projetos com enorme facilidade”, critica Andrés.
O governo mineiro também chegou a emitir a licença prévia autorizando a construção de uma fábrica da cervejaria Heineken em Pedro Leopoldo, que afetaria uma área de importância ambiental e arqueológica, conforme denunciou a Repórter Brasil. No local fica o complexo de cavernas onde foi encontrado o crânio de Luzia, fóssil humano mais antigo das Américas. Após a repercussão negativa do caso, a própria cervejaria desistiu da obra.
A Repórter Brasil procurou o governo de Minas Gerais para comentar as críticas, mas não obteve retorno.
Meio ambiente como mercadoria
Em 2018, quando disputou pela primeira vez a Presidência da República com João Amoêdo, o Novo ficou em quinto lugar, à frente de nomes tradicionais da política brasileira, como Marina Silva (Rede). Neste ano, o partido tenta repetir o feito com a candidatura do empresário Felipe D’Avila. As opiniões do presidenciável e o programa do partido para o meio ambiente, porém, também são alvos de críticas.
No debate de agosto, após ser perguntado sobre os recordes de queimadas e desmatamento no Brasil, D’Avila repetiu o jargão que alimenta memes sobre o partido. “O meio ambiente vamos resolver com mais mercado”. Para o presidenciável, a saída para os problemas ambientais do país e o aquecimento global passam pelo estímulo ao mercado de carbono. O candidato concluiu sua fala com elogios ao agronegócio.
“O agro brasileiro é o que mais sofre quando se desmata no Brasil, porque vem retaliação lá de fora, dizendo que não vai comprar soja do Brasil, ou carne do Brasil, porque vem de área desmatada, o que é mentira. O agronegócio brasileiro é o mais sustentável do mundo. Nenhum outro país do mundo planta soja no cerrado e mantém 35% de reserva legal”, disse.
A afirmação do candidato contrasta com estudos que mostram que a retirada da mata ativa para dar lugar à pecuária e à agricultura é o motor do desmatamento e principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa no Brasil.
Criar um país “carbono zero” é a primeira meta do plano de governo de D’Avila, que prevê o combate ao desmatamento ilegal, o plantio de áreas florestais e a recuperação de áreas degradadas para emitir créditos de carbono e “monetizar a floresta em pé”. Embora esteja previsto no Acordo de Paris, o mecanismo é considerado pouco eficiente.
‘O mercado de carbono não passa de uma licença para poluir’, Tatiana Oliveira, do Inesc
Ambientalistas ouvidos pela Repórter Brasil consideram o mercado de carbono mais como um instrumento financeiro do que como uma medida eficaz de combate às mudanças climáticas. Isso porque ele cria um “jogo de soma zero”, no qual as reduções de emissões por um país ou empresa servem apenas para compensar o aumento da poluição em outra parte do globo.
“Grandes indústrias, corporações globais, mercado financeiro e fundos de investimento estão investindo pesadamente nisso como solução para reduzir os gases de efeito estufa, mas essa medida é absolutamente aquém do que precisamos como política ambiental”, critica Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). A campanha de D’Avila foi procurada, mas não comentou.
Para a assessora do Inesc, as prioridades dos concorrentes ao Planalto deveriam ser reconstruir a política ambiental brasileira, com o fortalecimento de instituições como o Ibama, o Icmbio e a Funai – que foram sucateadas durante o governo Bolsonaro –, e apoiar povos e territórios que já protegem a natureza com seus meios de vida, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
Em nota, o partido disse que o modelo brasileiro de fiscalização ambiental é muito burocrático, custa caro, inviabiliza atividades legais e é ineficaz para coibir crimes. O partido propõe a expansão da atividade legal e sustentável, e combinar conservação ambiental com desenvolvimento. “É preciso pensar, planejar e implementar, sem preconceitos, a utilização econômica, racional e equilibrada dos vários biomas, inclusive para gerar emprego para a população empobrecida”, diz a nota da bancada na Câmara (veja na íntegra).
Para Oliveira, ao fazer uma defesa acrítica do agronegócio, o partido Novo reproduz o negacionismo climático e a política antiambiental de Bolsonaro. “É uma postura de quem vê o meio ambiente como um negócio e a biodiversidade como mercadoria.”
Nota da redação: Esta reportagem foi atualizada às 15h do dia 23 de setembro de 2022 para incluir o posicionamento da bancada do Novo na Câmara dos Deputados.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2020 2611 0/DGB0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil