Folga, boi no rolete e 14º salário: as ofertas ilegais de patrões se Bolsonaro vencer

Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais já abriu 300 investigações no segundo turno por assédio eleitoral de empregadores sobre funcionários, que vão de promessas de benesses a ameaças de demissão; prática é proibida por lei e pode levar à prisão
Por Pedro Rocha Franco*
 26/10/2022

Folgas, churrasco, cesta básica, um pernil para cada empregado, boi no rolete, sorteio de dinheiro e até 14º salário. Essas são algumas das ofertas de patrões mineiros a seus empregados caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) seja reeleito no próximo domingo (30). Em caso de derrota, porém, a perspectiva é de punição, com demissão, corte de vagas, transferências de cidade ou até o fechamento da empresa.

Até esta terça-feira (25), o Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG) já abriu 300 investigações para apurar denúncias de assédio eleitoral por parte de empregadores no estado, o que representa 26% das 1.134 denúncias no país. 

Os casos dispararam na última semana em Minas. No balanço parcial anterior, referente ao período entre 3 e 20 de outubro, havia 190 denúncias, das quais ao menos 171 (90%) eram de patrões em campanha por Bolsonaro, segundo documento obtido pela Repórter Brasil. Os demais casos não informavam o candidato do empregador.

Se comprovado o crime eleitoral, a prática pode render multa e até prisão do patrão.

Entre os empresários denunciados está um dos maiores escritórios de advocacia de Minas Gerais, o Marcelo Tostes Advogados Associados. Santinhos teriam sido entregues no local de trabalho, e os funcionários, questionados se votariam “no mesmo candidato do dono do escritório”. Já em uma reunião com cerca de 300 profissionais, Tostes teria cobrado “consciência” dos presentes para que votassem em Bolsonaro.

A sócia do escritório, Camila Leite, chegou a participar de ato no último sábado (22), em Belo Horizonte, com a primeira-dama Michelle Bolsonaro, a senadora eleita Damares Alves (PL-DF)  e o governador Romeu Zema (Novo-MG). No vídeo, as participantes gritam em coro: ‘Lula, ladrão, seu lugar é na prisão’. 

A banca advocatícia assinou um termo de ajustamento de conduta e publicou um vídeo nesta terça que deveria ser uma retratação a seus funcionários, mas que foi usado por Tostes para negar a prática de assédio eleitoral. Ele afirma que reuniu seus funcionários apenas para propor “um debate entre aqueles que apoiam o candidato A e aqueles que apoiam o candidato B”. 

Procurado, o escritório afirmou que defende a liberdade de pensamento e orientação política de seus colaboradores e que respeita o voto secreto.

O caso chama atenção justamente por se tratar de um advogado que “tem ciência do que é assédio eleitoral”, diz a procuradora do Ministério Público do Trabalho Ana Cláudia Nascimento Gomes.

Em outro caso, ocorrido em Betim, cidade vizinha a Belo Horizonte, o dono da Unibase Construção e Pavimentação prometeu aos trabalhadores cesta básica extra e sorteio de dinheiro caso o presidente se reeleja. A empresa não retornou os contatos da reportagem.

Na mesma cidade, funcionários do frigorífico Serradão foram obrigados a vestir camisas verde e amarela com o número de urna do atual presidente e ouvir um discurso do deputado federal Mauro Lopes (PP-MG) ao lado dos sócios do estabelecimento, Sílvio da Silveira (presidente da Associação de Frigoríficos de Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal) e seu irmão, Marcos Luiz da Silveira. De helicóptero, os três pousaram no pátio lotado de trabalhadores. Em caso de vitória de Bolsonaro, cada um receberia um pernil. 

“Eu estava fazendo campanha para o presidente, tá ok? É a minha liberdade de expressão”, disse o deputado à Repórter Brasil, ressaltando que não está envolvido em nenhum caso de assédio eleitoral. O frigorífico e seus sócios não retornaram os pedidos de entrevista.

Funcionários de frigorífico em Betim (MG) dizem ter sido obrigados por patrão a usar amarelo durante ato em apoio a Bolsonaro ocorrido na empresa no último dia 20 (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo maior colégio eleitoral do país, com 16 milhões de eleitores, Minas é apontado como estado-chave para a eleição presidencial, sendo um dos principais palcos do embate entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta reta final de campanha. 

Enquanto o petista esteve em Belo Horizonte por duas vezes e em mais três cidades do interior de Minas neste segundo turno, o atual presidente visitou o estado quatro vezes, tendo ido ao interior em uma delas. Essa disputa acirrada provoca uma “forte pressão sobre o eleitor mineiro”, o que explica a “avalanche” de casos, diz a procuradora Gomes. 

“Como Minas pode decidir a eleição, a disputa acaba resvalando para as relações de trabalho, e muitos empresários conduziram isso para dentro das empresas, com a publicação de vídeos, formação de grupos de WhatsApp e troca de favores num esquema de voto de cabresto moderno”, afirma a procuradora.

As ameaças e ofertas aos trabalhadores podem ser configuradas prática de assédio eleitoral e abuso do poder econômico do empregador, que pode responder a processo judicial nas esferas trabalhista, eleitoral e criminal, explica o Ministério Público Federal.

São crimes previstos nos artigos 299 e 301 do Código Eleitoral, com pena de até quatro anos de prisão e pagamento de multa. No caso de servidores públicos coagidos, a pena é de detenção de até seis meses, mais multa.

Zema entra em campo

Reeleito governador de Minas Gerais, Romeu Zema virou chefe da campanha de Bolsonaro no estado (Foto: Marcos Corrêa/PR)

No primeiro turno, Lula teve 563.307 votos a mais que Bolsonaro em Minas Gerais. O petista ficou com 48,29% do eleitorado, contra 43,6% do atual presidente. Para tentar inverter o resultado, o governador e empresário Romeu Zema (Novo), reeleito no dia 2, tornou-se coordenador da campanha de Bolsonaro no estado. Uma de suas apostas é obter o apoio de prefeitos, organizando encontros com as autoridades e participando de atos bolsonaristas.

Em uma das visitas de Bolsonaro à capital mineira, Zema participou de um encontro organizado pela Associação Mineira de Municípios. No dia, os prefeitos receberam materiais de campanha para que fossem distribuídos no interior, enquanto no palanque o governador ressaltou o tom da disputa: ‘É uma guerra. Vocês têm uma missão”, disse Zema aos políticos presentes.

Dentre os empregadores denunciados estão pelo menos nove órgãos públicos, sendo oito prefeituras e a Superintendência de Saúde de Zema em Uberaba. Na cidade, o superintendente Eurípedes Turati Leitão “estaria usando os meios de comunicação da instituição para enviar vídeos e pedir votos para Bolsonaro, coagindo os servidores a repassar as mídias e a votar nele”, segundo o MPT.  

A Secretaria de Saúde de Minas Gerais disse que não foi comunicada sobre a denúncia, mas que orienta os servidores estaduais “quanto às condutas que devem ser seguidas em observância à legislação eleitoral, incluindo eventual responsabilização e sanção ao agente público”.

Denúncias de ameaça de demissão ocorreram nos municípios de Francisco Sá, Caiana e Santa Juliana, onde os servidores teriam sido coagidos a votar em Bolsonaro. Já em Rubim, os servidores estariam sendo intimados a não votar em Lula, assim como em Gouveia.

O prefeito de Gouveia, Antônio Vicente de Souza, nega qualquer tipo de ameaça e afirma desconhecer a denúncia. Ele diz que na cidade “não tem demissão, só contratação, exceto quando o funcionário é ruim”. “Aqui mais de 80% votam na mesma direção. Ainda tem necessidade de fazer algo?”, declarou.

O chefe de gabinete da prefeitura de Santa Juliana, Carlos Dib, afirma que “não houve nenhuma coação e muito menos demissões de funcionários por parte do prefeito e de seus secretários, e que até agora não foram notificados pelo MPT.”

A prefeitura de Rubim afirma que “as denúncias contra o prefeito são infundadas” e que o juiz eleitoral já proferiu sentença favorável ao gestor.

A procuradora de Francisco Sá, Gisele de Ávila, afirma que não tomou ciência da denúncia, por não ter sido intimada, e nega qualquer tipo de assédio na prefeitura. Disse ainda que o chefe do Executivo municipal está “parcialmente afastado” por problemas de saúde.

Em Montes Claros, no Norte de Minas, o MPT investiga a denúncia de que o prefeito teria agendado uma reunião eleitoral na sede da OAB local e obrigado servidores a participarem do ato. A gestão não respondeu.

Já em Juiz de Fora, cidade governada pela petista Margarida Salomão, a gerente de um posto de saúde teria coagido funcionários a votar em Bolsonaro sob pena de transferência de unidade. A prefeitura diz que está investigando o caso. 

A reportagem tentou contato com as prefeituras de Capelinha e Caiana, mas não conseguiu falar nos telefones disponíveis nos sites dos municípios, e os e-mails enviados não foram respondidos até a conclusão deste texto.

“O que está acontecendo de fato é como um jogo de futebol: você tem que ter as regras, um juiz imparcial e tem que ter fair play para participar. Quando se pratica assédio eleitoral, não se está trabalhando com fair play”, diz Gomes, do MPT. Nas eleições de 2018, foram registradas 218 denúncias contra empregadores em todo o Brasil, número superado no pleito deste ano só pela seção de Minas Gerais.

As denúncias de assédio eleitoral devem ser feitas através do site mpt.mp.br, na área “fale com o MPT”, clicando em seguida no cartaz “Denuncie irregularidades trabalhistas”. O denunciante deve reunir provas sobre as situações de assédio, como vídeos, fotos e prints de redes sociais, e explicar o que aconteceu, quem praticou o ato e quando e onde ocorreu o caso de assédio eleitoral.

* colaboraram Gisele Lobato e Diego Junqueira

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