IMPACTO: Empresa que vende ouro para big techs perde selo de qualidade após denúncia da Repórter Brasil

Certificadora dos EUA descredenciou a brasileira Marsam Refinadora, fornecedora de Google, Amazon e Microsoft. Investigação inédita revelou como empresas podem estar ligadas ao garimpo ilegal na Amazônia
Por Daniel Camargos
 05/10/2022

A Marsam Refinadora, que processa ouro de empresa investigada por comprar o metal extraído ilegalmente de terras indígenas brasileiras, perdeu o selo de qualidade da RMI (Responsible Minerals Initiative), entidade usada pelos gigantes da indústria mundial para garantir fornecedores “sustentáveis” do metal. Na prática, a Marsam deixa de ser considerada confiável para vender ouro para cerca de 300 empresas que estão listadas na bolsa de valores estadunidense – e que usam o metal em seus produtos.

A retirada da Marsam da lista de fornecedores credenciados pela RMI acontece menos de três meses após investigação inédita da Repórter Brasil mostrar que ouro ilegal de terras indígenas chegam às quatro marcas mais valiosas do mundo: Apple, Google, Microsoft e Amazon. Elas e outras multinacionais usam a lista da RMI para escolherem seus fornecedores do metal. Durante a investigação, a Apple havia anunciado que deixaria de comprar da Marsam, após os questionamentos enviados pela reportagem. 

A mudança no posicionamento da RMI ocorre também 18 dias depois de o “rei do ouro”, Dirceu Frederico Sobrinho, cuja filha é sócia da Marsan, ter sido preso preventivamente durante a operação Aerogold, deflagrada pela Polícia Federal. Investigado em recente esquema de ouro ilegal nas balsas de garimpo que atuam nos rios do Amazonas, Sobrinho foi solto dias depois. Antes da prisão, uma empresa de Sobrinho, a FD’Gold era investigada por comprar o metal extraído ilegalmente das terras indígenas Yanomami (RR), Munduruku e Kayapó (PA) e refinar o metal com a Marsam.

Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku (Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch)

A refinadora brasileira foi removida da lista sem alarde, conforme mostrou a AP na manhã desta quarta-feira (5). A RMI confirmou o descredenciamento à Repórter Brasil, mas não detalhou os motivos. “Embora não possamos fornecer detalhes de avaliações e constatações específicas devido a acordos de confidencialidade, os auditados individuais podem compartilhar seus próprios resultados de auditoria.” Procurada, a Marsam não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem. 

Procurado, o Google disse, via assessoria de imprensa, que não comentaria sobre o assunto. Microsoft e Amazon não responderam.  

Os Estados Unidos aprovaram, em 2010, uma lei obrigando que todas as empresas listadas na Bolsa de Valores apresentem um relatório anual de seus fornecedores de ouro, estanho, tungstênio e tântalo. O objetivo é evitar a aquisição desses metais de empresas que alimentam conflitos, como ocorre na guerra civil da República Democrática do Congo, onde a exploração mineral ainda financia grupos armados. 

Por conta dessa exigência, foi criada a RMI, que visa garantir maior transparência para o setor minerário, “buscar engajamento corporativo sustentável” e realizar auditorias para combater violações de direitos humanos, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, segundo o site da organização. 

O problema é que a Marsam adquire pelo menos um terço do ouro que processa “em família”, ou seja, da FD’Gold – empresa de Sobrinho acusada pelo Ministério Público Federal de comprar ouro extraído de terras indígenas do Pará. 

Agora, a FD’Gold é também investigada por pagamentos feitos para garimpeiros que atuam na clandestinidade sem as devidas permissões ambientais e de operação nos rios do Amazonas. A PF suspeita que Sobrinho esteja praticando lavagem de dinheiro e “esquentando” o metal, ou seja, legalizando o ouro obtido na ilegalidade.

Tentáculos do ‘rei do ouro’ 

Para se ter uma idéia do poderio econômico de Sobrinho, entre 2020 e 2021, a FD’Gold foi a terceira maior recolhedora da Compensação Financeira por Exploração Mineral (Cfem), ficando atrás apenas das multinacionais Kinross e AngloGold Ashanti no pagamento de impostos referente à exploração de ouro no Brasil. Ou seja, a empresa foi a maior compradora brasileira de ouro nestes dois anos.

Na investigação em curso sobre garimpo ilegal nos rios do Amazonas, a empresa teria movimentado “de forma atípica” R$ 2,1 bilhões entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado para a Polícia Federal.

Produtos eletrônicos responderam por 37% das compras de ouro nos EUA em 2019 (Foto: Bruno/Pixabay)

Segundo a ANM, a FD’Gold declarou a compra de ouro de 252 títulos minerários no ano passado. A pulverização de fornecedores de diferentes estados da Amazônia também a torna alvo de diversas investigações. 

Dirceu Sobrinho é mais do que um empresário investigado. Ele é o presidente da Associação Nacional do Ouro (Anoro), frequentador dos gabinetes de ministros em Brasília e defensor da exploração de ouro em terras indígenas. Também tentou carreira na política: foi candidato a 1° suplente do ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) em 2018, quando declarou uma fortuna de R$ 20,3 milhões.

Procurado diversas vezes pela Repórter Brasil, Sobrinho nunca se posicionou.

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(Arte: Giovana Castro e Thalita Rodrigues/Shake Conteúdo Visual)