Uma operação resgatou sete pessoas de condições análogas às de escravo em uma fazenda de café em Aimorés (MG). As vítimas eram exploradas por conta de sua dependência em drogas, trabalhando para pagar dívidas de crack e álcool contraídas com o capataz da fazenda. Também eram alvo de chicotadas.
“Eles nos relataram que frequentemente sofriam castigos físicos por parte do capataz e de sua esposa, por meio de chicotadas”, afirma Rodrigo de Carvalho, coordenador da operação que contou com a participação da Inspeção do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Estadual e da Polícia Militar. Ele e seus colegas estavam há mais de um ano sem receber dinheiro algum na fazenda Centenário.
Relatos das vítimas apontam para um quadro de servidão por dívida, um dos elementos que constituem as condições análogas às de escravo, de acordo com o artigo 149 do Código Penal. Normalmente, em casos assim, o endividamento fraudulento ocorre cobrando-se por botas, ferramentas de trabalho e produtos de higiene pessoal valores acima do que é praticado no comércio.
O capataz da fazenda, contudo, vendia psicoativos, como crack, maconha e bebidas alcoólicas aos trabalhadores – que se mantinham presos pela dívida e presos pela dependência com as drogas.
“Eles estavam presos pelo vício. E não podiam sair, porque se tentassem, eram ameaçados de morte”, afirma Carvalho. Os empregados afirmaram que os patrões faziam questão de mostrar que andavam armados.
A dependência era tamanha que, durante a fiscalização, os trabalhadores pediram para usar os produtos porque não estavam aguentando a abstinência.
Havia também um local usado para rituais onde foi identificado um crânio. “Os trabalhadores disseram que eram agredidos a qualquer momento, mesmo durante os rituais”, afirmou o coordenador da ação.
As vítimas estavam alojadas em três casas sem condições de higiene e segurança. Em uma delas, um empregado dormia junto com agrotóxicos usados na produção. As necessidades fisiológicas eram feitas no mato. Não havia fornecimento de equipamentos de proteção individual.
Diante da fiscalização, os empregadores Murilo e Reinaldo Oliveira aceitaram pagar os salários e direitos atrasados, verbas rescisórias e providenciar alimentação e transporte para que os trabalhadores voltassem para as suas casas. Ao todos, foram pagos R$ 75 mil. Todos terão acesso a três parcelas de seguro-desemprego garantidas aos libertados do trabalho escravo.
O advogado dos empregadores afirmou que não iriam se posicionar. Afirmou, contudo, eles não entendem o caso como sendo de condição análoga à de escravo.
Relatos de que as condições se repetiam em outra propriedade dos mesmos empregadores levaram a Inspeção do Trabalho, o Ministério do Trabalho e a Polícia Rodoviária Federal a uma fazenda no município de Brejetuba (ES). No local, verificaram que o alojamento havia sido esvaziado, provavelmente após a primeira fiscalização.
Encontraram apenas um casal de trabalhadores. O marido estava aposentado, mas não recebia nada. Segundo a fiscalização, o representante do empregador teria dito que seu cliente “tomava conta” do dinheiro do funcionário sob a justificativa de que ele era analfabeto e não saberia mexer com números.
Minas é o estado recordista em vítimas de escravidão desde 2013
O Brasil encontrou 2.575 pessoas em situação análoga à de escravo em 2022, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013, segundo informações divulgadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego nesta terça (24).
Desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, 60.241 trabalhadores foram resgatados e R$ 127 milhões pagos a eles em valores devidos.
Em 2022, Minas Gerais foi o estado com mais operações de combate ao trabalho escravo, com 117 empregadores fiscalizados e o maior número de resgatados: 1.070. Desde 2013, o estado lidera em número de flagrados em situação de escravidão contemporânea. No ano passado, também ficou com o maior resgate individual de trabalhadores, em Varjão de Minas (MG), com 273 no corte de cana.
Celebra-se, neste sábado (28), o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Nessa data, há 19 anos, quatro funcionários do Ministério do Trabalho foram executados a mando dos fazendeiros Antério e Norberto Mânica, no ficou conhecido como a Chacina de Unaí. Ambos foram condenados, mas ainda recorrem em liberdade.
Trabalho escravo hoje no Brasil
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.
Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT.