Novas imagens de satélites revelam que a destruição causada pelos garimpos de ouro na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, foi três vezes o que se imaginava. A devastação se acelerou a partir de 2021, atingiu áreas de floresta que estavam preservadas até então e impactou diretamente uma a cada três aldeias yanomami.
A conclusão é do novo monitor da mineração na Amazônia, o Amazon Mining Watch (AMW), desenvolvido pelo Pulitzer Center em parceria com a Earthrise Media, e revelado com exclusividade pela Repórter Brasil.
A ferramenta identificou a destruição de 1.226 hectares de floresta amazônica na TI Yanomami nos anos de 2021 e 2022. Essa área representa uma devastação três vezes maior do que o anunciado em janeiro pelo sistema de alertas diários do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real) identificou 418 hectares desmatados pelo garimpo no mesmo período.
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O monitor AMW traz um resultado mais fidedigno sobre o impacto do garimpo ao usar imagens de melhor resolução, segundo o pesquisador Matt Finer, da ONG Amazon Conservation, que analisou os dados.
Além disso, o Deter é um levantamento rápido com a função específica de emitir alertas diários sobre desmatamento e permitir uma ação rápida dos órgãos de fiscalização. Já o AMW faz uma análise mais detalhada da destruição (leia ao final mais detalhes sobre as duas ferramentas).
Nas imagens abaixo, é possível ver o avanço da destruição na região de Homoxi, de onde os invasores resistem em sair e chegaram a atacar indígenas no início do mês.
Abaixo, as imagens mostram novas crateras abertas pelo garimpo perto da aldeia Uxiu, onde há uma pista do governo federal.
Até novembro de 2021 a floresta estava preservada, mas o cenário mudou em apenas nove meses.
Segundo as imagens reveladas pelo monitor, o garimpo destruiu diversas áreas dentro do território, e não apenas próximo aos rios principais, como costumava ocorrer. “Isso significa que as ações iniciais do governo no rio Uraricoera são um bom começo, mas será preciso expandir as operações para outras áreas, se o objetivo for realmente acabar com o garimpo ilegal na TI”, diz Finer.
O monitor revelou também que a destruição está próxima de cada vez mais aldeias yanomami, o que ajuda a entender a crise de saúde provocada pelo garimpo. Das 305 aldeias identificadas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), 104 foram alvo de desmatamento por mineração em uma distância inferior a 10 quilômetros – ou uma a cada três comunidades.
O pesquisador Estevão Senra, do Instituto Socioambiental (ISA), também estuda a região e confirma que o garimpo avançou para novas áreas. Antes havia uma concentração maior no rio Uraricoera, mas os garimpos avançaram em direção ao sul, onde há mais serras. “As aldeias nessa região têm populações menores, mas o número de comunidades é maior. E todas procuram se instalar perto de cursos d’água, algo que os garimpeiros também fazem. Isso é um risco para a população”, diz o pesquisador.
A mineração ilegal polui rios e afeta diretamente o meio de vida dos povos que vivem na floresta. No começo do ano, o governo brasileiro decretou estado de emergência em saúde para atender casos de subnutrição aguda no território yanomami. A maior reserva indígena do Brasil tem 30 mil habitantes e está localizada em Roraima e Amazonas, na fronteira com a Venezuela.
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Garimpo e aviação
Mais afastadas dos rios, as novas áreas tomadas pelo garimpo nas serras são ainda mais isoladas e dependem de aviões de pequeno porte para serem acessadas. Isso amplificou o desmatamento na TI – e o impacto sobre as comunidades –, em razão da construção de dezenas de pistas clandestinas. Das 104 aldeias Yanomami próximas a garimpos, ao menos 73 estão a menos de 10 quilômetros dessas pistas.
Ao todo, há pelo menos 66 pistas secretas na Terra Indígena Yanomami, e a maior parte delas está próxima de lavras ilegais de garimpo. Em toda a Amazônia Legal são 1.269 pistas clandestinas, das quais 362 possuem atividades de mineração no entorno, segundo o levantamento “Pistas da Destruição”, publicado pelo veículos The Intercept Brasil e The New York Times, com apoio do Pulitzer Center.
Diversas operações da Polícia Federal e do Ibama apreenderam e queimaram dezenas de aeronaves nos últimos anos. Mas isso não impediu o avanço da criminalidade no território yanomami.
No auge da destruição, em 2021, o garimpo ilegal alçou Boa Vista ao posto de maior consumidor de gasolina de aviação do país. Com pouco mais de 400 mil habitantes, a capital de Roraima consumiu um volume quatro vezes maior do que a cidade de São Paulo (3,2 milhões de litros de AVGAS contra 888 mil), segundo levantamento do pesquisador Bruno Manzolli, da UFMG.
Esse alto nível de consumo foi verificado também nas três principais cidades garimpeiras da região do rio Tapajós (PA) – Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso –, que são destino da maior parte do ouro ilegal yanomami. Juntas, elas consumiram três vezes mais gasolina de aviação do que a capital paulista em 2021. Foram 2,3 milhões de litros, o suficiente para um avião de garimpo dar 220 voltas ao mundo.
Alertas de desmatamento
As imagens utilizadas pelo Amazon Mining Watch (AMW) são do satélite Sentinel-2, com 10 metros de resolução. Já o Deter/Inpe utiliza informações do sensor WFI a bordo dos satélites CBERS-4, CBERS-4A e Amazônia-1, com 56 metros de resolução. Com acesso a imagens de maior resolução espacial, o AMW registrou mais pontos de mineração do que o sistema Deter.
Contudo, os sistemas possuem objetivos distintos. A função do Deter é emitir alertas em tempo real para apoiar as atividades de órgãos de controle, como operações da Polícia Federal e do Ibama. Essa urgência na produção de alertas de desmatamento torna os resultados suscetíveis a interferências de fatores como cobertura de nuvens em determinados períodos do ano, dificultando a detecção de áreas desmatadas. Esse é o motivo pelo qual os resultados são diferentes.
Além do Deter, o Inpe produz anualmente dados sobre desmatamento através do sistema Prodes, que mapeia perdas de vegetação nativa na Amazônia Legal em 12 meses – entre agosto de um ano e julho do ano seguinte. Utilizando uma metodologia diferente de obtenção de imagens e verificação de desmatamento, o Prodes é utilizado pelo governo para a realização de políticas públicas de longo prazo para conter a destruição da Amazônia e do Cerrado.
*Hyury Potter é fellow da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center, em parceria com a Repórter Brasil.
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