Íntegra dos esclarecimentos da União Nacional do Etanol de Milho, Ministério do Meio Ambiente e Confederação Nacional da Indústria

Respostas foram enviadas para comentar a reportagem ‘Produção de etanol de milho dispara mesmo com temor de proteção ambiental frágil’
 03/03/2023

União Nacional do Etanol de Milho (UNEM)

Repórter Brasil: Por que o milho foi uma commodity escolhida para a produção de etanol? Quais vantagens o grão oferece em relação a outras culturas, como a cana de açúcar? Por que há esse interesse tão grande em investir em biocombustíveis de origem do milho?

Unem: O último relatório do IPCC não poderia ser mais claro: precisamos usar todas as estratégias disponíveis para combater as mudanças climáticas e elas devem ser adequadas ao contexto local. Nesse contexto o etanol de milho aparece no Brasil de maneira complementar e sinérgica ao etanol de cana.

O milho produzido no Centro Oeste brasileiro possui uma série de vantagens que viabilizam a agregação de valor ao grão por meio da industrialização:

– Trata-se de um sistema integrado de produção de alimentos e energia. Apenas o amido do milho é utilizado para a produção de etanol, enquanto que as proteínas, gorduras e fibras retornam ao mercado na forma de óleo de milho e rações proteicas (DDGS) para a produção de aves, suínos, bovinos e peixes;

– Diferentemente dos EUA, todo o milho produzido no Centro-Oeste que é utilizado para a produção de etanol é milho de segunda safra, ou seja, é plantado na mesma área após a colheita da safra principal, dentro do mesmo ano agrícola. Isso faz com que o milho não demande nenhuma terra adicional para ser plantado e, portanto, não sofre da principal crítica aos biocombustíveis que é a disputa pelo uso da terra;

Repórter Brasil: Como as usinas estão se preparando para lidar com o crescimento da produção do grão voltado para o etanol, respeitando a governança ambiental, social e corporativa? Pergunto isso porque o cultivo de milho em frentes pioneiras aparece, não raro, próximo de áreas de conflito socioambiental, como terras indígenas e reservas ambientais.

Unem: O milho utilizado para a produção de etanol passa por um controle e rastreamento de origem desde a sua produção na fazenda, passando pela cadeia completa de custódia até chegar na indústria.

Este sistema de monitoramento envolve verificação de conformidade ambiental de todos os fornecedores, incluindo verificação (i) da não existência de desmatamento ilegal, (ii) da não sobreposição com áreas protegidas, (iii) da não sobreposição com áreas indígenas e/ou de conflito, (iv) da não existência de trabalho escravo, dentre outros critérios.

O programa RENOVABIO do Governo Federal exige a rastreabilidade e dentre 282 usinas de etanol (cana e milho) cadastradas no programa, o etanol de milho tem se destacado na primeira posição do ranking como o etanol com a menor pegada de carbono produzido no Brasil.

Repórter Brasil: Nos EUA, a produção de etanol oriundo do milho tem recebido incentivos governamentais sob a justificativa que pode ser utilizado para substituir combustíveis fósseis. No entanto, essa escolha foi criticada pela comunidade científica, que constatou que esse tipo de produção tem diversos tipos de impactos ambientais, como ultrapassar as metas exigidas de emissão de carbono e danos às fontes de água. Por que, então, há essa aposta no etanol oriundo do milho, aqui no Brasil?

Unem: O arranjo produtivo do etanol de milho no Brasil é substancialmente diferente daquele produzido nos EUA, e consequentemente produz um ganho ambiental substancialmente maior do que o etanol de milho americano.

As principais diferenças que levam a isso são:

– Nos EUA, todo o milho vem da produção de safra única e, portanto, disputa o uso da terra com outras finalidades de produção. Diferentemente dos EUA, todo o milho produzido no Centro-Oeste que é utilizado para a produção de etanol é milho de segunda safra, ou seja, é plantado na mesma área após a colheita da safra principal, dentro do mesmo ano agrícola. Isso faz com que o milho não demande nenhuma terra adicional para ser plantado e, portanto, não produz emissões de GHG associadas à mudança do uso da terra;

– Diferentemente dos EUA, o sistema de produção brasileiro em duas safras utiliza-se do plantio direto (sem gradagem do solo e, portanto, com mínima liberação de carbono estocado no solo) e permite que o milho seja produzido com menor utilização de insumos e recursos do que o milho americano;

– As fontes de energia utilizada pelas indústrias de etanol de milho nos EUA são gás natural e carvão mineral, duas fontes fósseis altamente poluentes. No Brasil, 100% da energia utilizada pelas indústrias de etanol de milho vem de biomassas renováveis (principalmente eucalipto).

Em termos quantitativos, a gasolina nos EUA emite por volta de 90 gCO2/MJ. O etanol de milho americano fica na faixa dos 70gCO2/MJ. Dada a curta distância ente os valores, o etanol de milho americano fica mesmo sujeito a críticas, principalmente quando consideramos possíveis incertezas metodológicas.

O etanol de milho brasileiro já foi submetido a várias análises desse tipo e os resultados são muito mais positivos. Pelas métricas do governo brasileiro no programa RENOVABIO, desenvolvidas através de grupos técnicos envolvendo a EMBRAPA, diversas universidades federais brasileiras, e estudos acadêmicos independentes, o etanol de milho tem uma das pegadas mais baixas dentre todas as usinas de etanol do Brasil (cerca de 17gCO2/MJ). 

A ilustração abaixo ajuda a entender as diferenças entre o etanol de milho americano e o etanol de milho brasileiro, quando comparados à gasolina.

Repórter Brasil: Em um quadro de fome no Brasil, não seria problemático destinar grandes áreas de terra para a produção de combustíveis em vez da produção de alimentos?

Unem: Essa discussão é importantíssima. Sem dúvida o combate a fome é uma questão central na nossa sociedade. Não faria sentido incentivar um setor que gere mais fome. Por isso é crucial mapear onde a fome ocorre e estudar suas razões.

No mundo, a fome (ou insegurança alimentar) está associada principalmente ao nível de produção de alimentos e ao acesso a esses alimentos, principalmente para das camadas mais vulneráveis das populações.

No Brasil, a fome não está associada à falta de produção de alimentos, já que o país é um dos maiores fornecedores de alimentos para o mundo. Aqui se produz muito mais do que se consome e ainda assim a fome persiste. A fome no Brasil está associada ao nível de renda da população mais vulnerável.

Entendemos que nosso setor contribui para melhorar os fundamentos que impactam na segurança alimentar, principalmente através da geração de renda na produção agropecuária e uma geração de empregos por unidade de energia produzida muito maior do que a geração de empregos na cadeia de produção do combustível fóssil.

As principais instituições FAO, IPCC e IRENA já se pronunciaram claramente que: os biocombustíveis podem sim contribuir para redução da insegurança alimentar, desde que produzidos com tecnologias que otimizem o uso da terra e adequadas ao contexto econômico, político e social no qual estão inseridos.

Nesse contexto, já vimos acima que: (i) o etanol de milho brasileiro é um sistema integrado de produção de alimentos e energias, e (ii) não disputa terra para a produção de alimentos, uma vez que é plantado em sistema de duas safras.

Referências no relatório

Climate change 2022: IPCC Sixth Assessment; a report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. [S.l.: s.n.], 2022. Figure 1 (32p); Figure 2 (38p). Available:https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg3/downloads/report/IPCC_AR6_WGIII_SummaryForPolicymakers.pdf

International Renewable Energy Agency (2017), International Renewable Energy Agency (IRENA), “Renewable Energy Statistics 2017,” Tech. Rep., ISBN: 978-92-9260-0334, Jul. 2017. Available: https://www.irena.org/publications/2017/Jul/Renewable-Energy-Statistics-2017  

IEA, FAO and IRENA “Bioenergy for Sustainable Development” 3p. Available: https://www.ieabioenergy.com/wp-content/uploads/2017/01/BIOENERGY-AND-SUSTAINABLE-DEVELOPMENT-final-20170215.pdf

C. Biofuels, “Recensione: OECD-FAO Agricultural Outlook 2008-2017,” Econ. Dirit. Agroaliment., pp. 191–206, 2018, Available: http://www.globalbioenergy.org/uploads/media/0807_OECD-FAO_-_Agricultural_Outlook_2008-2017.pdf

IEA, “Energy Technology Perspectives,” Paris, 2017. [Online]. Available: https://www.iea.org/reports/energy-technology-perspectives-2017

Ministério do Meio Ambiente (MMA)

Repórter Brasil: A Confederação Nacional da Indústria estima que a produção nacional passou de 520 mil de metros cúbicos na safra 2017/18 para 4,5 milhões de metros cúbicos na safra 2022/23. Não raro, entretanto, essa atividade, tanto no âmbito do cultivo quanto da produção industrial, ocorre próxima de áreas de proteção ecológica, como reservas ambientais e territórios indígenas. Tendo em vista esse cenário, como o governo federal pretende atuar para evitar infrações ao meio ambiente e conflitos socioambientais relacionados ao aumento da produção de etanol a partir do milho?

MMA: O Ministério do Meio Ambiente, no âmbito de suas competências, atua para promover políticas de geração de energia por fontes renováveis e limpas. As modalidades de produção energética, baseadas no aproveitamento de biomassa cultivada, precisam, nesse sentido, ser realizadas seguindo as leis ambientais e os zoneamentos que estabelecem áreas passiveis de uso e aquelas em que a atividade produtiva é limitada, como é o caso das unidades de conservação, terras indígenas e áreas de preservação permanente.

Repórter Brasil: O governo federal, no Ministério de Minas e Energia, possui um programa de certificação de biocombustíveis, o Renovabio, a fim de atestar boas práticas de produção. Como o Ministério do Meio Ambiente pretende atuar junto com a pasta de Minas e Energia para garantir o correto cumprimento das condicionantes ambientais para a concessão dessa certificação?

MMA: O presidente Lula, desde as eleições, estabeleceu prioridade às políticas de mitigação e adaptação à mudança do clima, sob o marco da transversalidade. Agora, todos os ministérios têm a missão de incorporar em suas políticas ações voltadas a combater as mudanças climáticas. No que se refere ao MMA e MME, atuarão para executar a Política Nacional de Mudança do Clima, sancionada pelo presidente Lula em seu segundo mandato.

Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Repórter Brasil: Por que há esse interesse tão grande em investir em biocombustíveis de origem do milho?

CNI: O etanol é uma fonte de energia mais econômica, acessível e limpa, e a sua produção emite até 80% menos gases de efeito estufa (GEE) quando comparado à gasolina. Isso é um grande fator competitivo, que vem alavancando a produção de motores de veículos flex no Brasil.

O etanol produzido a partir do milho apresenta algumas diferenças em relação ao da cana-de-açúcar. A produção de milho é feita em quase todo o território brasileiro, inclusive pela agricultura familiar, o que possibilita maior estímulo ao desenvolvimento regional. Além disso, o milho é um insumo mais durável, que pode ser armazenado o ano inteiro, possibilitando a produção ininterrupta de etanol pela usina, evitando a sazonalidade no processo.

A primeira usina a utilizar o milho para produção de etanol iniciou suas operações em 2012, mas atualmente há 18 em atividade e outras em 10 em processo de autorização de construção.

Repórter Brasil: Como a indústria brasileira está se preparando para lidar com o crescimento dessa produção, respeitando a governança ambiental, social e corporativa? Pergunto isso porque o cultivo de milho em frentes pioneiras aparece, não raro, próximo de áreas de conflito socioambiental, como terras indígenas e reservas ambientais.

CNI: É importante destacar que o etanol de milho surge como uma alternativa complementar na produção biocombustível, não se trata de uma solução única ou que venha a competir com a produção a partir da cana-de-açúcar. Para que o Brasil avance cada vez mais em relação ao cumprimento de suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, dadas pela NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), o setor de energia precisa diversificar as fontes renováveis disponíveis.

Especificamente no caso da produção de biocombustíveis, também é essencial que haja diversificação de matérias-primas, para buscar ganhos em resiliência e produtividade, considerando as condições de solo e clima mais aptas a cada cultura e o atendimento aos diferentes mercados. O etanol deve chegar ao consumidor num preço atrativo, quando comparado à gasolina. Nesse sentido, os critérios agronômicos de produção e as particularidades de cada processo produtivo deverão ser considerados na definição do etanol a ser produzido.

Vale lembrar que a instalação de usina para produção de etanol, tanto de cana como de milho, passa pelo processo de licenciamento ambiental pelos órgãos ambientais competentes. O licenciamento busca minimizar e mitigar eventuais impactos provenientes da atividade produtiva, conciliando o desenvolvimento econômico com a necessária proteção ambiental. Também na fase de produção da matéria-prima agrícola, a exigência de Cadastro Ambiental Rural (CAR) garante o atendimento às exigências do Código Florestal quanto à manutenção da reserva legal e das áreas de preservação permanente (APPs).

Por fim, cabe destacar que as empresas têm, cada vez mais, buscado incorporar os critérios de governança ambiental, social e corporativa (ESG) em suas estratégias corporativas, nas três dimensões do conceito da sigla. Isso implica uma forte atitude de responsabilidade socioambiental em relação a todos os envolvidos na cadeia produtiva, o que inclui as comunidades locais. Pesquisa recente realizada pela CNI mostra que a sustentabilidade é cada vez mais parte da estrutura organizacional da indústria brasileira. Seis em cada 10 empresas têm área dedicada ao tema, o que representa um salto em relação ao ano anterior (2021), quando 34% dos entrevistados afirmaram ter no seu organograma área para lidar com o assunto. Também aumentou a preocupação dos empresários com o impacto na cadeia produtiva: 45% disseram exigir certificados ambientais de seus fornecedores e parceiros na hora de fechar um contrato. Em outubro do ano anterior, o percentual foi de 26%. Dados como esses demonstram o compromisso da indústria brasileira com a sustentabilidade, fortalecendo o seu posicionamento ESG.


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