Íntegra das respostas de Fábio Daros e do MPT sobre o caso de trabalho escravo na serra gaúcha

 24/04/2023

Fábio Darros, proprietário do albergue onde estavam os resgatados

Importante deixar claro que a pousada e a empresa que intermediava a mão de obra são pessoas jurídicas distintas, não possuindo a pousada qualquer envolvimento nas questões trabalhistas e concernente a intermediação de mão de obra. Reforçamos que a Pousada possuía situação de funcionamento regular perante os órgãos municipais e jamais chegou ao seu conhecimento os fatos narrados pelos trabalhadores. Importante destacar que as acomodações são módicas, porém sempre houve equipe responsável pela limpeza e organização do local, sendo que as imagens vinculadas não retratam a situação cotidiana do local que já fora vistoriado em outras oportunidades, sem que qualquer irregularidade fosse constatada. A pousada e seu sócio se colocaram desde o princípio à disposição das autoridades competentes para esclarecer os fatos, tendo disponibilizado as imagens internas e externas do imóvel que demonstram os fatos aqui narrados.

Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul


Seguem, primeiramente, as questões mais genéricas, respondidas pelo procurador do MPT-RS Lucas Santos Fernandes, coordenador regional no RS da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE) do MPT:

Após o resgate, quais outras atribuições cabem ao MPT, no que diz respeito ao pagamento de indenizações e verbas rescisórias dos trabalhadores? De que forma se dá a divisão de atribuições entre MTE, MPT e PF?

Embora sejam parceiras em ações de fiscalização, cada uma das instituições atua no âmbito de suas responsabilidades e atribuições. Os auditores-fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego têm ação direta na fiscalização e na autuação quando são verificadas irregularidades. Tanto o MTE quanto o MPT atuam na esfera civil-trabalhista durante a ação de fiscalização e na ação de resgate. Feito um resgate, o MPT também investiga a cadeia de produção, buscando a responsabilização de toda a cadeia produtiva, seja por acordo firmado em TAC, seja por ajuizamento de Ações Civis Públicas. MPT e Defensoria Pública da União atuam no encaminhamento de verbas rescisórias e direitos trabalhistas – cabe à DPU a defesa de direitos individuais dos trabalhadores. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal atuam na investigação criminal e na responsabilização penal quando uma situação também pode ser enquadrada como crime, como no caso de situações de trabalho análogo à escravidão.

No entender do MPT, há uma relação entre a lei que permitiu a terceirização de atividade fim e o aumento do envolvimento deste tipo de empresa terceirizada nos casos de condições análogas a escravidão? O MPT tem dados sobre isso que possa compartilhar conosco?

A terceirização sucessiva nas cadeias produtivas, com o objetivo de diminuir custos, aumenta a distância entre os elos da base e do topo. Dificultando, portanto, a fiscalização. Além de de pulverizar a representação coletiva dos trabalhadores, retraindo a defesa coletiva da categoria.

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Seguem, agora, as respostas às questões mais específicas do caso de Bento Gonçalves. Foram enviadas pela procuradora do MPT-RS coordenadora da unidade do órgão em Caxias do Sul, Ana Lúcia Stumpf González, integrante do GEAF formado para investigar o caso.

Quais os critérios utilizados pelo MPT para determinar quais os trabalhadores considerados submetidos a condições análogas à escravidão? Este grupo inclui os trabalhadores da apanha de frango, ou apenas os da colheita da uva? E o que foi feito no caso dos trabalhadores que atuavam nas duas atividades?

Sugiro buscar informações junto à Fiscalização do Trabalho (Ministério do Trabalho e Previdência), pois é a Fiscalização quem define extrajudicialmente se o caso é de resgate ou não. No caso concreto, as situações verificadas não indicavam para uma configuração de trabalho análogo ao de escravidão na atividade de apanha do frango, até porque é uma atividade contínua, que se desenvolve ao longo de todo o ano, e não sazonal como na colheita da uva, e isso, no caso concreto, fez com que as condições fossem diferentes, seja porque os salários eram pagos regularmente, seja porque as condições de alojamento eram distintas. Isso não quer dizer que as condições de trabalho fossem ideais, e há inquérito em tramitação para apuração da situação específica dos trabalhadores da apanha do frango.

Todos os 207 trabalhadores resgatados receberam transporte para seu estado de origem? O que eles já receberam a título de indenização e/ou verbas rescisórias? O que eles ainda podem vir a receber? 

Foi ofertada a possibilidade de transporte a todos os 207. A maior parte era oriunda da Bahia e optou pelo retorno. Alguns eram oriundos do RS e receberam o valor da passagem para retornar a seu município de origem (Rio Grande e Montenegro, por exemplo). Alguns optaram por permanecer, porque encontraram outra oportunidade de trabalho na localidade. Os valores de verba rescisória dependem da situação individual, relacionada à quantidade de dias de trabalho. Esses valores já foram quitados na semana seguinte à operação de resgate. Aproximadamente um mês depois, todos receberam indenização por dano moral individual, decorrente do Termo de Ajuste de Conduta firmado com as vinícolas Cooperativa Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, em valor de quase 10 mil reais cada um. Todos receberam, mesmo aqueles que não prestaram serviços a essas empresas. Está em andamento na Justiça do Trabalho uma ação judicial que bloqueou bens e valores de propriedade do grupo econômico das empresas intermediadoras de mão de obra, e a partir dessa ação serão alcançados mais valores a titulo de dano moral individual aos trabalhadores, não sendo possível, ainda, precisar o valor exato que cada um vai receber, nem a data em que isso ocorrerá, pois vai depender do andamento da ação (tempo de duração do processo, acolhimento ou não dos pedidos na sentença e no julgamento dos recursos que a parte ré tem direito de apresentar (recurso ordinário ao TRT, recurso de revista e agravo de instrumento ao TST e, quando cabível, recurso extraordinário ao STF, na forma da lei).

No caso dos demais trabalhadores, que não foram resgatados, eles têm direito a algum tipo de indenização e/ou verbas rescisórias? De que forma eles podem acessar estes direitos? 

Vai depender do caso concreto de cada um. Se não receberam integralidade das verbas trabalhistas a que têm direito, se foram submetidos a alguma situação que configure dano moral, e isso pode e está sendo reivindicado na justiça do trabalho, pois dezenas de reclamatórias trabalhistas já foram ajuizadas no foro trabalhista de Bento Gonçalves. Assim, cada trabalhador que entender ser titular de algum direito não quitado pode buscar a Justiça do Trabalho, pode fazer isso com auxílio de advogada(o) particular, por conta própria (jus postulandi) ou com auxílio de advogada(o) do sindicato obreiro.

O que o MPT tem a dizer sobre a declaração de trabalhadores da apanha do frango, de que as condições de trabalho eram iguais ou mesmo piores que a da uva, e de que estavam submetidos às mesmas agressões e ao mesmo esquema de endividamento e desconto em folha de pagamento?

Como disse em resposta anterior, esse caso está em investigação em Inquérito Civil.

O MPT firmou um TAC com as vinícolas prevendo o pagamento de indenizações aos 207 trabalhadores resgatados. Quando estas indenizações serão pagas?

Já foram pagas no final de março.

Por que o mesmo TAC não foi proposto para a BRF?

Porque não houve resgate no caso dos trabalhadores que prestavam serviço em atividades distintas da colheita da uva. Há inquérito civil em andamento, que pode resultar em TAC se forem constatadas irregularidades.

O MPT informou que o Grupo Especial de Atuação Finalística está conduzindo uma investigação contra a Fênix. Esta investigação se estende também a outras empresas do Pedro Santana e do Fábio Daros, incluindo aquelas que atuavam na apanha de frango? Qual o objetivo desta investigação e quais os possíveis encaminhamentos após sua conclusão?

Todas as empresas do grupo econômico estão inseridas nessa investigação e já há ação cautelar ajuizada com pedido de bloqueio de bens, deferido pelo Juízo, encontrando-se agora em curso o prazo para ajuizamento da ação principal (ação civil publica – Art. 308, CPC. Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.)

O MPT também informou que o valor repassado para cada trabalhador pode chegar, em média, a R$ 29,5 mil. Isso diz respeito apenas aos 207 trabalhadores resgatados na operação de fevereiro? 

Sim, refere-se a todos os resgatados. Que agora são 210 ao todo, porque foram, no decorrer das investigações, agregados mais três, pois ficou comprovado que estavam submetidos às mesmas condições dos resgatados, apenas haviam retornado a seus locais de origem alguns dias antes da operação.

Leia a reportagem completa aqui: Noites em porões, almoço na caridade: precarização do trabalho na serra gaúcha segue após caso de trabalho escravo

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