Atentado a indígenas no PA é novo capítulo de conflito com indústria que quer ‘plantar’ combustível de avião na Amazônia

Membros da etnia Tembé foram baleados em Tomé-Açu (PA) na segunda (07). Comunidades indígenas e quilombolas reclamam territórios tradicionais em disputa com o grupo BBF, fabricante de óleo de palma que quer vender biocombustível para companhias de aviação
Por Repórter Brasil*
 08/08/2023

Três indígenas da etnia Tembé foram baleados nesta segunda-feira (07) em Tomé-Açu (PA), no mais recente capítulo de um violento conflito por terras iniciado há três anos no nordeste do Pará, desde que o grupo Brasil BioFuels (BBF) iniciou a produção de palma na região.

A empresa planeja usar o óleo de palma, também conhecido como dendê, como matéria-prima para um tipo de biodiesel usado na aviação. A partir de 2025, o objetivo é fornecer o combustível para as principais companhias aéreas nacionais.

No entanto, indígenas, quilombolas e ribeirinhos locais sustentam que as plantações de dendê da BBF estão sobrepostas a territórios tradicionais. A Repórter Brasil esteve na região do conflito no ano passado, onde ouviu relatos de moradores dessas comunidades sobre violências atribuídas à Polícia Militar (PM) e aos seguranças privados da empresa.

As notícias sobre o atentado foram divulgadas na tarde desta segunda por uma missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). O grupo se dirigia ao município de Tomé-Açu para apurar justamente as denúncias de violações contra comunidades locais envolvidas na disputa por terras.

“Fizeram isso em retaliação à nossa vinda para ouvir os indígenas, por conta dos impactos da cultura do dendê na região”, afirma Virgínia Berriel, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e conselheira do CNDH. A missão faz parte dos preparativos para a Cúpula da Amazônia, evento que começa nesta terça (08), na capital Belém (PA).

Três indígenas Tembé foram baleados em Tomé Açu na segunda-feira (07/08). Associação atribui tiros aos seguranças da empresa Brasil Bio Fuels (Foto: Divulgação)

Segundo Berriel, os indígenas afirmam que cursos d’água e plantações da comunidade Turé Mariquita, onde vivem os três moradores alvos do atentado, estariam contaminados por agrotóxicos utilizados na cultura da palma.

Aldeias da reserva indígena Turé Mariquita II são vizinhas das plantações de dendê (Foto: Marcos Weiske/Repórter Brasil)

A missão do CNDH também ouviu relatos de indígenas que se dizem ameaçados por pistoleiros. “Estamos sendo baleados, está se tornando uma verdadeira chacina em Tomé-Açu. Pedimos socorro com urgência”, afirma Paulo Turiwara, liderança indígena da região, em um áudio enviado por Whatsapp ao Ministério Público Federal (MPF).

Procurado, o Grupo BBF afirma que equipamentos da empresa foram incendiados e edificações acabaram destruídas por indígenas em uma de suas propriedades também nesta segunda.

“Na ação, cerca de 30 invasores armados ameaçaram e agrediram trabalhadores da empresa, antes de incendiar dezenas de tratores, maquinários agrícolas e edificações da companhia. A equipe de segurança privada da companhia conseguiu conter a ação criminosa dos invasores e resguardar a vida dos trabalhadores que estavam no local”, diz a nota.

Em abril deste ano, o Ministério Público (MP) do Pará chegou a pedir a prisão preventiva do presidente da BBF — Eduardo Schimmelpfeng — e do chefe da segurança da empresa, por crimes de tortura contra a comunidade do Vale do Bocaia, em Acará, município vizinho a Tomé-Açu.

O requerimento do MP se deu após uma ação ocorrida em outubro de 2021, em que seguranças da BBF teriam derrubado casas de agricultores. Na ocasião, o grupo emitiu nota afirmando que seus funcionários haviam sido ameaçados por “invasores que há alguns meses têm tentado ilegalmente se apropriar das fazendas da BBF”.

Em relação à disputa das áreas, a companhia informou à Repórter Brasil, em agosto do ano passado, que “não existe sobreposição de áreas [da empresa] com os territórios das comunidades tradicionais” e que “exerce a posse pacífica, justa e ininterrupta de suas áreas”.

Prisão após o atentado

O indígena Felipe Tembé, de 23 anos, ferido nas costas pelos disparos nesta segunda, foi detido pela polícia após receber atendimento hospitalar emergencial. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou que Felipe foi “ detido para apuração do dano causado no prédio privado”.

Ainda de acordo com a Segup, o vigilante identificado como autor do disparo que atingiu um indígena foi “encaminhado ao Sistema Penitenciário”. “A Segup reforça que, apesar do caso ter ocorrido dentro de uma propriedade particular, está tomando todas as providências, dentro das atribuições do Estado, para esclarecer as circunstâncias do ocorrido”.

Em protesto, indígenas foram para a porta da delegacia pedindo a liberação de Felipe. Pneus foram queimados e vias, fechadas. A nota da Segup afirma que Felipe foi liberado após prestar depoimento.

Representantes da Associação Indígena Tembé Vale do Acará acusam a PM de intervir de forma truculenta na comunidade, “acompanhada de seguranças fortemente armados da empresa Brasil BioFuels (BBF)”. A entidade diz ainda que uma ponte que dá acesso à comunidade indígena teria sido interditada, dificultando o deslocamento dos moradores.

Na sexta-feira (04/08), o jovem Kauã Tembé já havia sido baleado na aldeia Bananal, outra área reivindicada pelos indígenas e em disputa com a BBF. Em documento enviado ao Ministério Público Federal (MPF), a associação afirma que os tiros partiram da PM ou dos seguranças armados da empresa que, naquele dia, teriam agido “de maneira truculenta”.

Violência começou na sexta-feira (04/08), quando um indígena foi baleado na aldeia Bananal (Foto: Divulgação)

Segundo reportagem do G1, o MPF notificou o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), para que sejam tomadas medidas para conter a violência policial no território indígena. A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará emitiu nota negando que os disparos tivessem partido de suas equipes e informando que o episódio seria apurado.

O grupo Brasil BioFuels (BBF)

Dono de uma área de dendezais superior a 75 mil hectares na Amazônia, com capacidade de produção de 200 mil toneladas de óleo por ano, o grupo BBF opera dezenas de termelétricas na região Norte que utilizam biodiesel e óleo vegetal fabricado pela própria companhia para a produção de energia.

Agora, o grupo pretende abastecer o mercado da aviação. Em abril de 2022, a BBF fechou um acordo de comercialização exclusiva com a Vibra Energia, maior distribuidora de combustível para aviões no país. Na ocasião, anunciou um investimento de R$ 2 bilhões para produzir biodiesel a partir do óleo de palma.

O combustível, feito a partir de fontes renováveis, busca suprir a demanda do setor aéreo por alternativas aos combustíveis fósseis. Tradicionalmente utilizado pela aviação comercial, o querosene é um derivado do petróleo e representa uma importante fonte de emissões de gases do efeito estufa.

Representantes das maiores companhias áreas do Brasil – Latam, Gol e Azul – participaram do evento em que o investimento da BBF no setor foi anunciado. Segundo a própria BBF, seriam os principais interessados no produto. Em 2022, as três companhias afirmaram à Repórter Brasil não ter nenhum vínculo comercial com a empresa.

*Colaboraram André Campos, Carlos Juliano Barros, Hélen Freitas, Isabel Harari, Leonardo Sakamoto e Paula Bianchi

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(Foto: Marcos Weiske/Repórter Brasil)