Mais de 60% dos trabalhadores rurais estão na informalidade e realizam funções de curta duração ligadas ao ciclo agrícola, como o plantio e a colheita. Por conta disso, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar), possuem uma remuneração irregular que contribui para a grande vulnerabilidade econômica da categoria.
São pessoas que, em sua maioria, recebem salário “no máximo [durante] três meses por ano”, estima o presidente da entidade, Gabriel Bezerra.
A Contar, fundada em 2015, inicia hoje seu 3º Congresso Nacional, em Brasília. Além da diminuição da informalidade e da sazonalidade, estão na pauta do evento o combate ao trabalho escravo no campo, o impacto dos agrotóxicos na saúde dos empregados e a discriminação racial, de gênero e etária na contratação dos trabalhadores.
Em 2021, o Brasil possuía mais de 3,6 milhões de assalariados e assalariadas rurais, segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio, do IBGE. A região Sudeste lidera a geração de empregos (44% do total), seguida pelo Nordeste (26%), Sul (15%), Centro-Oeste (11%) e Norte (4%).
Os empregos rurais, no entanto, estão frequentemente distantes do local de origem dos trabalhadores. Segundo o presidente da Contar, o Nordeste é a principal fonte de mão de obra para as fazendas do país. “Essa migração é sempre uma preocupação, pois o trabalhador é levado para outro estado e infelizmente ainda ocorrem muitos casos de trabalho escravo [nesse processo]”, afirma.
Desde 1995, o Brasil contabiliza mais de 60 mil trabalhadores identificados em situação de escravidão durante fiscalizações do governo federal. A grande maioria deles (90%) trabalhava em áreas rurais. Segundo dados compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a pecuária bovina e o cultivo de cana-de-açúcar lideram entre as atividades com o maior número de resgatados.
Para combater a precarização das condições trabalhistas no setor, o presidente da Contar defende uma revisão da reforma trabalhista aprovada em 2017. Entre os principais impactos, ele destaca o enfraquecimento dos sindicatos e a perda do pagamento das horas in itinere – que corresponde ao tempo gasto para chegar até fazendas de difícil acesso, em transporte fornecido pelo patrão. Bezerra ressalta ainda que não ocorreu o prometido aumento de postos de trabalho oriundos da reforma. “O número de desempregados cresceu e o número de trabalhadores resgatados também”, diz.
A reforma trabalhista flexibilizou as relações de emprego no país. Dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o trabalho intermitente – em que a mão de obra é convocada apenas quando necessário, de acordo com a demanda sazonal das atividades – cresceu notavelmente no setor agropecuário após a reforma.
Para Bezerra, a histórica demanda por acesso à terra permanece como uma das prioridades para enfrentar as más condições de trabalho e renda no setor. Ele defende a adoção de políticas que garantam prioridade a trabalhadores resgatados da escravidão em projetos de reforma agrária do governo federal.
Participação feminina
Entre os milhões de assalariados no meio rural, as mulheres seguem tendo participação muito minoritária. Eram apenas 11% do total, segundo dados de 2021 do IBGE. O cultivo de café e a criação de bovinos foram os dois maiores empregadores da mão de obra feminina identificados pelo órgão.
“As mulheres rurais frequentemente enfrentam disparidades salariais em relação aos homens e têm acesso limitado a oportunidades de emprego e a cargos de liderança no campo”, afirma Maria Helena Dourado, secretária de gênero e geração da CONTAR. A dificuldade para obter benefícios trabalhistas, como licença-maternidade, seguro-saúde e a aposentadoria, é outro problema que atinge em especial as mulheres do setor.
Em julho, foi sancionado o projeto de lei 1.085/2023, que prevê indenizações mais rigorosas para casos de discriminação salarial entre homens e mulheres – e também motivos de raça, etnia, origem ou idade. A nova lei prevê ainda publicação de relatórios de transparência salarial pelas empresas com mais de 100 empregados. Um dos objetivos é justamente garantir uma comparação efetiva dos critérios remuneratórios por gênero.
“Cabe a nós do movimento sindical ficar atento a se isso está sendo cumprido”, diz Bezerra.