Disputa por território se arrasta por 40 anos na Justiça e Arroz de Salú sofre com violência

Pasto comunitário é alvo de processos judiciais reclamando posse, mas enquanto decisão final não chega, os conflitos permanecem. Morador denuncia tortura de policiais
Por Gil Alessi

“Eles jogaram spray de pimenta na minha cara, botaram o saco de plástico na cabeça pra me sufocar. Bateram tanto em mim que saiu sangue do meu ouvido”. É assim, em voz baixa, que Romualdo*, morador da comunidade do Arroz de Salú, em Formosa do Rio Preto (BA), relata os acontecimentos da noite de 23 de março de 2021.

Segundo o camponês, seus algozes foram policiais militares que estavam a serviço de fazendeiros da região e que tentam expulsar a comunidade de suas terras. Uma perícia médica legal, realizada mais de um mês após a data, confirma que seu corpo ainda tinha marcas compatíveis com tiros de bala de borracha – que o rapaz diz ter tomado em um corredor de uma delegacia, naquela noite.

O laudo faz parte de uma investigação da Polícia Civil ocorrida após o episódio, mas a versão que consta nas quase 500 páginas é a da PM da Bahia: segundo os agentes da corporação envolvidos no caso, quem atacou foram os moradores do Fundo e Fecho de Pasto Arroz de Salú – o que resultou inclusive na prisão de integrantes da comunidade, logo revertida pela defesa. “O poder econômico e político em Formosa do Rio Preto ainda determina quem deve ser preso e processado, enquanto que as comunidades tradicionais são encurraladas e subjugadas pela força do mais forte como sempre, infelizmente”, lamenta o advogado da comunidade, Raimundo Ney de Souza Nogueira Paranaguá.

Violência assusta moradores da comunidade de Fundo e Fecho de Pasto Arroz de Salú, que sofre com ataques, invasões, bloqueios de estradas e ameaças de homens armados

Procurada, a Polícia Militar da Bahia informou que “o fato foi objeto de inquérito que foi concluído e remetido ao Ministério Público”, mas não disse qual o resultado da investigação nem comentou a acusação de tortura. O MP não respondeu às perguntas da reportagem.

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Os moradores do Arroz de Salú afirmam que pastos comunitários utilizados há séculos estão hoje ameaçados por grileiros. A disputa de posse do território corre na Justiça há quase 40 anos, período no qual vários ataques e ameaças foram reportados à Justiça.

Há quase 40 anos processos judiciais discutem a posse de áreas dentro do território, localizado em Formosa do Rio Preto, região de expansão do agronegócio no oeste baiano

Em 2014, por exemplo, moradores relataram que o território “havia sido invadido por homens armados que, utilizando-se de tratores, derrubaram o curral, a casa e aterraram a barragem”. Eles também denunciaram bloqueios nas estradas: “o fazendeiro contratou aproximadamente 20 homens armados, impedindo o acesso dos demandantes ao imóvel”, registra uma queixa anexada ao processo judicial.

Entretanto, recentemente a violência escalou, segundo os moradores, acompanhando a expansão do agronegócio no oeste da Bahia e repetindo problemas reportados por outras comunidades de Fundo e Fecho de Pasto ouvidas pela Repórter Brasil.

“Eu fico nervoso porque a gente não pode nem andar até o campo. Os pistoleiros ficam lá dentro, rodando de moto, armados, querendo fazer qualquer maldade”, diz Luiz Pugas, 80 anos, um dos patriarcas da comunidade. A reportagem testemunhou motoqueiros circulando pelas estradas de terra da região que moradores apontam serem pistoleiros.

“Nascemos e fomos criados aqui. Meu pai nasceu e se criou aqui. Minha mãe nasceu e se criou aqui. Sem essa terra [os pastos comunitários] nós não temos nada o que fazer, porque nós vivemos dela”, observa Pugas. 


* nome alterado para preservar a identidade do camponês


Expediente Faroeste Baiano
Reportagem: Gil Alessi
Fotografia: Fernando Martinho
Edição e checagem: Naira Hofmeister
Pesquisa: André Campos e Poliana Dallabrida
Coordenação: André Campos
Redes sociais: Tamyres Matos

Este especial foi produzido com o apoio da World Animal Protection (WAP)


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Fotos: Fernando Martinho / Repórter Brasil / WAP
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