Políticos do Pará tentam suspender retomada de terra indígena campeã em desmatamento

Governador do Pará, prefeito de São Félix do Xingu e deputado tentam reverter em Brasília a retirada de moradores irregulares de território indígena no sudoeste do Pará
Por Daniel Camargos*
 04/10/2023

Enquanto centenas de soldados do Exército, Força Nacional e agentes da Polícia Federal e de outros órgãos públicos federais realizam, desde segunda (2), uma mega operação de retirada dos habitantes irregulares da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, autoridades locais tentam reverter a situação em Brasília.

Esta é a segunda tentativa do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), do prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber de Souza Torres (MDB), e do seu irmão, o deputado estadual Torrinho (Podemos), de suspender a chamada “desintrusão”.

Na semana passada, a mesma comitiva sentou-se à mesa com o senador Jader Barbalho (MDB-PA), o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, o ministro das Cidades, Jader Filho, dentre outras autoridades. Na ocasião, o prefeito de São Félix do Xingu defendeu a realização prévia de um cadastramento dos não indígenas que estão hoje no local.

Situada em São Félix do Xingu, no sudoeste do Pará, a TI Apyterewa foi a Terra Indígena mais desmatada nos últimos quatro anos. O território é alvo de madeireiros, grileiros, pecuaristas e garimpeiros ilegais e já perdeu 106.000 hectares de floresta desde a sua criação em 2007, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Ambos pecuaristas, o prefeito e seu irmão defendem a manutenção dos habitantes irregulares na área e a redução da área demarcada para o povo Parakanã. A TI Apyterewa tem 773 mil hectares – uma área equivalente a cinco municípios de São Paulo.

Em 2020, a Repórter Brasil denunciou a venda de milhares de cabeças de gado de fazendas localizadas dentro da TI para grandes empresas do setor, como a Marfrig, e outras regionais, como Frigol e Mercúrio. A prática, no entanto, não cessou. Em 2022, outra investigação da Repórter Brasil revelou que os invasores forneciam gado indiretamente para a JBS.

A retirada dos invasores da TI cumpre um conjunto de decisões judiciais, dentre elas, a do Supremo Tribunal Federal (STF). Em março, a corte indeferiu, por unanimidade, decisão que impedia a retirada dos não indígenas que ocupam irregularmente o local.

R$ 85 milhões em multas

O avanço de atividades ilegais na TI Apyterewa já rendeu R$ 85 milhões em multas ambientais desde 2020, segundo dados do Ibama. Além da grilagem de terras e da pecuária ilegal, a TI Apyterewa também é alvo de projetos de mineração.

De acordo com o mapa Amazônia Minada, há 54 requerimentos de mineração no território do povo Parakanã. Seis requerimentos foram protocolados apenas em 2023, todos para garimpar ou explorar industrialmente a cassiterita. O minério é usado para fabricar ligas metálicas que são utilizadas em diversos setores, que vão desde a indústria automotiva até embalagens de alimentos.

O território da TI Apyterewa pertence ao povo Parakanã, e também há registros na Funai da existência de povos isolados e de recente contato na região. Segundo o último Censo do IBGE, há 767 indígenas na região.

A pressão sobre a terra aumentou nos últimos cinco anos, em especial durante o governo de Jair Bolsonaro, com o desmatamento batendo recorde histórico de 10.353 hectares no ano passado.

Enquanto dados mais recentes do IBGE contabilizam 616 residentes não indígenas dentro da TI, o comando da operação mapeou 3 mil famílias de ocupantes irregulares. Equipes do Ibama e da Funai consultadas pela Repórter Brasil avaliam que os invasores chamaram mais pessoas para a TI para evitar a retirada das casas construídas ilegalmente dentro do território.

A TI Apyterewa foi homologada oficialmente em 2007 (Foto: Fernando Martinho)

Os servidores do Incra que atuam na retirada dos invasores iniciaram nesta terça o cadastro das famílias. Segundo o comando da operação, aqueles que se enquadrarem no perfil do programa de reforma agrária irão poder participar de editais para receberem um lote em algum assentamento.

Contudo, ninguém será indenizado, pois em 2011 foi realizado um processo de reassentamento das famílias que invadiram a Apyterewa. À época, a Funai identificou 1,2 mil invasores, mas apenas 600 se cadastraram para reforma agrária. Desses, 386 foram reassentados na Fazenda Belalto, desapropriada por pertencer a um traficante de drogas.

A TI Apyterewa foi reconhecida como território indígena em 1992, mas teve a portaria de identificação revogada pelo Ministério da Justiça. A homologação oficial aconteceu 15 anos depois, com redução de 20% dos 981.000 hectares de sua área inicial.

*Daniel Camargos é fellow da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center, em parceria com a Repórter Brasil

**Colaborou Ana Aranha

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Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil