Documentário aborda divisão interna de indígenas Kayapó sobre garimpos

Dirigido por Hyury Potter e produzido pela Repórter Brasil, "A floresta Kayapó em pé" explora as diferenças entre as aldeias que aceitam e as que expulsam garimpeiros de ouro, no sudoeste do Pará
Por Repórter Brasil
 18/03/2024

COM PASSOS FIRMES na mata, Takaknhotire Kayapó busca por caroços que caem das castanheiras centenárias nas proximidades do rio Xingu, na Terra Indígena (TI) Kayapó. As sementes dentro dos caroços servem de alimento e fonte de renda para as comunidades da região, no sudoeste do Pará.

Com 75 anos, Soldado, como Takaknhotire é chamado, já viu muitas mudanças no território do seu povo. Por isso, sabe bem o que quer e, principalmente, o que não quer para a pequena aldeia Kamoktidjam, que ele próprio fundou em 2016 com a família. “Um dia eu fui buscar açaí e não tinha mais, os garimpeiros derrubaram todos os pés”, lamenta Soldado. 

A TI Kayapó foi a mais afetada por garimpos ilegais de ouro nos últimos cinco anos no Brasil. Entre 2018 e 2022, o território perdeu 13,7 mil hectares de floresta por desmatamentos provocados pela mineração irregular, segundo levantamento do Mapbiomas.

No entanto, nem todas as aldeias indígenas locais resistem à investida, como faz a liderada por Soldado. Em algumas delas, os garimpeiros subornam famílias para acessar o território. Segundo os próprios moradores, são poucos as que se beneficiam do dinheiro.

Esse é o contexto abordado pelo documentário “A floresta Kayapó em pé: Bá Kájmã Ãm”, produzido pela Repórter Brasil, com apoio do The Investigative Journalism for Europe (IJ4EU) e do Journalismfund Europe

Nos garimpos, rios se transformam em barrancos de lama

Na face oeste da TI Kayapó, na região cortada pelo rio Xingu, comunidades protegem o território do avanço dos garimpos. Há postos de controle de circulação de embarcações, com registro de quem entra e quem sai da área protegida.

Já na região leste, é como se uma linha dividisse o território, mudando a geografia da floresta. O verde dá lugar ao vermelho do barro, empilhado aos montes pelo maquinário dos garimpos ilegais. 

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Nas aldeias Gorotire e Turedjam, nas zonas leste e nordeste da TI Kayapó, respectivamente, é possível ter acesso de carro. A viagem dura poucas horas, mas no caminho os sinais de como o garimpo afeta a fauna e a flora são evidentes. Os rios no entorno das aldeias estão praticamente mortos, sem peixe.

“Quando eu tinha 11 anos de idade, o rio era tudo limpo, saudável, limpo, peixe. E como é que é hoje? Hoje está sujo, estragado, de garimpo. Barro, mercúrio, tudo estragado. Aí eu me sinto com dor, né?”, afirma Myryre Kayapó, morador da aldeia Gorotire.

O mercúrio citado por Myryre afeta a saúde do povo Kayapó. Estudos da Fundação Oswaldo Cruz em povos indígenas da região Tapajós, no sudeste do Pará, indicam que o metal, utilizado pelos garimpeiros para separar o ouro do barro, provoca danos neurológicos nas comunidades. A contaminação se dá principalmente através do consumo do pescado em rios contaminados por mercúrio. 

“Não são todos nós que estamos mexendo com garimpo, é minoria que mexe com garimpo. A maioria da comunidade quer tirar os garimpeiros todos. Pro rio ficar limpo de novo, pra gente banhar e pescar”, diz Tussan Kayapó, um dos cinco caciques da aldeia Gorotire.

A rota internacional do ouro ilegal

O ouro ilegal que sai do território Kayapó é lavado e exportado para empresas do exterior, e essa cadeia movimenta bilhões de reais por ano. Em 2021, uma investigação da PF (Polícia Federal) em conjunto com o MPF (Ministério Público Federal) desbaratou um grupo que comprava ouro ilegal da TI Kayapó e revendia para uma das maiores produtoras de joias da Itália.

Para Rafael Martins Silva, procurador do MPF no Pará, o objetivo das investigações de órgãos de segurança passou mirar todos os participantes da cadeia ilegal do ouro amazônico, não apenas os garimpeiros. Uma parte importante dessa cadeia são as Distribuidoras de Valores Mobiliários – as DTVMs –, empresas reguladas pelo Banco Central e que podem comprar ouro diretamente de pessoas ou empresas que possuem garimpos. 

“Essas DTVMs limpavam, lavavam, esquentavam esse ouro a partir desse desse processo e vendiam, e aí passavam pra frente esse ouro para diversas outras empresas de mercado financeiro. Também nesse momento estamos percebendo, possivelmente, elas estão chegando também no mercado de tecnologia”, detalha o procurador da República. 

Em Kamoktidjam, Soldado olha para cima e mira o topo de uma imponente castanheira de mais de 40 metros de altura. 

“É assim que nós queremos, que a floresta continue em pé, para que haja fartura e nossos netos também possam caçar e pescar”, diz o ancião, que faz ainda um alerta aos ‘Kubẽn’, como são chamados os não-índios na língua mebêngôkre:

“Não pode invadir nem derrubar a floresta. É isso que eu falo para meus filhos e netos,  e falo para vocês também, se vocês tem filhos cuidem da terra,  da floresta e dos animais para que no futuro eles também possam se alimentar.”

Ficha Técnica

A floresta Kayapó em pé – Bá Kájmã Ãm  (2024 | 18 minutos)

Direção e Roteiro: Hyury Potter 

Produção executiva: Carlos Juliano Barros

Direção de fotografia: Fer Ligabue

Montagem e finalização: Pedro Watanabe

Assistente de Montagem: Vinicius Silvestre

Pós-Produção: Candela Filmes e Pomodoro Studios

Coordenador de Design e Motion: Willer Carvalho

Realização: Repórter Brasil

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Takaknhotire Kayapó, também conhecido como “Soldado”, é um ancião da aldeia Kamoktidjam (Foto: Fer Ligabue)