Vinícolas abandonam terceirizadas e ampliam uso de máquinas um ano após resgate

Salton, Aurora e Garibaldi adotam contratação direta de mão de obra temporária e elevam patamar de mecanização na descarga de uva, onde atuava parte dos 210 trabalhadores encontrados em condições análogas à escravidão em fevereiro de 2023
Por Fernanda Canofre | Fotos Diogo Zanatta | Edição Naira Hofmeister
 06/03/2024

UM ANO APÓS o resgate de 210 trabalhadores em condições análogas à escravidão na safra da uva no Rio Grande do Sul, as três vinícolas responsabilizadas pelo caso trocaram a mão-de-obra terceirizada por contratos diretos e ampliaram a mecanização no setor de carga e descarga dos parreirais à área industrial.

Parte dos resgatados prestava serviços para as vinícolas por meio de uma empresa terceirizada justamente no setor de carga e descarga. Na época, Salton e as cooperativas Garibaldi e Aurora assinaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho comprometendo-se a evitar que a situação se repetisse.

Segundo as empresas, neste ano, a saída para dar conta da demanda extra de trabalho durante a safra foi o remanejamento de trabalhadores de outras regiões ou a contratação direta de funcionários temporários, com contratos de prazo determinado. A operação In Vino Veritas – força-tarefa que reuniu Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul e Polícia Rodoviária Federal – visitou 42 vinícolas na região entre janeiro e fevereiro e identificou apenas três indústrias ainda usando algum tipo de terceirização para o período de colheita.

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‘‘Na maioria das vezes, quem terceiriza, terceiriza única e exclusivamente para reduzir custos”, explica o procurador do trabalho Antônio Bernardo dos Santos Pereira.

“Para as vinícolas, facilita eles mesmos gerenciarem mão-de-obra, em vez de terem que ficar acompanhando, fiscalizando um terceiro”, complementa o auditor-fiscal do trabalho Daniel Engelbrecht.

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As vinícolas também ampliaram a mecanização, reduzindo a contratação de trabalhadores para os postos de carga e descarga de uvas. A Salton confirma 15 vagas a menos neste setor em 2024, e a Aurora, 25. A Garibaldi não especificou em números o impacto da adoção de maquinário. As empresas salientam que a colheita este ano foi menor, devido às condições climáticas adversas – logo, a redução no número de vagas também responde a uma menor demanda.

Salton e Garibaldi afirmam que não houve impacto geral em seus quadros, já que outros setores tiveram aumento de vagas. Aurora salienta que emprega mais de 600 trabalhadores em suas instalações. A íntegra das respostas pode ser lida aqui.

Leia mais: Noites em porões, almoço na caridade: um retrato dos trabalhadores terceirizados na Serra Gaúcha em 2023

Automatização

As três vinícolas envolvidas no caso estão fazendo carga e descarga majoritariamente por meio de bins – contêineres de plástico que comportam até 500 quilos de uva – carregados por empilhadeiras ou braços mecânicos nas plantas industriais. Eles substituem caixas com capacidade para 20 quilos, antes descarregadas por mãos humanas nas fábricas.

Bins tem capacidade para carga de até 500 quilos e substituem caixas de 20 quilos que eram utilizadas para descarga manual

A Aurora iniciou esse processo há sete anos, chegou ao patamar de 85% da carga transportada dessa forma na safra atual e projeta atingir os 100% na safra 2026/2027. A Salton prevê expansão mais veloz, uma vez que neste ano opera com 75% de mecanização na descarga e promete 100% na próxima safra. A carga e descarga na Garibaldi já está totalmente automatizada.

‘‘É um cenário complexo, mas dá para dizer que há uma tendência de aumento da mecanização”, observa o auditor-fiscal do trabalho Daniel Engelbrecht. ‘‘Vimos várias vinícolas investindo em novos equipamentos, em novas formas de administrar o recebimento da carga’’, completa.

“A mecanização é gradual, todos os anos aparecem equipamentos novos para facilitar o trabalho. O que mudou mesmo foi o sistema de trabalho: não há mais a terceirização e, agora, as contratações são diretas”, conclui Oclair Sanchez, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação de Bento Gonçalves, que atende também outros municípios da Serra Gaúcha.

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