PELA QUINTA VEZ desde 1989, um brasileiro se sagrou vencedor do Prêmio Goldman de Meio Ambiente, conhecido como o “Nobel do ambientalismo”. Desta vez, o laureado é o jornalista Marcel Gomes, secretário-executivo da Repórter Brasil. A cerimônia oficial acontece na noite desta segunda-feira (29), nos Estados Unidos. Em edições anteriores, a ministra Marina Silva e a liderança indígena Alessandra Munduruku já foram contempladas.
Gomes foi premiado pelo exercício do jornalismo investigativo na defesa do meio ambiente. Uma cobertura de repercussão internacional, coordenada por ele, revelou os elos entre redes de supermercados da Europa e dos Estados Unidos com frigoríficos brasileiros abastecidos por pecuaristas autuados por desmatamento ilegal de diferentes biomas, como Amazônia, Cerrado e Pantanal.
Por causa da investigação, seis grandes grupos varejistas de Bélgica, França, Holanda e Reino Unido, que juntos somam mais de US$ 30 bilhões anuais em faturamento, chegaram a suspender a venda de produtos de companhias brasileiras de proteína animal, em dezembro de 2021.
“Ter mais transparência na compra e venda de produtos, nas cadeias de suprimentos de commodities, é uma maneira de pressionar para que todos – empresas, governos e consumidores – estejam mais atentos a práticas de produção que não sejam sustentáveis”, resume o secretário-executivo da Repórter Brasil.
Entenda o passo a passo da investigação
A equipe de investigação da Repórter Brasil começou a ser montada em 2008, com o objetivo de desenvolver um sistema de rastreamento da cadeia de suprimentos do agronegócio. Como a pecuária é reconhecidamente o maior vetor do desmatamento no Brasil, a Repórter Brasil passou a ter como foco a cadeia de fornecimento de carne bovina. O trabalho coordenado por Gomes chamou a atenção de organizações internacionais como um dos sistemas de rastreamento mais sofisticados de gado em áreas de desmatamento.
Em 2020, a organização internacional Mighty Earth entrou em contato com o secretário-executivo da Repórter Brasil. Depois de ele apresentar um plano detalhado sobre como descobrir as conexões entre grandes frigoríficos nacionais – como JBS, Marfrig e Minerva – e pecuaristas desmatadores de três importantes biomas brasileiros, a Mighty Earth e a Repórter Brasil se uniram para dar início à investigação.
Nos seis meses seguintes, Gomes montou uma equipe de pesquisadores independentes em quatro países europeus, cuja tarefa era visitar supermercados e encontrar produtos de carne específicos fornecidos pelas empresas investigadas.
Os pesquisadores enviavam fotos dos códigos de exportação do produto do Brasil. Com o número de rastreamento, a equipe da Repórter Brasil mapeava toda a cadeia de fornecimento, de frigoríficos e matadouros até fazendas onde o gado era criado.
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Se uma propriedade identificada tivesse autuações por desmatamento, a equipe checava as informações com fontes locais. Em meados de 2021, com as evidências em mãos, Gomes entrou em contato com os frigoríficos e fornecedores implicados na investigação. Já a Mighty Earth comunicou-se diretamente com os supermercados, que não contestaram os fatos descobertos na investigação da Repórter Brasil.
Em 15 de dezembro de 2021, seis grandes redes de supermercados europeus (Sainsbury’s no Reino Unido, Albert Heijn e Lidl na Holanda, Carrefour e Delhaize na Bélgica e Auchan na França), comprometeram-se a deixar de vender produtos de carne bovina das empresas investigadas e, em alguns casos, toda a proteína animal proveniente do Brasil.
“Este prêmio reconhece o impacto que o jornalismo pode ter para proteger o meio ambiente e, no fim, melhorar a vida das pessoas. A Repórter Brasil foi capaz de fazer o rastreamento da cadeia da carne brasileira da fazenda até os supermercados no exterior, o que empresas diziam não ser possível fazer”, explica Gomes.
De acordo com texto de divulgação da Fundação Goldman, Gomes e sua equipe “se especializaram em uma combinação única de jornalismo investigativo e com redes de informação no campo para expor crimes ambientais e de direitos humanos e, dessa forma, gerar transparência nas cadeias de suprimentos das indústrias brasileiras para mudanças positivas”.
Outra investigação publicada em 2022, e também coordenada por Marcel, levou a JBS a admitir publicamente que havia comprado quase 9 mil cabeças de gado criadas em áreas desmatadas ilegalmente, entre 2018 e 2022. Apesar das investigações, a JBS tem afirmado busca eliminar o desmatamento ilegal de sua cadeia de fornecimento de gado até 2025 na Amazônia e até 2030 em todos os outros biomas brasileiros.
Sobre o Prêmio Goldman, o ‘Nobel do ambientalismo’
Concedido pela Fundação Goldman, o prêmio homenageia anualmente seis defensores ambientais de diferentes regiões do mundo: África, Ásia, Europa, Ilhas e Nações-Ilhas, além das Américas (Norte, Sul e Central). Marcel Gomes é o quinto brasileiro a receber a honraria. No ano passado, a liderança indígena Alessandra Munduruku foi reconhecida pela sua luta contra os impactos da mineração em territórios indígenas.
Os vencedores serão homenageados nesta segunda-feira (29) em uma cerimônia presencial em São Francisco, na Califórnia. O evento será presidido pela fundadora da Outdoor Afro, Rue Mapp, com transmissão ao vivo pelo canal de YouTube do Prêmio Goldman. Uma segunda cerimônia será realizada em Washington, capital dos Estados Unidos, na próxima quarta-feira (01), comandada pela educadora científica Danni Washington.
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