Ibama recebe documentação e assentados cobram rejeição de licença de Belo Sun

Após seis meses de espera, órgão recebeu processo sobre licenciamento de mineradora canadense; para coordenadora da comissão contra violência no campo, a tendência é que a licença seja rejeitada pelo Ibama
De João Paulo Guimarães | Edição Bruna Borges e Diego Junqueira
 28/05/2024

DE ALTAMIRA (PA) – O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais) recebeu em abril a documentação para análise sobre a concessão de licenciamento ambiental à mineradora canadense Belo Sun, que pretende extrair ouro no Pará em uma área que foi destinada à reforma agrária. Os afetados pela operação pressionam para que o licenciamento seja rejeitado. 

A documentação chega ao Ibama seis meses após a Justiça Federal determinar que a responsabilidade sobre o licenciamento seria do Ibama e não mais do órgão ambiental do estado, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará.

A mineradora pretende construir a maior mina de ouro a céu aberto da América Latina na região de Altamira (PA). O local é próximo à Volta Grande do Rio Xingu, região já afetada pela usina hidrelétrica de Belo Monte. Comunidades ribeirinhas e indígenas reclamam que serão afetadas pela futura mina, mas que não foram consultadas sobre o empreendimento. Já agricultores e assentados rurais afirmam que foram obrigados a deixar suas terras após sofrerem ameaças da empresa. A Belo Sun sempre negou as acusações. 

A Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo, ligada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), esteve na semana passada na região para ouvir os moradores do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca, próximo à Altamira (PA), sobre as supostas práticas de assédio e violência cometidas pela empresa canadense Belo Sun na aquisição das terras onde pretende instalar a mina.

A coordenadora da comissão, Cláudia Dadico, afirmou acreditar que a tendência é que o Ibama rejeite a licença. Ela é diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Em visita da comissão contra violência no campo, Cláudia Dadico escuta moradores da Vila do Aú na Volta Grande do Xingu (Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)
Em visita da comissão contra violência no campo, Cláudia Dadico escuta Sebastião de Aú, liderança indígena e morador da Vila do Aú na Volta Grande do Xingu (Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)

“Nós fizemos uma reunião com a presidência do Ibama que nos deixou otimistas. Ainda não é uma posição oficial, mas tudo está se encaminhando para que essa licença não seja concedida. A gente buscou essa informação antes de vir falar com vocês”, declarou Cláudia durante a missão do grupo, conforme vídeo gravado pelos moradores e obtido pela reportagem. 

O Ibama admitiu que existiu a reunião, mas não confirma que a decisão sobre o licenciamento foi tomada. O processo de análise ainda está em andamento e o órgão costuma só divulgar a decisão final, sem comentários de tendência.

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Comitiva vigiada

Enquanto a comitiva se dirigia para visitação da região conhecida como Vila Ressaca, um grupo armado de vigilantes da empresa de segurança Invictus, a serviço de Belo Sun, acompanhou o trabalho da comissão que caminhava pela vila e interagia com as pessoas.

A comissão era acompanhada por agentes da Polícia Federal, que chegaram a abordar os vigilantes.    

A Belo Sun afirmou, por meio de nota, que os funcionários da Invictus se deslocam da base para a região da Vila da Ressaca como rotina de trabalho e que é “inevitável a passagem da equipe de segurança pela frente da área do referido acampamento”. Afirma também que “isso não quer dizer que houve uma orientação da empresa para que a Invictus acompanhasse a visita; a Invictus apenas cumpre sua rotina de trabalho.” E que não houve qualquer mal-estar entre a empresa e a Polícia Federal. A íntegra da nota pode ser lida aqui.

Grupo de vigilantes da empresa de segurança Invictus, a serviço de Belo Sun, acompanhou o trabalho da comissão que caminhava pela vila e interagia com as pessoas. E conversou com agentes da Polícia Federal  (Foto: Verena Glass/Xingu Vivo para Sempre)
Grupo de vigilantes da empresa de segurança Invictus, a serviço de Belo Sun, acompanhou o trabalho da comissão que caminhava pela vila e interagia com as pessoas. Tambem conversou com agentes da Polícia Federal (Foto: Verena Glass/Xingu Vivo para Sempre)

A companhia disse ainda que, como detentora dos direitos minerários na região, é responsável pelas áreas e atividades, inclusive a degradação ambiental que as atividades de garimpo causam. Disse também que a companhia precisaria “se respaldar e documentar todo e qualquer crime ambiental cometido ali para apresentar aos órgãos responsáveis”. Segundo a empresa, o “papel da Invictus é tão somente o de monitorar a área, tendo convivência pacífica com as comunidades locais. Estranhamos também que a Comissão não tenha visitado e conhecido as atividades de garimpo ilegais na região, que constituem uma forma explícita de violência no campo.”

A área é contestada pela ouvidoria do MDA, que defende a anulação do contrato que entregou 2.428 hectares de terras da União para Belo Sun extrair ouro em uma área reservada para um assentamento de reforma agrária. A comissão obteve relatos de denúncias “coerções, violências e desintrusões ilícitas”.

O que dizem os moradores

Um dos relatos é do pescador Orlando Rodrigues Lima, de 36 anos. Ele mora em Belo Monte I, na região de Anapu. “A calamidade dessa Volta Grande não é pequena não. O nosso sustento é o rio e como vocês viram, ele está morrendo. Hoje os peixes não se alimentam se a gente não jogar fruta na água para eles. A gente precisa da ajuda de vocês”.

“Aqui somos ameaçados. Já queimaram nossas coisas, escondemos os barcos para não sermos agredidos. Mas desse território a gente não sai. Esse peixe que vocês comeram hoje a gente demorou dois dias para pescar. Essa é a nossa realidade”, conta Sebastião de Aú, liderança indígena da região.

Outro caso relatado é o de Francisco Pereira da Silva, conhecido pela comunidade por “Piauí”, que morreu em 24 de maio. Sua filha, Daliane Morais da Silva, relatou que o pai era vigiado por pessoas favoráveis à operação da mineradora.

“Meu pai morava lá desde 1985 e vivia bem até aparecer esse negócio da Belo Sun, que queria tirar o povo da área. [Ele ] era presidente da Associação de Moradores e presidente da Associação dos Garimpeiros. O pessoal da Belo Sun começou a ir atrás dele. Vigiavam ele até no trabalho, aí ele fez boletim de ocorrência pedindo medidas protetivas porque tinha medo de ir trabalhar e não voltar para casa”.

Em 2020, Silva sofreu uma agressão violenta por pessoas favoráveis ao empreendimento da Belo Sun, segundo a filha. Sua casa foi saqueada e seus pertences roubados, e ele ficou depressivo. “A casa dele foi roubada e levaram tudo. Aí ele ficou muito triste. Ele só vivia tendo dor de cabeça, aí sofreu um AVC [acidente vascular cerebral] e nunca mais ficou bom”, comentou Daliane.

Antes de seu estado de saúde piorar, Silva gravou um vídeo denunciando o assédio que vinha sofrendo como líder comunitário. “Como cidadão brasileiro, eu tenho o direito de existir. Eu quero proteção. Quero que eles [Belo Sun] assinem um termo de que se algo acontecer comigo eles serão responsabilizados. Pessoas já morreram na região e eu não quero ser a próxima vítima”, dizia Silva no vídeo.

A Belo Sun afirmou que esperava a visita da comitiva, mas que “estranhou” o grupo não “ter dialogado com as lideranças das Associações Comunitárias, tais como a AMARVGX e Juruara – legítimos representantes da comunidade da Ressaca”. A manifestação completa da empresa pode ser lida aqui.

Em relação às acusações dos assentados sobre sofrer intimidações, assédio moral e físico, a empresa afirmou que “jamais praticou ou mandou praticar qualquer ato do tipo, repudiando qualquer tipo de violência contra quem quer que seja”. Afirmou também que o advogado da empresa já esteve no acampamento e se colocou à disposição para dialogar com os acampados. 

A Belo Sun disse ainda que está na região há mais de 12 anos e durante esse período foram “realizadas audiências públicas, oficinas participativas, cursos profissionalizantes e diversas ações sociais que visam levar o mínimo de dignidade a uma região que é esquecida até pelo poder público”. E afirmou também que a empresa “não considera que a sua presença na região piorou a vida de qualquer pessoa na área”.

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