O BANCO CENTRAL abriu entre abril e junho uma consulta pública sobre as informações que os bancos divulgam relacionadas aos riscos sociais, ambientais e climáticos de suas operações. Agora, o órgão avalia as propostas para estabelecer novas regras de transparência para o setor, como a publicação de indicadores quantitativos para o gerenciamento de risco climático, planos de transição e compromissos voluntários das instituições.
Para especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, os bancos precisam prestar contas sobre as emissões de gases de efeito estufa dos projetos que financiam. O critério põe dois setores no foco dos relatórios: a agropecuária e a geração de energia de fonte fóssil, como o carvão, o gás e o petróleo.
“É preciso trazer uma reflexão crítica sobre o que o sistema financeiro chama de risco”, avalia Julia Catão Dias, advogada e especialista no programa de consumo responsável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “Para as instituições financeiras e para os próprios órgãos reguladores, a avaliação de risco não é o risco para o clima, para as comunidades tradicionais, mas para o ativo e o investimento”, completa.
O Idec coordenou a elaboração de um documento de doze páginas com propostas para a consulta pública, junto à coalizão Forests and Finance. A Repórter Brasil teve acesso à versão preliminar do documento. A proposta recomenda que os bancos devem ter metas para reduzir o financiamento ligado a altas emissões de gases do efeito estufa, alinhando-se ao cenário de limite de 1,5ºC no aumento médio da temperatura global.
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A proposta sugere também que os bancos deveriam excluir o financiamento a empresas que se dedicam à exploração de novos poços de petróleo de gás.
Já no setor agropecuário, o Idec propõe a exclusão do crédito a fazendas que estão em terras ocupadas por indígenas, “ainda que elas não tenham sido homologadas, regularizadas ou definidas”. A proposta destaca ainda a restrição a práticas antiecológicas, que seriam definidas por critérios como: consumo de água por tonelada produzida, emissões de gases do efeito estufa e quantidade de agrotóxicos utilizados.
“Nenhum banco tem, por exemplo, política para redução de agrotóxicos”, exemplifica Dias. “Os bancos brasileiros têm muito mais facilidade para desfinanciar energias fósseis do que o agronegócio, embora no Brasil as emissões estejam concentradas na agropecuária”, conclui.
O texto aponta critérios técnicos para as questões apresentadas pelo Banco Central e traz sugestões inspiradas no método usado no Guia de Bancos Responsáveis (GBR) – iniciativa de avaliação anual dos bancos brasileiros, sob coordenação do Idec.
O documento propõe ainda uma ampla integração de bases de dados, incluindo informações da plataforma Adapta Brasil, do Ministério de Ciência e Tecnologia, que apresenta indicadores de ameaça climática como desastres hidrológicos, secas e segurança alimentar e permite a análise de cenários para 2030 e 2050.
Regras e boas práticas recomendadas
Desde 2021, uma resolução do BC obriga os bancos a divulgarem suas políticas de responsabilidade social, ambiental e climática. No entanto, de acordo com as regras atuais, eles devem prestar informações apenas qualitativas em seus relatórios. Com a atualização, o BC quer impor requisitos quantitativos e tabelas padronizadas, com periodicidade anual e divulgação obrigatória.
Mas os bancos têm que lidar com um limbo de informações atualmente, afirmam pessoas ligadas ao crédito rural de bancos privados. Algumas pesquisas para a concessão de crédito rural, por exemplo, ainda precisam de esforço manual para checar extensas bases de dados em diferentes fontes, apontam. A padronização é desejável para dar mais clareza sobre as metas e tendências, mas precisaria acompanhar uma integração de bases de dados e esclarecimento metodológicos.
Para Lucca Rizzo, especialista em finanças climáticas do Instituto Clima e Sociedade (ICS), a criação de indicadores mais claros sobre o impacto do clima no portfólio dos bancos possibilitaria uma mudança nos critérios de crédito, que poderia ficar mais acessível para empresas alinhadas à ação climática e mais custoso para projetos que causem danos ou não sejam resilientes ao clima.
Rizzo também defende que os bancos mapeiem os riscos futuros. “Em setores com maior exposição às mudanças climáticas, como o do agronegócio ou de infraestrutura, esse mecanismo incentivaria os bancos a exigir critérios de resiliência e adaptação climáticas mais rigorosos de seus clientes corporativos”, aponta.
Segundo Rizzo, o aumento do risco deve levar, consequentemente, à redução da disponibilidade de capital para aquela carteira. O especialista do ICS sugere que os novos indicadores do BC considerem um aumento do risco para carteiras intensivas em carbono – ou seja, com altas emissões de gases causadores do aquecimento global – e também para aquelas com baixa resiliência à adaptação climática.
Um dos principais objetivos do BC com a padronização desses relatórios é alinhá-los aos padrões internacionais, cujas principais referências são a Task Force on Climate-related Financial Risks (TFCR) e a International Sustainability Standards Board (ISSB).
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